São Paulo, sexta-feira, 27 de novembro de 2009

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"É um filme para o povo", diz escritora

Segundo corroteirista, produção não engana ninguém porque não é um documentário, mas uma ficção com foco no "drama familiar"

Denise Paraná diz que foi feita síntese da vida sindical de Lula, mas que o essencial foi mantido; "O Fábio fez um grande filme", defende


DO ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

A escritora Denise Paraná, autora de "Lula, O Filho do Brasil" e corroteirista do filme homônimo, disse que o foco da produção "é o drama familiar", e não o sindicalismo. A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha. (RV)

 

FOLHA - Há um momento no seu livro em que Lula tem dificuldades para reunir pessoas no sindicato. Então ele ameaça cortar a assistência médica dos sindicalizados, o que dá resultado. Por que o filme não mostrou isso, que indicaria o pragmatismo do personagem?
DENISE PARANÁ
- Acho que o [sindicalista] Paulo Vidal já tinha modernizado o sindicato, e o Lula entrou nesse esquema de modernização. Eu não lembro exatamente de detalhes disso, mas acho que foi, você está falando aí, uma estratégia de chamar os operários, junto com os boletins de história em quadrinhos e tal. Agora, a gente não aprofundou a questão sindical porque o foco do filme era mesmo a relação entre mãe e filho. A gente queria contar uma história universal que interessasse a todo mundo. (...) A gente sabia que essas questões viriam. Se a gente fosse esmiuçar o sindicalismo, teria que ser um filme sobre essa questão.

FOLHA - Em julho de 78 ele fala em PT. Mostra que a atuação dele no sindicato já tinha olhar político-partidário. Isso o filme não mostra.
DENISE
- Pelo mesmo motivo, o foco é outro. Mas ele tinha muitas dúvidas em 78 e 79. Em uma das primeiras entrevistas dele, para o [programa de TV] "Roda Viva", ele fala que trabalhador tem que trabalhar, estudante tem que estudar. Ele é muito conservador. Pediu para o general Dilermando, do 2º Exército, ajudar a tirar os infiltrados no sindicato.

FOLHA - Este é outro ponto. Embora tenha sido preso e o irmão, torturado, teve esse contato com o general. Por que isso não foi retratado?
DENISE
- De todas essas questões sindicais nós tivemos que fazer uma síntese. Mas acho que o essencial está ali. Quando Lula fala, "trabalhador não é de esquerda nem de direita", que é um resumo do discurso que o Maurício Soares ajudou a redigir, é isso que ele lê. O filme tem esse mérito de dizer que o Lula não é um revolucionário. Não é um militante de esquerda. Primeiro, ele entra no sindicato porque foi o Frei Chico que o levou. Ele preferia ver novela. Aí ele acha legal o sindicato porque aquilo parece um jogo de futebol. Foi a imagem que ele fez, mesmo, de verdade. Ele vai indo porque os trabalhadores estão exigindo, mas não tem nenhuma exigência na formação, ao contrário do Frei Chico. E ele ganha pontos com isso. Acho que não tem nenhum heroísmo aí. É um cara que estava no sertão, de repente a mãe vem [para SP], ele vem junto, e ele vai se adaptando à vida. Não tem nenhuma predestinação, pelo contrário.

FOLHA - Como você qualifica o diálogo que ele teve com os militares?
DENISE
- Que não entrou [no filme]? Ele teve uma diferença em relação aos outros sindicalistas. Mediante a ameaça de greve, os empresários foram falar com o governo. Ele disse: "Ah, se os empresários vão falar, por que os trabalhadores não podem?". Esse que é o sangue novo. É uma cabeça [diferente]. Se fosse qualquer militante de esquerda, ia falar: "claro que não, eles estão do lado dos empresários, é um governo militar, vamos falar com ele?"
Mas o Lula tinha essa espécie de olhos virgens. (...) O Lula cresce por quê? Ele era muito bem visto porque tinha um carisma brutal, uma capacidade enorme de liderança dos trabalhadores, e ele é muito conservador. Por isso ele teve o espaço que ele teve na imprensa, alguns órgãos de comunicação conservadores começaram a dar espaço, capa para ele.
"Olha, a ditadura já não nos agrada mais, a crise do petróleo, classe média insatisfeita, a gente está tendo que caminhar para o fim desse regime, precisa de um interlocutor na classe trabalhadora, esse é o melhor cara". Conservador e que não era comunista. (...) Mas todo mundo sabe que aquilo é cinema. Não estamos enganando ninguém, dizendo que aquilo é um documentário fiel e exato. Acho que o Fábio fez um grande filme, que vai ser um sucesso enorme. Esse é um filme pro povo, não para intelectuais.


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