São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2008

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ELEIÇÕES 2008 / SÃO PAULO

Pesquisadores de Kassab distribuem brindes

Promotora eleitoral vê, em tese, uma possível captação ilegal de votos; empresas de marketing dizem que "todos fazem isso"

Com câmera oculta, comitê de Alckmin flagrou entrega de presentes a participantes de "qualitativas" abordados em rua do centro da cidade

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Duas empresas que fazem o marketing da campanha do prefeito Gilberto Kassab (DEM), encarregadas de fazer pesquisas qualitativas, têm abordado eleitores no centro de São Paulo com a promessa de distribuição de brindes.
Os eleitores são encaminhados a um escritório na rua Araújo, perto da praça da República, onde assistem a vídeos de campanha -incluindo um inédito no horário eleitoral da TV, com ataques à candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB). Ao final, eles recebem um porta-retratos.
A lei 11.300/2006 proíbe a distribuição de prêmios e brindes a eleitores. As empresas APPM e Network reconheceram a entrega do presente, mas alegam que a prática "é normal" e não fere a lei (leia texto à pág. A26). Elas afirmam que se trata de uma pesquisa qualitativa, na qual avaliam a recepção do eleitor à propaganda eleitoral da televisão.
Em média, as equipes entrevistam cem eleitores por dia em três locais diferentes.
Um vídeo gravado com a câmera escondida por um funcionário da campanha de Alckmin, obtido pela Folha, confirmou a entrega do brinde. No vídeo, de 22 minutos, a pesquisadora aborda o "eleitor" com prancheta na mão e indaga se ele aprova ou não a administração de Kassab. Após uma primeira hesitação, a pesquisadora associa resposta positiva do "eleitor" à entrega do brinde.
"Só tem que aprovar a gestão dele [Kassab], porque você tem que ver uma propaganda dele. Você ganha um brinde", diz a pesquisadora. Ela então acompanhou o cinegrafista até o escritório na rua Araújo, que tem cinco atendentes. Pouco antes, a funcionária recomendou: "Mas tem que aprovar a administração do homem [Kassab].
No escritório, ele teve de assistir a vídeos de propaganda eleitoral contra e a favor de Kassab. Um dos filmetes que contém críticas a Alckmin nunca foi divulgado na TV. O narrador diz que "Alckmin ataca Kassab por antigos apoios. Mas Kassab sempre foi leal aos tucanos". O vídeo afirma ainda que Alckmin "está com o apoio de [ex-prefeito Celso] Pitta e [ex-presidente da República Fernando] Collor". "Por que ele esconde tudo isto e ataca Kassab?", indaga o narrador.
O cinegrafista perguntou às atendentes quantos eleitores são ouvidos por dia naquele local. Calcularam 50 pessoas, em média. Minutos depois, o cinegrafista saiu do prédio com o presente na mão.
Na tarde da quarta-feira, a Folha presenciou a pesquisadora prometer brindes para três transeuntes. A reportagem acompanhou ainda a saída de três eleitoras com um pacote nas mãos, uma caixa verde clara, idênticas à recebida pelo funcionário do comitê de Alckmin que fez a gravação. Ontem, as empresas franquearam o acesso à sala onde ocorrem a entrevista e a entrega do brindes. Ao receber o presente, o eleitor assina um recibo.
A promotora eleitoral de São Paulo Maria Amélia Nardi Pereira, que falou sobre o assunto em tese, disse que o comportamento "pode caracterizar captação ilegal de sufrágio". "Eles simulam. Faz de conta que estamos fazendo uma entrevista em cima do eleitor indeciso. (...) E faço um trabalho em cima, inclusive com brinde", descreveu a promotora. "Eles sabem como a coisa funciona. Para não fazer a coisa diretamente, fazem uma coisa enviesada."
Wendel Gomes, auxiliar de uma seguradora, foi ouvido pela Folha logo após deixar o escritório na rua Araújo. Disse que recebeu uma oferta de comida. "Perguntaram se eu queria alguma coisa para comer. Tinha lá uma mesa. Mas eu não quis nada", disse Gomes. Na sexta-feira, após o contato feito pela Folha, a empresa Network colocou um supervisor na rua para observar as pesquisadoras, que também mudaram de abordagem. O eleitor Rodrigo Souza, 21, disse que não lhe foi oferecido brinde.
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