São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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GENOINO

Condecorado pela Marinha e Aeronáutica, petista, que lutou no Araguaia e foi preso, reviveu Marx em seu 1º discurso como deputado

De coroinha a guerrilheiro, Genoino flerta com militares

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
FÁBIO VICTOR
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Do guerrilheiro Geraldo, ironicamente o codinome usado no Araguaia, ao parlamentar especializado em defesa e candidato que escolheu a segurança pública como prioridade, José Genoino, 56, concorrente do PT ao governo paulista, sempre gostou de andar em campo minado.
O jovem que, em 1970, desembarcou aos 24 anos no Araguaia para se juntar aos colegas do PC do B, sendo preso dois anos depois, tornou-se o petista que mais trânsito tem entre os militares, seus ex-algozes, e um político obcecado por segurança, a ponto de gravar um comercial para o horário eleitoral sendo alvejado por tiros dentro de um carro blindado.
Caso perca as eleições para Geraldo Alckmin (PSDB), Genoino -nascido em Quixeramobim (CE) e coroinha na infância- é cotado para assumir o Ministério da Defesa de um eventual governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
À primeira vista, a explicação para o ex-guerrilheiro flertar com os militares está no processo de abrandamento de suas idéias ao longo dos últimos 30 anos -mas as causas vão além disso.
"Os guerrilheiros eram excelentes combatentes, porque tiveram uma formação militar clássica, baseada em Clausewitz [ideólogo da guerra de guerrilha] e nas guerras prussianas. O Genoino tinha tanto conhecimento militar que seria difícil desprezar essa bagagem", interpreta o jornalista Fernando Portela, autor de "Guerra de Guerrilhas no Brasil -A Saga do Araguaia", obra básica sobre um dos principais episódios da luta armada no país.
"Ao chegar ao Congresso [em 1982], eu não poderia ser o ex-guerrilheiro, um deputado folclórico. Levei em conta o meu passado, mas avancei, construí uma relação ampla e cordial, inclusive com os militares", disse Genoino à Folha. Mas o comunismo ainda predominava. Seu primeiro discurso no plenário tinha o emblemático título de "Marx Vive".
Nos últimos anos, o hoje candidato sempre tem sido acionado para mediar crises de segurança e conversar com militares. Já recebeu a condecoração máxima da Marinha e da Aeronáutica.
Os militares, em troca, lhe devotam respeito. "O Genoino é um sujeito preparado. Passado é passado, zero a zero e bola no centro", afirma o general reformado Newton Cruz, ex-chefe da Agência Central do SNI (Serviço Nacional de Informações) e do Comando Militar do Planalto no governo Figueiredo, que votará em Lula.
Mas o futuro de Genoino, caso derrotado, não se resume apenas à pasta da Defesa ou até mesmo à Secretaria Geral da Presidência. Pode também ocupar a presidência do PT, substituindo José Dirceu, que deve ser o homem-forte de Lula num eventual governo.
Histórico para o cargo não lhe falta. Nos momentos de dificuldade, o negociador Genoino aparece, como se recordam antigos companheiros de prisão. Quando policiais entravam na cela para ofendê-lo, o atual candidato petista agia de forma desconcertante.
Em vez de discutir, Genoino puxava o coro de uma canção de Dorival Caymmi: "Minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar, meu bem-querer, se Deus quiser quando eu voltar do mar...".
Isso não significa, porém, que ele tenha se privado de conflitos partidários. Desde que foi capturado pelos militares, em 72, a relação de Genoino com o PC do B, seu primeiro partido, teve períodos de turbulência, indo da desconfiança ao entendimento.
Em princípio, dentro da legenda, a idéia -liderada por João Amazonas (presidente do PC do B, morto em maio passado)- era a de que o hoje candidato petista havia sido o responsável pelo fim da guerrilha ao ter delatado seus companheiros aos militares.
Para colocar um ponto final nas polêmicas, a direção do PC do B promoveu uma profunda investigação sobre o caso, que indicou a "inocência" de Genoino.
Em 2000, quando a questão foi colocada no plenário da Câmara pelo deputado Jair Bolsonaro, Genoino respondeu emocionado: "As informações [que à época passou aos militares] referiam-se ao motivo da minha ida para o Araguaia, à finalidade de instauração da guerrilha e os nomes de pessoas com quem trabalhei na preparação da luta armada, cuja identificação, avaliei, não prejudicaria a guerrilha. Nenhuma dessas informações poderia levar à localização da guerrilha, pois nem eu sabia onde se encontrava".
Segundo líderes do PC do B, o fato de Genoino ter chorado no velório de Amazonas fez com que os militantes do partido que ainda mantinham um pé atrás em relação ao petista mudassem de idéia. "O choro do Genoino nos tocou", disse um líder comunista.
Já o perdão de Amazonas, sempre resistente ao nome do petista, veio no final do ano passado, quando não colocou obstáculos na coligação do PC do B com o PT em torno da candidatura de Genoino ao governo de São Paulo.
Dentro do próprio PT, Genoino passou por momentos delicados no início dos anos 90, quando uma ala minoritária do partido, liderada por ele, decidiu criar um setor de esquerda democrática.
Em tese, era o início do afastamento das visões marxistas-leninista e a aproximação para questões reformistas. Mas tudo era motivo para acender a desconfiança dos grupos radicais.
Na legenda, os arranhões do Genoino moderado aumentaram quando ele saiu em defesa de Luiza Erundina, que aceitara integrar o governo Itamar Franco. Genoino lutou, sem sucesso, pela participação de todo o partido no governo. O nome dele, que à época chamou de "insensíveis" os esquerdistas do PT, chegou a ser sondado pelos tucanos.
Em situações-limite, entretanto, o Genoino moderado já deu lugar ao irascível. Em meados de 75, calçado com uma botina de pneu e recém-saído de greves de fome e de silêncio num presídio paulistano, ele perdeu a cabeça. Ao ser convocado pelos militares para uma atividade obrigatória, Genoino chutou com toda força uma grade de ferro, deixando perplexos os comandantes e assustados os seus companheiros de cela. Pelas circunstâncias da época, uma afronta, foi punido com sua transferência imediata para Fortaleza.


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