São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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HISTÓRIA

COMPANHEIROS Dos sete sindicalistas que tiveram a idéia original de fundar o partido, em 1978, apenas Lula e o governador gaúcho, Olívio Dutra, continuam líderes entre os petistas

Pré-históricos do PT caem no limbo

CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL

A estrela era ainda uma nebulosa em formação na cabeça de sete sindicalistas em 1978, quando se começou a falar em um partido de trabalhadores. A fundação do PT só ocorreria dois anos mais tarde, em fevereiro de 1980, no colégio Sion, em São Paulo.
Dos sete representantes dessa era pré-histórica, apenas Lula (o "Baiano"), 57, e o governador gaúcho, Olívio Dutra, 61, têm importância hoje no partido. Três deles nem sequer votaram em Lula no primeiro turno.
Jacó Bittar (o "Turcão"), 62, então presidente do Sindicato dos Petroleiros de Paulínia, e José Cicote (o "Chicote"), 64, que representava os metalúrgicos de Santo André, se filiaram ao PSB e votaram em Garotinho. Henos Amorina (o "Saúva"), 73, dos metalúrgicos de Osasco, foi para o PPS e apertou o botão de Ciro Gomes.
Hoje, todos vão de Lula -inclusive os outros dois "petessauros", Wagner Benevides, 64, petroleiro mineiro, e Paulo Skromov (o "Filósofo"), 57, da indústria do couro de Avaré (SP), agora militantes anônimos do PT.
No princípio, ninguém acreditava. Cicote conta: "Um dia cheguei em casa e falei para a Inês [sua mulher]: "Estamos pensando em fundar um partido, o que você acha?" Ela: "quá-quá-quá". Quase morreu de rir. "Vocês nem conseguem manter um sindicato!'".
Era o tempo das greves e das prisões de sindicalistas ordenadas pelo regime militar. A paternidade da idéia de criar um partido de trabalhadores é controversa.
"Foi o Skromov", diz Benevides.
"Foi o Lula", dizem Skromov, Bittar e Dutra.
"Foi o pessoal da Convergência Socialista", diz Cicote.
"Fui eu", diz Amorina.

CIA
O fato é que, aprovada a proposta, os sindicalistas receberam a missão de ir, qual apóstolos, espalhar a "boa nova" país afora, enfrentando a oposição dos comunistas do antigo PCB.
"Giocondo Dias [secretário-geral do "partidão"] nos rotulou como sendo da CIA, porque dizia que o PCB já era um partido de trabalhadores", conta Benevides. "Nessa época, Lula tinha aversão ao movimento estudantil."
Segundo Skromov, Lula falava que "lugar de estudante é na escola, e de padre, na igreja. Partido dos trabalhadores é para quem usa macacão". No entanto, o futuro presidenciável começaria logo a atrair para o "movimento pró-PT" intelectuais e personalidades.
"O Lula sempre trabalhou muito o lado pessoal. Quando foi para cima do Chico Buarque, que era do PCB, ninguém acreditou", conta Skromov. "Quando vi ele se unir ao José Alencar (PL-MG), pensei: já sei, é a mesma paixão que ele teve pelo Almino Afonso."
Afonso, ex-exilado, acabou não vindo. Vieram Henrique Santillo (GO), o primeiro senador a aderir ao PT, e o deputado federal Edson Khair (RJ), ambos do então MDB. Santillo (morto em junho) saiu logo, por pressão da tendência hoje conhecida como Causa Operária.
Em 1982, na primeira eleição de que o PT participa, Jacó Bittar recebe mais de um milhão de votos para o Senado, mas não é eleito. Em 1988, é eleito prefeito de Campinas e deixa o partido dois anos depois, expulso.
"A ruptura aconteceu porque eu defendia naquela época idéias que o PT defende hoje", diz Bittar. "A grande acusação é que eu tinha um acordo político com o Quércia, que agora apóia o Lula. Mas ele era governador, eu só defendia uma relação administrativa."
Bittar diz não fazer planos de voltar para o partido se o colega de sindicalismo for eleito. "Tenho absoluta convicção de que não faço falta ao PT."

Intelectuais
Com a chegada dos exilados, como José Genoino e José Dirceu, em 1979, e a aproximação de intelectuais como Francisco Weffort -hoje ministro da Cultura de FHC-, os sindicalistas começam a perder espaço.
Sintomaticamente, na fundação do partido os sete estão na mesa, e Dirceu, na platéia; dois anos depois, em um encontro do PT, Dirceu dirige os trabalhos. Em 1983, quando Bittar deixa a secretaria-geral, é substituído por Weffort.
"No início éramos todos parecidos, na indumentária, nas feições", lembra o governador Olívio Dutra. "Não se usava gravata nem paletó, a não ser nas reuniões dos tribunais do trabalho."
Apesar de ser o último sobrevivente dessa turma no comando do partido, além de Lula, Dutra diz ver com naturalidade a substituição dos antigos colegas por novos nomes. "Nossa única preocupação era crescer sem inchar."
"Mas deu uma inchada, sim", diz Cicote, que foi deputado federal (1990-1994) e vice-prefeito de Santo André (1988), brigou com o grupo do prefeito Celso Daniel e acabou deixando o partido em 1997. "O PT se elitizou bastante. Quem não ocupa cargo hoje no partido é trabalhador."
Henos Amorina, cujo máximo na política foi ser vereador em Osasco, é da mesma opinião. "De vez em quando eu adoro o PT. Mas de vez em quando penso: caramba, está igual aos outros", diz o "Saúva", que pretende voltar ao partido "antes de morrer".
Benevides e Skromov se dizem satisfeitos com a militância pura e simples. "Sinto-me confortável ajudando", fala Benevides, que até outro dia mandava uma cachacinha de presente para Lula. "Hoje não dá, a Marisa bota para quebrar para cima dele", brinca.
O "Filósofo" Skromov se candidatou a deputado federal em 1990, mas não foi eleito. "Nunca consegui pedir voto para mim." Suas críticas vão para as tendências internas. "Tendências, não, seitas. Elas é que afastam os dirigentes sindicais do partido."
Cicote exige: "Tem que ter reforma agrária logo, os juros têm que baixar logo, o salário de US$ 100 tem que vir logo. Se não for para ter mudança, é melhor votar no Serra". Não teme ser chamado de dinossauro? "Antes dinossauro do que "bigato"." Bigato é uma larva que dá na laranja e é usada por pescadores como isca. "Um bicho mole", ironiza.


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