São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 2006

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ELIO GASPARI

Dr. Ulysses, velai por "nosso guia"

Em 1998, Lula ficou sonado durante o debate. Amanhã, fará melhor se for à TV Globo

FALTAM POUCO mais de 24 horas para que Lula tome uma decisão que poderá marcar sua vida pública: vai ou não ao debate da TV Globo? "Nosso guia" está numa situação parecida com a que Ulysses Guimarães viveu na noite de 13 de maio de 1978, numa calçada do Campo Grande, em Salvador, quando viu-se diante de uma tropa de soldados e cães da PMs. Ulysses teve que tomar sua decisão num átimo. Lula ainda tem o dia de hoje e a tarde de amanhã para pensar.
É razoável que um presidente se recuse a ir a um debate com três adversários? Em 1998, FFHH recusou-se, mas o formato do encontro era outro, exigindo a presença de dez candidatos zumbis. Na ocasião, Lula e Ciro Gomes lançaram um manifesto pedindo aos eleitores que provocassem o segundo turno, para permitir o debate da crise econômica. Boa idéia.
A decisão de ir ao estúdio ou deixar a cadeira vazia parece depender de um cálculo político. Entrar numa arena onde estarão três adversários pode parecer suicídio. Admita-se que, não indo, "nosso guia" arrisque perder dois pontos percentuais. Indo, poderia perder quatro. Nesse caso, seria melhor não ir. Se os números forem trocados, melhor ir. Uma coisa é certa: ninguém votará em Lula porque ele não foi. Para seus apóstolos de pouca fé, trata-se de escolher o caminho do menor prejuízo.
Enfrentar Geraldo Alckmin, Heloísa Helena e Cristovam Buarque não é tão difícil quanto parece pois, se eles se unirem contra Lula, ficará exposta a demasia do três-contra-um. Uma pessoa que está sendo linchada pode esperar alguma solidariedade da platéia. (Num caso real, ocorrido na sua juventude, Lula negou-a, mas essa é outra história: "Eu achava que o pessoal estava fazendo justiça".) No caminho inverso, a cadeira vazia estimula o massacre do ausente soberbo.
O absenteísmo despreza a possibilidade de "nosso guia" prevalecer, e isso não é pouca coisa. Lula ainda tem tempo para receber a centelha que, em 1978, fulgurou em Ulysses Guimarães. Era uma época na qual sempre que a PM vinha com seus cães, a oposição parava, conversava e recuava. Ulysses continuou caminhando, pediu respeito e foi em frente. Só no dia seguinte, diante da fotografia da cena nos jornais é que ele e Tancredo Neves (que ficou um pouco atrás), deram-se conta de que haviam vivido um instante ilustrativo do declínio da ditadura.
Com mais de 30 anos de vida pública, Lula tornou-se um exemplo de líder político audaz, instintivo. Em duas ocasiões, contudo, no lugar da faísca veio-lhe o branco. Talvez tenha sido o cansaço, mas "nosso guia" apagou durante o debate com Fernando Collor em 1989. É dele o registro, passado a Ricardo Kotscho: "Perdemos a eleição. Eu me senti como um lutador sonado". O outro apagão deu-se durante a greve de 1979, no dia seguinte à intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos. Lula não apareceu na assembléia de 30 mil trabalhadores realizada no Paço de São Bernardo. Só voltou à tona à noite, no Sindicato dos Jornalistas. Segundo uma narrativa de Osvaldo Bargas -ele mesmo- e Luís Flávio Rainho ("As Lutas Operárias e Sindicais dos Metalúrgicos de São Bernardo", página 140), nesse dia a atriz Lélia Abramo diz a Lula que ele "estava se omitindo num momento em que a classe operária estava escrevendo sua história".
Se doutor Ulysses puder, bem que poderia mandar um sinal para Lula. Gostava dele.


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