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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ O DISCURSO
Inversão de papéis faz discursos de partidos divergentes coincidirem; para especialistas, o problema é a mudança de "princípios"
Situação e oposição revezam linguagem
CRISTINA FIBE
DA REDAÇÃO
Na última sexta-feira, o vice-presidente, José Alencar, reconheceu que "o discurso de campanha não assumiu o governo
[Lula]". Antes dele, o ministro
Antonio Palocci (Fazenda) chegou a fazer um mea-culpa, em depoimento no Senado no dia 16
deste mês, dizendo que o PT muitas vezes foi agressivo demais
quando oposição.
"Alguns de vocês [senadores]
talvez tenham sofrido com o estilo
briguento do PT", disse o ministro. "Faz parte de uma construção
democrática."
A inversão de papéis -com o
PT na situação e uma oposição
composta por adversários que já
estiveram no governo- causou
mudanças drásticas nos discursos
de ambos e gerou enunciados
que, muitas vezes, se afinam.
O quadro ao lado propõe mostrar esta coincidência de discursos que, segundo especialistas ouvidos pela Folha, é "compreensível", já que políticos não defendem posições individuais.
"Se está na oposição, um político fala coisas que jamais falaria na
situação. É compreensível. As
pessoas não falam individualmente, mas enquanto parte de
um certo tipo de relação social e
política", diz Eduardo Guimarães,
professor do Instituto de Estudos
da Linguagem da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Jogo de forças
"Se eu digo "o dia está claro", se é
no cotidiano, é uma coisa. Se é um
político, ele não está mais falando
sobre o dia, mas sobre o cenário
político. A posição que ele ocupa é
parte do sentido", afirma o lingüista. "Não estão em questão as
crenças, é um jogo de relações de
força. [O político] Fala como parte desse jogo."
Marcus Figueiredo, cientista
político do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio),
acrescenta que a mudança, em casos como a defesa ou não de comissões de investigação, não é
uma exclusividade do Brasil.
No governo FHC, petistas acusavam governistas de abafar CPIs
para evitar investigações de irregularidades que abalassem a gestão tucana. Na atual crise política,
o PT assumiu postura contra a
instalação das comissões.
"Em função da posição que
ocupam, em todos os parlamentos do mundo, as oposições e os
partidos minoritários têm nas
CPIs o principal instrumento de
ação política. Isso é da natureza
da oposição, provocar, e de quem
está na situação, evitar", explica o
cientista político.
Valores
Mudar de posição é compreensível, "deixar os valores de lado é
que é grave". Para Eduardo Guimarães, o caso do PT tem uma
particularidade: o fato de o partido ter aberto mão de princípios
que pregava.
"O que complica é que o PT inverte os valores. Era de oposição,
mas tinha outros compromissos,
como o de modificar o processo
político brasileiro", diz o professor. "Não deixa de ser uma questão de linguagem, e aquilo sobre o
que se fala é um valor."
Além de mudar o discurso, afirma, o partido "abdica do valor de
mudar o processo político brasileiro, o que dá um efeito particular. Não só muda de posição, o
que é normal, mas junto deixa de
lado valores que tinha como fundamentais."
Figueiredo concorda: "O PT,
realmente, com as posições que
tem defendido, principalmente
na área econômica, mudou de posição, não de linguagem".
"E a mudança de posição do PT
é que é mais complicada. Algumas lideranças até já declararam
reconhecer erros do passado de
linguagens mais agressivas." O
cientista político afirma que, como hoje, pode ser que os partidos
atualmente na oposição também
reconheçam erros mais tarde.
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