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ENTREVISTA
MARIA VICTORIA BENEVIDES
Classe média está ressentida com PT em SP, diz estudiosa
Kassab é apenas um "político fabricado" e só venceu a eleição porque rejeição a Marta é muito forte, afirma Benevides
A CIENTISTA POLÍTICA Maria Victoria Benevides, 66, avalia que Gilberto Kassab
não venceu a eleição porque sua aprovação é alta, e sim porque a rejeição a Marta Suplicy é muito forte. "Kassab não provocou nenhuma rejeição. Isso não significa que ele seja bom:
significa que as pessoas eram indiferentes a ele".
Professora titular da Faculdade de Educação da
USP e autora de "O Governo Kubitschek" (1976), "A
UDN e o Udenismo" (1980), "O Governo Jânio Quadros" (1981) e "O PTB e o Trabalhismo" (1989), entre outros livros, Benevides afirma que Kassab é
apenas um político fabricado pelo governador tucano José Serra -"ele é uma espécie de Pitta que deu
certo"- que conseguiu reunir todas as vertentes da
direita paulistana em sua batalha contra o PT.
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
Marta Suplicy, por sua vez,
foi vítima tanto de sua rejeição
pessoal como do ressentimento da classe média paulistana,
que se sente abandonada por
um governo que privilegia os
muito ricos e os muito pobres:
FOLHA - Kassab começou no PL,
um satélite do PFL, mas logo ingressou no próprio PFL, que aqui em São
Paulo reunia herdeiros da UDN. É
possível dizer que a "direita udenista" conseguiu substituir a "direita
populista" representada por Maluf?
MARIA VICTORIA BENEVIDES - A direita udenista certamente está
com Kassab, mas Kassab não é
fruto da direita udenista, mas
dos liberais que vieram da esquerda do antigo MDB e da
oposição à ditadura. É por isso
que é muito difícil estabelecer
claramente uma definição de
sua identidade política. Nós podemos falar do DNA dele: o
DNA dele, com toda a certeza, é
de direita, mas um mix da direita udenista com a direita pessedista. Mas basta ver quem o fabricou politicamente: foi José
Serra, que está longe de ter um
DNA de direita udenista. Ele
vem da esquerda e depois evoluiu para uma posição liberal.
Kassab é apoiado hoje por
uma parte importante do antigo Partidão [PCB], por uma
parte importante do antigo
movimento sindical. Isso não
tem nada a ver com a direita
udenista, mas, numa escolha
em dois turnos, ele ficou com a
direita udenista, a direita malufista, a direita janista e a direita
adhemarista. Conseguiu reunir
não só a direita udenista, mas
todo o conjunto conservador
das direitas de São Paulo, mais
os tucanos liberais, dos quais a
maioria não tem origem na direita, mas que acabaram se "endireitando" no governo.
FOLHA - Mas qual seria a substância político-eleitoral de Kassab?
BENEVIDES - Eu acho que ele foi
uma pessoa fabricada. Ele é
uma espécie de Pitta que deu
certo. O Pitta foi fabricado pelo
Maluf igualzinho o Kassab foi
fabricado pelo Serra. Quem era
Kassab antes do Serra? Eu
mesma nunca tinha ouvido falar dele, assim como ninguém
tinha ouvido falar do Pitta. É o
Pitta que deu certo. E deu certo
porque o PSDB, embora rachado e enfraquecido por divisões
internas, se deu conta de que
ele era a maneira que tinha de
ganhar a batalha contra o PT,
que é seu grande adversário.
FOLHA - A questão é saber se esses
políticos fabricados têm longevidade. Hoje a aprovação a Kassab (59%)
na cidade é bem maior do que a do
próprio Serra (38%), o que sugere
que ele poderia sobreviver a uma
eventual derrota de Serra em 2010.
Mas, olhando para o passado, os políticos fabricados não duraram muito: Adhemar fabricou o Lucas Garcez; Jânio, o Carvalho Pinto; Quércia,
o Fleury. Fabricaram um sucessor,
mas o sucessor não teve sobrevida.
BENEVIDES - O que falta nessas
comparações que você fez é a
perspectiva do segundo turno:
o que mais beneficiou Kassab
foi a possibilidade de reeleição
contra sua principal adversária,
a Marta, que tinha uma enorme
rejeição. Kassab não provocou
nenhuma rejeição. Isso não significa que ele seja bom, significa que as pessoas eram indiferentes a ele. É muito mais fácil
criar uma perspectiva positiva
em relação a alguém que tem
uma imagem indiferente do
que destruir uma rejeição e
transformar essa rejeição em
aprovação. E Kassab apareceu
muito, teve um apoio muito
grande do governo Serra e também, indiretamente, do governo federal, porque Lula não
quis se indispor com São Paulo.
Ao contrário. Serra não tem
uma queixa a fazer do Lula.
FOLHA - Uma reportagem recente
da Folha mostrou que a gestão Kassab recebeu mais verbas do governo
Lula do que a própria gestão Marta.
BENEVIDES - Exatamente. Eu
não apostaria na continuidade
do Kassab, mas também não
apostaria no fim. O que eu fiquei impressionada foi com os
míseros 6% [dos votos] do Maluf. Os malufistas morreram...
FOLHA - O populismo em São Paulo praticamente acabou?
BENEVIDES - O populismo na
vertente malufista. Mas o populismo continua, sob formas
clientelistas -aliás utilizadas
por todos os partidos-, porque
ele está muito entranhado na
cultura brasileira. Não acredito
que o populismo tenha acabado. E não vejo, a não ser pelo estilo mais cordato, muita diferença entre Maluf e Kassab.
FOLHA - A sra. diz que o Kassab se
beneficiou da rejeição a Marta. Mas
o que explica essa rejeição?
BENEVIDES - Há uma rejeição
grande ao PT, que aumentou
muitíssimo depois da crise de
2005, que decepcionou muita
gente, dos meios intelectuais
até uma esquerda tradicional,
além de uma classe média que
se sentiu abandonada, porque
na realidade houve uma prioridade aos mais pobres. O problema é que o governo ficou nos
extremos: favoreceu muito os
muito ricos e os muito pobres, e
a classe média tem motivo de
ressentimento. Isso aumentou
muitíssimo a rejeição ao PT.
E a própria Marta é vítima de
muito preconceito e muita rejeição. Dela ficou o quê? O que
ficou de lembrança da Marta?
O "Martaxa". A prova é que ela
bateu muito contra isso. O problema é que a memória da
imensa maioria dos eleitores,
os mais pobres e os menos politizados, é mais curta. Marta devia ter um nível de aprovação
altíssimo por causa dos CEUs,
mas os CEUs foram apropriados pelos outros: ninguém diz
que vai abandonar os CEUs.
Deixou de ser algo exclusivo do
PT. E a rejeição a Marta é muito
forte porque juntou a rejeição
ao PT, que piorou muito em razão do que aconteceu, à rejeição a Marta, que é grande por
ela ser a Marta: ela agrega rejeição por ignorância, por preconceito, pelo grupo dela no PT.
FOLHA - Segundo o IBGE, em 2006
a taxa de luz existia 3.893 municípios, e a taxa do lixo, em 2.753. Ou
seja, elas existem na maioria das cidades, e não causam tanta celeuma.
BENEVIDES - E principalmente
aqui em São Paulo, para a imensa maioria das pessoas, era um
valor ridículo. Eu me lembro
que minha faxineira veio reclamar disso, e eu perguntei quanto ela pagava de taxa de lixo.
Era R$ 3. O filho dela estudava
num CEU e ele ia e voltava da
escola numa van da prefeitura,
mas o ficou foi a tal taxa do lixo,
porque isso foi superdimensionado pelos adversários. Eles foram competentes em grudar
esse adesivo na Marta. E essa
coisa das taxas nunca foi apresentada de uma maneira que
mostrasse que ela eliminou o
IPTU de muitos. Por exemplo,
um de meus filhos mora hoje
num prédio que ficou isento.
Isso nunca foi suficientemente
mostrado. Aí predominou a rejeição. E a campanha da Marta
foi contaminada por equívocos
de marqueteiros e assessores.
FOLHA - A sra. citou o impacto da
crise de 2005. Mas, olhando o país, o
PT foi quem mais cresceu na eleição.
BENEVIDES - Mas aí é importante ver que o PT de São Paulo
não é e nunca foi o PT nacional.
FOLHA - Qual é a diferença?
BENEVIDES - O PT nacional se
beneficiou enormemente das
políticas regionais e municipais
no governo Lula. O PT no resto
do Brasil está ligado a propostas e projetos locais, nos quais o
conteúdo ideológico é muito
pequeno, e a presença da classe
média também. Essa classe média forte, organizada, com imprensa, universidades, pequenos e médios empresários, é
imensamente mais forte aqui.
Dificilmente existe, no resto do
Brasil, essa rejeição forte e absoluta ao PT que existe em São
Paulo. Inclusive porque São
Paulo tem esses extremos: tem
uma forte presença de pobres e
miseráveis, mas tem a maior
classe média, a maior concentração de riqueza, a maior concentração de universidades, intelectuais, empresários organizados, que atuam com muito
mais força na opinião pública
do que os partidos. O PSDB e o
PFL não são só partidos políticos: são partidos vinculados aos
grupos de interesse de tudo o
que é forte em São Paulo. Eles
têm apoio majoritário na Fiesp,
UDR, associações de empresários, instituições da sociedade
civil. Basta ver que o PT sempre
teve enorme dificuldade para
ganhar na cidade. Ganhou com
Erundina porque não tinha
dois turnos, ganhou com Marta
porque polarizou com Maluf.
FOLHA - Ela teve inclusive o apoio
do governador Covas e do PSDB.
BENEVIDES - O apoio do PSDB. E
hoje o PSDB sabe que seu
maior adversário é o PT. Por isso o PSDB não faria em São
Paulo aliança com o PT, como
foi tentado em Belo Horizonte.
FOLHA - É possível dizer então que
o PSDB conseguiu se tornar o partido dessa classe média organizada?
BENEVIDES - Sim. O PSDB, aliás,
é o partido que está no poder
desde Franco Montoro, com
um breve interregno. Está lá. E
está fortemente instalado no
governo Kassab. Por isso não
dá para dizer que o kassabismo
é a direita udenista. É direita,
mas com muitas nuances. Direita udenista é o DNA dele: direita udenista que apoiou o golpe militar, que esteve com Maluf e Pitta. Mas a coalizão dele é
muito mais ampla. Esse foi o
grande trunfo dos tucanos. Como foi o grande trunfo do PT
em outros Estados do Brasil.
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