São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2006

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Renata Lo Prete

Não tragou nem fumou

NO ANO que antecedeu a eleição de 1992, Bush pai alcançou a maior aprovação até então experimentada por um presidente americano -89% de ótimo/ bom. Era aplaudido pela operação Tempestade no Deserto, que libertara o Kuwait de Saddam Hussein. Iniciou a campanha na condição de imbatível.
Bill Clinton, por sua vez, partia do menor "recall" já apurado para um postulante à Casa Branca. Governador do pequeno Arkansas, era desconhecido no cenário nacional. Investigado pela imprensa, precisou responder sobre adultério, consumo de maconha e fuga do alistamento militar. Sua taxa de rejeição era o dobro da de simpatia.
Os estrategistas democratas, porém, identificaram nas pesquisas um novo cenário. Com a vitória no Golfo, os eleitores tinham passado a enxergar outro tipo de ameaça. Bombardeados de produtos e investimentos estrangeiros, sobretudo japoneses, duvidavam da competitividade de sua economia.
A história consagrou James Carville, o marqueteiro de Clinton, mas também a equipe de Paul Tsongas, à época senador por Massachusetts e principal adversário do governador nas primárias, percebeu a mudança do vento. Os dois pré-candidatos apresentaram detalhados planos econômicos que vendiam prosperidade. O de Tsongas apostava em incentivos fiscais; o de Clinton, em programas de capacitação. Os pacotes foram distribuídos às bibliotecas públicas, discutidos na televisão, debatidos na propaganda por prêmios Nobel de economia.
Escolhido candidato, Clinton impôs essa agenda ao adversário republicano, teve a sorte de ver Bush vomitar no colo do premiê japonês e virou o jogo. Os institutos que pesquisaram a eleição deste ano no Brasil também detectaram latências. Mesmo no auge da crise do mensalão, o principal "driver" de voto era emprego (ou a falta de). Isso explica a obsessão de Alckmin pelo tema, suas promessas diárias de "mais emprego, emprego para o moço, para a moça, para a mulher".
Mas, se Clinton soube surfar a onda, hoje está claro que Alckmin nem subiu na prancha. Nunca pôs na mesa concretudes que respondessem ao anseio alimentado por ele mesmo. Sem repertório, abusou de expressões vazias de significado. "Vou dar um choque de gestão." "Governar é escolher."
No segundo turno, fez pior. Desautorizou todo tipo de detalhamento, como se viu na descompostura aplicada em Yoshiaki Nakano. Virou um prisioneiro da agenda do adversário, condenado a dizer apenas o que não iria fazer (privatizar, lipoaspirar o Bolsa Família, implodir a Zona Franca, convocar uma "miniconstituinte").
"Lula acha que está bom; eu acho que não." Esse bordão, um dos favoritos de Alckmin, contém a explicação de seu naufrágio: 53%, diz o Datafolha, acham que está bom. Caso encerrado.


RENATA LO PRETE é editora do Painel

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