São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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ENTREVISTAS

NO EXTERIOR Líder francês quer PT na Internacional Socialista e diz que partido saberá evitar extremismos; brasilianista crê que não-cumprimento de promessa gerará descrença na democracia

Para líder socialista francês, vitória dará fôlego às esquerdas

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

A eventual vitória de Lula dará novo fôlego às esquerdas latino-americanas, na opinião do primeiro-secretário do Partido Socialista francês, o deputado François Hollande. Para ele, Lula é um "verdadeiro social-democrata" e seu governo não levaria o país ao isolamento internacional.
"Na França, quando [o socialista] François Mitterrand ganhou a eleição presidencial de 1981, comentaristas internacionais prediziam o isolamento de nosso país. Veja o que se passou. Mitterrand se tornou um parceiro respeitado de todos os grandes dirigentes do mundo. Estou certo de que o mesmo acontecerá com Lula", diz.
Segundo Hollande, Lula deverá rediscutir o acordo de transição com o FMI. "Todo mundo concorda em dizer, inclusive no FMI, que esse acordo não é perfeito." Ele afirma também que as alianças serão indispensáveis ao eventual governo, a fim de restaurar a confiança econômica e financeira no país. Na sua opinião, o PT "saberá evitar derivas extremistas".
Hollande, 48, é a principal personalidade da esquerda na França e um dos nomes-chaves da social-democracia européia. Em 1997, tornou-se primeiro-secretário do PS no lugar de Lionel Jospin, então indicado para primeiro-ministro. Com a derrota de Jospin nas eleições presidenciais deste ano e com o seu afastamento voluntário da política, Hollande se tornou o líder dos socialistas.
Hollande antecipa, na entrevista abaixo, que "o PT terá o seu lugar na Internacional Socialista e que sua presença será bastante benéfica a essa organização". A Internacional Socialista (IS) reúne os principais partidos de centro-esquerda do mundo, como o SPD (Partido Social-Democrata), do chanceler Gerhard Schröder, e o Partido Trabalhista, do primeiro-ministro Tony Blair.
Lula teve dois encontros com Hollande neste ano -em janeiro, em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial, e em abril, em Paris, quando o líder petista participou de um comício da campanha presidencial de Lionel Jospin.
"Essas duas ocasiões me permitiram descobrir um homem sincero e determinado", diz Hollande. O Partido Socialista francês seria um dos principais aliados de um governo Lula na Europa.

Folha - Quais as implicações da eventual vitória de Lula para o continente latino-americano?
Hollande -
A vitória seria também da esquerda latino-americana e daria a esta um novo fôlego. Nós tivemos certo sucesso nos últimos anos, notadamente no Chile, onde o presidente Lagos soube prosseguir a democratização do país, não deixando de lado o progresso social. O sucesso de Lula traria esperanças a todos os nossos parceiros da América Latina.

Folha - O sr. acredita que um governo Lula teria o apoio sem reservas de outros países e governos?
Hollande -
Na França, quando François Mitterrand ganhou a eleição presidencial, em 1981, comentaristas internacionais prediziam o isolamento de nosso país. Veja o que se passou. François Mitterrand se tornou rapidamente um parceiro respeitado de todos os grandes dirigentes deste mundo. Estou certo de que o mesmo aconteceria com Lula. Ele me pareceu um verdadeiro social-democrata e uma personalidade perfeitamente à vontade com os grandes temas mundiais. Ele soube evoluir, permanecendo, porém, muito ligado a suas convicções: penso que muito em breve será apreciado por todos os seus parceiros internacionais.

Folha - Como os socialistas franceses podem contribuir hoje para reduzir a desconfiança que existe em certos meios internacionais a respeito de Lula e do Partido dos Trabalhadores?
Hollande -
Em janeiro deste ano, em Porto Alegre, nós organizamos um encontro entre as direções dos dois partidos, o Partido Socialista e o Partido dos Trabalhadores. Nós compartilhamos um bom número de valores e de objetivos. Pensamos que o PT terá seu lugar na Internacional Socialista e que sua presença será bastante benéfica a essa organização, sobretudo na América Latina.

Folha - Quais serão as primeiras ameaças ao bom funcionamento de um governo Lula?
Hollande -
Não falaria em ameaças. Lula teria um número importante de desafios a enfrentar, os quais ele próprio sublinha em seu programa: a retomada do crescimento -mantendo o respeito ao rigor orçamentário-, o controle da inflação, a criação de empregos, a luta contra a pobreza, a melhoria do sistema educativo e de saúde, o aumento do salário mínimo e a reforma agrária. São objetivos ambiciosos, mas que sua determinação e sua percepção da realidade ajudarão a atingir. Mesmo que a situação econômica do país permaneça frágil, o Brasil dispõe de recursos que o ajudarão a enfrentar esses problemas. Eu pude constatar em Porto Alegre que Lula está acompanhado de uma equipe séria, com experiência em gestões locais.

Folha - O Brasil enfrentou nos últimos meses uma enorme crise financeira devido às "incertezas políticas", nas palavras de investidores internacionais. Por que o mercado teme tanto Lula?
Hollande -
O conjunto dos atores políticos e econômicos do Brasil, em primeiro lugar o presidente Fernando Henrique Cardoso, teve a inteligência de tentar acalmar o mais rápido possível a crise financeira. Lula não parece suscitar temores hoje em dia, nem junto aos empresários e investidores, nem junto ao FMI. Alguns chegam mesmo a apoiá-lo. Isso ocorreu porque muitos compreenderam que sua política contribuirá para assegurar a coesão econômica e social do Brasil.

Folha - O que o PT e Lula deveriam fazer para acalmar os investidores já no início de um governo?
Hollande -
O G-7 reafirmou recentemente seu apoio ao Brasil. E eu estou certo de que a coligação que Lula conseguiu realizar servirá para assegurar a estabilidade do país, que é essencial para restaurar a confiança econômica e financeira dos investidores.

Folha - O sr. pensa que um governo petista deveria respeitar o acordo do governo Fernando Henrique Cardoso com o FMI ou acha que esse acordo precisa ser rediscutido?
Hollande -
Lula endossou o acordo de transição assinado com o FMI. Agora, todo mundo concorda em dizer, inclusive no FMI, que esse acordo não é perfeito. Ele será sem dúvida revisto, e não devemos senão permanecer tranquilos quando o diretor-geral do FMI, Horst Köhler, declara estar confiante numa "transição sem choque após as eleições".

Folha - No Brasil, alguns se perguntam se Lula e o PT têm realmente qualificação para ocupar o governo do país. Qual é a sua opinião?
Hollande -
Um partido que gere autoridades locais de maneira notável e um homem cujas qualidades são hoje reconhecidas por muitas personalidades, inclusive no FMI, parecem-me largamente qualificados para dirigir o Brasil.


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