São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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Polícia diz que Alstom pagou a R$ 2,4 mi a firma-fantasma

Depósito seria simulação de negócio para esconder pagamento de propina a políticos

A Mutual, cuja conta também recebeu recurso de empresas envolvidas no mensalão, foi criada com documentos de donas de casa de Manaus


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Alstom pagou cerca de R$ 2,4 milhões a uma empresa-fantasma chamada Mutual Finance Investments & Participações, criada com os números de documentos de duas donas de casa que moram em palafitas na periferia de Manaus (AM), segundo documentos da Polícia Civil de São Paulo obtidos pela Folha.
A polícia acredita que os R$ 2,4 milhões que saíram da conta da Alstom foram usados para comprar dólares, que teriam sido usados para pagar propina a políticos ou a funcionários públicos. Os depósitos foram feitos em 2003. De acordo com essa versão, a Mutual seria a simulação de um negócio cuja conta bancária seria movimentada por doleiros.
Empresas que foram citadas na CPI dos Correios também fizeram depósitos na conta da Mutual. Entre outras, estão a DNA Propaganda, agência de Marcos Valério, e a corretora Bônus Banval, acusada de repassar recursos do mensalão a políticos do PL -o que as duas empresas negam.
A Alstom diz que o dinheiro depositado na conta da Mutual foi a comissão paga a um corretor pela venda de debêntures e títulos da Cesp (Companhia Energética de São Paulo). Foi o corretor, de acordo com a Alstom, que indicou que a comissão deveria ser depositada na conta da Mutual (leia texto nesta página).
Debênture é um título que empresas do tipo sociedade anônima colocam no mercado, como se fosse um empréstimo que elas prometem pagar a médio ou longo prazo.
A Alstom está sob investigação no Brasil, na Suíça e na França sob suspeita de pagar comissões ilegais a políticos para obter contratos públicos. Em São Paulo, contratos da empresa com a Eletropaulo e o Metrô são investigados pelo Ministério Público Estadual e pela Polícia Federal.
O Ministério Público da Suíça congelou as contas de dois brasileiros suspeitos de receberem propina da empresa: o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Robson Marinho e o engenheiro Jorge Fagali Neto, irmão do presidente do Metrô. Os dois negam ter conta fora do Brasil.

Comissão suspeita
O depósito na conta de uma empresa-fantasma não é o único ponto suspeito no negócio, na visão da polícia. O valor da comissão também é considerado fora dos padrões de mercado, segundo um relatório da Polícia Civil.
A Alstom vendeu em 2003 cinco debêntures da Cesp no valor total de R$ 18.529.115. A comissão total paga foi de R$ 2.392.736, o equivalente a 13% do valor dos títulos.
Esse percentual é completamente fora das normas de mercado, de acordo com um dos relatórios da polícia. O Sistema Nacional de Debêntures, citado no texto da polícia, estabelece como norma que as comissões não devem superar 1,5%.
Se esse percentual fosse aplicado à venda feita pela Alstom, a comissão deveria ser de R$ 277,9 mil -ou R$ 2,1 milhões a menos do que o valor pago.
A documentação sobre a Mutual foi encontrada pela polícia em investigação sobre uma corretora de câmbio suspeita de trabalhar para doleiros.

Método clássico
A simulação de um negócio é uma forma clássica para o pagamento de comissões ilícitas. O empresário Romeu Pinto Jr., que representava uma empresa suspeita de repassar recursos da Alstom para políticos, disse ao promotor Silvio Marques e ao procurador Rodrigo de Grandis que recebeu pouco mais de US$ 1 milhão da Alstom entre 1998 e 2002 sem nunca ter prestado as consultorias para as quais fora contratado. Os contratos de consultoria, de acordo com ele, eram um disfarce para o pagamento de comissões ilegais.
Promotores da Suíça também dizem ter identificados casos de contratos de consultoria que serviam de biombo para o pagamento de propina.


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