São Paulo, quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

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Se Itália pedir, Condor pode ser investigada, diz ministro

Justiça italiana emitiu mandados de prisão referentes a ações de ditaduras no Cone Sul

Brasileiros são acusados de participação no seqüestro e desaparecimento de dois guerrilheiros argentinos no início da década de 80

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo federal analisará um pedido de abertura de inquérito sobre os militares e os policiais brasileiros acusados de participar da Operação Condor, que uniu ditaduras do Cone Sul em ações de repressão, caso a Justiça italiana faça a solicitação. A chance de a iniciativa prosperar, contudo, esbarra em diversos pontos legais.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou que, em tese, poderia haver o pedido da Itália, país no qual corre um processo movido por vítimas de cidadania italiana da operação. Na segunda-feira, a Justiça expediu um mandado de prisão contra 140 pessoas -inclusive 11 brasileiros, segundo disse à BBC Brasil o procurador italiano Giancarlo Capaldo. O número diverge dos 13 divulgados dia 24 por agências internacionais.
Tarso afirmou que não havia recebido pedido formal da Itália até ontem. Lembrou que a Constituição impede a extradição de brasileiros, mas citou o tratado firmado entre Brasil e Itália que permite a ambos solicitar abertura de inquérito na nação alheia.
Se houver o pedido, o ministro da Justiça analisará o caso e encaminhará despacho ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Tarso lembrou, contudo, que é preciso analisar se os crimes imputados aos brasileiros já não teriam prescrito e se a Lei de Anistia também não os livraria dos crimes atribuídos. O ministro deu a entender que dificilmente haveria algum tipo de punição aos brasileiros.
"Se o Brasil for demandado [pela Justiça italiana], o tratado nos permite instaurar ou não um inquérito. Mas existe a prescrição em concreto e a Lei de Anistia, que têm de ser consideradas", disse o ministro.
Para o ativista Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, os brasileiros deverão responder a processo no Brasil. Ele atua desde 2005 como consultor informal da Justiça italiana no caso. Também foi testemunha das famílias dos ítalo-argentinos Horacio Campiglia e Lorenzo Viñas, que desapareceram no Brasil em 1980, o que motivou a abertura do processo na Itália.
Krischke disse acreditar que o procedimento natural é que o STF encaminhe a questão à Procuradoria Geral da República que, então, deverá pedir abertura de processo para julgá-los no Brasil.
Para ele, a Lei de Anistia brasileira não se aplica no episódio, pois são crimes internacionais. "No direito internacional não existe anistia. Dos três crimes pelos quais são acusados, homicídio, tortura e desaparecimento, apenas homicídio já prescreveu. Pelos demais, eles têm que ser julgados."
Falando em Roma à BBC Brasil, Capaldo afirmou que quer a colaboração do governo brasileiro, mas não disse se já elaborou algum pedido formal.
"Esse processo nasceu na Itália porque os países unidos em torno da Operação Condor decidiram não abrir investigações sobre o assunto. A Itália está fazendo o possível para evitar a impunidade e para que operações como essa não voltem a acontecer." Ele disse que a lista tem 11 brasileiros, dois a menos do que havia sido divulgado inicialmente.

Desaparecimentos
Os brasileiros contra os quais foram emitidas ordens de captura internacional correspondem à cadeia de comando dos órgãos de segurança do Brasil e dos Estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul à época do desaparecimento dos ítalo-argentinos Lorenzo Ismael Viñas (26 de junho de 1980) e Horacio Campiglia (12 de março de 1980).
Outros estrangeiros desapareceram no Brasil no contexto da Operação Condor, mas o processo da Itália alcança apenas os que detinham também a cidadania italiana.
Viñas, 25, que integrava o maior grupo guerrilheiro argentino, os Montoneros, foi detido num ônibus quando cruzava a fronteira da Argentina, em Paso de Los Libres, com o Brasil, em Uruguaiana (RS), e foi visto pela última vez, segundo testemunhas, numa prisão argentina, três meses depois.
Também guerrilheiro montonero, Campiglia, 31, sumiu no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, junto com a guerrilheira Monica Pinus de Binstock. Para chegar aos nomes dos brasileiros, a Justiça italiana baseou-se no depoimento dado em 1999 e na descrição feita em 2005 por escrito por Jair Krischke. Alguns dos citados já morreram, como o ex-presidente João Figueiredo (1918-1999). (LEONARDO SOUZA, SIMONE IGLESIAS E RUBENS VALENTE)



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