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São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2003

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INVESTIGAÇÃO

Segundo avaliação de membro da cúpula da PF, utilização ampla de escutas telefônicas deve continuar

Grampos ganham status de prioridade no trabalho policial

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A chegada da Polícia Federal à era das grandes operações coincide com dois fatores importantes e inegáveis: a penúria orçamentária na corporação e a adoção disseminada da interceptação de conversas telefônicas como peça principal nas investigações, em vez de complemento ao trabalho de campo, como reza o procedimento tradicional.
Segundo a avaliação de um membro da cúpula da Polícia Federal, é sensato prever que as operações vão continuar durante a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva porque as restrições financeiras continuam, e o governo avalia de modo positivo os resultados obtidos até agora.
Os dois fatores -a falta de dinheiro e a ampliação do uso do grampo-, estão relacionados entre si. O aperto fiscal adotado desde a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) engessou o órgão e obrigou os policiais a evitarem ações como a campana e a perseguição, porque tomam muito tempo e, principalmente, muito dinheiro.

Governo anterior
Por outro lado, os anos FHC também coincidiram com o aumento de violência na maioria das grandes cidades do país, fenômeno relacionado fortemente com o tráfico de drogas. Em termos práticos, isso significa que a demanda pela Polícia Federal apenas fez aumentar no período.
Mas como os federais poderiam investigar se não havia dinheiro em caixa para pagar passagens ou diárias em ações de menor relevância no noticiário? A opção foi aderir à interceptação telefônica, mais barata, cujos resultados contêm mais apelo na mídia.
Outro componente é a manutenção, de um governo para o outro, do grupo de comando da Polícia Federal, o que elimina a possibilidade de críticas e oposição internas ao modo de atuação escolhido. O núcleo responsável pelas decisões é praticamente o mesmo desde o governo passado, ao contrário das mudanças administrativas determinadas pelos petistas em outros órgãos.

Modus operandi
O "modus operandi" da PF em uma grande operação beneficia-se, geralmente, da sorte. Após receber uma denúncia, a Polícia Federal começa a identificar os envolvidos. A partir daí, quebra os sigilos telefônicos e monitora os suspeitos. Quando considera haver conversas comprometedoras o suficiente, solicita mandados de prisão e de busca e apreensão ao Poder Judiciário.
Os resultados puderam ser vistos já na chamada Operação Diamante, deflagrada em dezembro do ano passado, em que o monitoramento telefônico de comparsas do traficante Leonardo Dias de Mendonça, o Léo, revelou, por acaso, o envolvimento de magistrados e um deputado em um comércio de sentenças judiciais.
Os grampos feitos durante a operação ganharam visibilidade no noticiário e promoveram apoio da opinião pública à operação. Na mesma linha foram conduzidas as operações Vassourinha, em Pernambuco, Planador, no Rio, Sucuri, em Foz do Iguaçu, e a mais recente, Anaconda, centrada em São Paulo, mas com repercussão nacional.

Exemplos
A Sucuri tem servido, internamente, como exemplo para reflexão. No dia 12 de março, 23 policiais federais que atuavam na fronteira com o Paraguai foram presos, tendo como base da detenção somente escutas telefônicas. Hoje, nenhum continua preso, pois os grampos demonstraram-se juridicamente frágeis.
Já a Operação Anaconda, cujo desdobramento ocupa parte do noticiário de hoje, é bem avaliada pela cúpula do órgão. Comenta-se nos bastidores da instituição, segundo apurou a Folha, que o uso do grampo chegou ao ponto de estar "profissionalizado".
Como exemplo, citam a ordem da desembargadora federal Therezinha Cazerta -a presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região- de apreender, especificamente, uma televisão com tela de plasma no apartamento do juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, detido em São Paulo.
Na avaliação da Polícia Federal, foi um sinônimo de eficiência ter identificado a presença da televisão no apartamento do magistrado por meio das gravações telefônicas. Segundo a PF, o aparelho era um presente de um suposto contrabandista.
Isso não impediu que a Ordem dos Advogados do Brasil criticasse por meio de nota o que chamou de uso irracional dos grampos no país. O sigilo telefônico é um direito constitucional.

Centrais de grampo
Previsivelmente, nenhum delegado autoriza a divulgação de seu nome quando o assunto é grampo. Muitos criticam a preferência pela escuta telefônica; outros, o sucateamento dos serviços de perícia -fundamentais para atestar a culpa de suspeitos.
A central de grampos da PF fica localizada na sede do órgão em Brasília, no Departamento de Inteligência Policial, subordinado ao diretor-geral, Paulo Lacerda, e conhecido como "serviço secreto" da Polícia Federal.


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