São Paulo, Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PROTESTO
FHC enfrenta maior protesto em quase cinco anos de governo
Oposição reúne 75 mil e promete greve nacional

MARTA SALOMON
da Sucursal de Brasília


Aos gritos alternados de ""Fora" e ""Basta de FHC", em defesa do impeachment e até da renúncia do presidente Fernando Henrique Cardoso, partidos de oposição e entidades da sociedade civil promoveram ontem a maior manifestação contra o governo em quase cinco anos com um recado: o protesto em Brasília foi apenas o primeiro.
O cálculo do número de pessoas presentes à ""Marcha dos 100 Mil" variou. Os organizadores do ato estimaram mais de 100 mil pessoas. Foram 60 mil, segundo o comandante do grupamento de operações especiais da Polícia Militar, coronel Renato Azevedo. A Secretaria da Segurança do Distrito Federal contou pouco mais de 40 mil manifestantes.
Projeções feitas pela Folha com base em fotos aéreas e na averiguação da densidade de manifestantes por metro quadrado no ato indicam a presença de cerca de 75 mil pessoas.
O tamanho da manifestação da oposição em Brasília só perdeu para a visita do papa João Paulo 2º, em outubro de 1991, quando a PM apontou a presença de 300 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios.
""Estou gratificado. Que FHC e sua corja nunca mais ousem duvidar da capacidade de organização da sociedade", disse o líder petista Luiz Inácio Lula da Silva ao encerrar a manifestação classificada pelos organizadores como uma grande e pacífica vitória.
"Depois desta "Marcha" ninguém vai poder dizer que a oposição não tem rumo", disse a ex-deputada Maria Laura (PT-DF), sobre a alcunha de ""sem-rumo" dada aos integrantes do movimento por FHC.
Embora não tivessem uma pauta unificada de propostas, os líderes da marcha deixaram claro que não pretendem apenas uma mudança no governo, mas uma mudança de governo: a saída do presidente a menos de oito meses da posse no segundo mandato.

Mobilizações
""Temos de fazer milhares de movimentos como este até tirar essa gente do poder", discursou Lula, confirmando o que o presidente do PDT, Leonel Brizola, dissera um pouco antes no mesmo palanque montado em frente ao Congresso Nacional: ""Esse ato é apenas o começo de uma grande jornada que só vai parar no dia em que tivermos um governo em que o povo brasileiro confie".
""Daqui para a frente, vamos fazer como o Corinthians, vamos arrasar cada vez mais", completou Lula do palanque, dirigindo-se diretamente a FHC: ""Quem não tem rumo é você". Organizadores da marcha atribuíram ao próprio governo federal parte do sucesso da mobilização.
Classificar os manifestantes de sem-rumo e golpistas foi a principal reação do presidente e seus assessores à marcha. Mas ontem o governo começou a mudar o discurso e passou a reconhecer que os descontentes têm motivos para reclamar.
Segundo a Folha apurou, a estratégia do governo é evitar que FHC, já abalado por altos índices de impopularidade, se isole da sociedade. A idéia no Planalto é investir mais na comunicação do governo. FHC não aceita discutir o pedido de renúncia nem a proposta de romper com o FMI.
O próximo protesto nacional contra FHC está marcado para acontecer em menos de duas semanas. No feriado de 7 de Setembro, data do "Grito dos Excluídos", estão previstas manifestações nas capitais.
O calendário da oposição inclui a proposta de uma greve nacional em 8 de outubro ""contra o governo neoliberal de FHC". As palavras de ordem são as mesmas: ""Basta de FHC e Fora o FMI", expostas nas faixas que decoraram o palanque de ontem.

Pauta
Os cinco partidos de oposição (PT, PSB, PDT, PCB e PC do B) e as demais entidades que promoveram a manifestação em Brasília não chegaram a divulgar ontem na marcha um manifesto com as propostas do movimento.
Uma nota escrita às pressas na véspera por representantes das entidades encabeçadas pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), UNE (União Nacional dos Estudantes) e CMP (Central dos Movimentos Populares), sem a assinatura dos partidos, foi divulgada pela Internet.
A nota propõe: emprego para todos, aumento geral de salários, redução da jornada de trabalho, fim das privatizações e auditoria nas empresas já privatizadas, suspensão do pagamento da dívida externa e ampla reforma agrária.
Assinada genericamente pelo Fórum Nacional de Luta, o texto menciona o pedido de impeachment de FHC, atrelado ao pedido de instalação de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Congresso para investigar a privatização das teles.
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que participa oficialmente do fórum, divulgou nota paralela, sem falar em impeachment nem em renúncia de FHC. ""As manifestações e mobilizações que estão acontecendo nesses dias traduzem um descontentamento crescente", registrou.

Ausências
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), autoras do pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, tiveram o apoio à manifestação cobiçado, mas não participaram da marcha.
Durante o protesto, os manifestantes ganharam o apoio do senador Roberto Requião (PMDB-PR) e do deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP), recebidos com vaias pelos manifestantes.
Frei Betto, um dos primeiros oradores da manifestação, lembrou a absolvição, na semana passada, dos três oficiais da Polícia Militar do Pará envolvidos na morte de 19 sem-terra em Eldorado do Carajás.
Pediu que a platéia levantasse as mãos e os braços e fizesse um minuto de silêncio.


Colaboraram Flávia de Leon e Daniel Bramatti, da Sucursal de Brasília, e Valéria de Oliveira, free-lance para a Folha

Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Frases
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.