São Paulo, quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

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Documento dos EUA prova ação brasileira

Papel inédito obtido no Departamento de Estado norte-americano mostra participação direta do Brasil na Operação Condor

Para o americano Peter Kornbluh, especializado em assuntos da operação, país deveria abrir seus arquivos, mas está no "fim da fila"

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Sim, o Brasil participou ativamente da Operação Condor. E, sim, agora, mais do que nunca, o governo precisa abrir ao público os arquivos classificados do período do regime militar (1964-1982). As frases são do maior especialista norte-americano em Operação Condor, o historiador Peter Kornbluh, do Arquivo de Segurança Nacional, em Washington. A primeira ele prova enviando à Folha um documento que a organização não-governamental ligada à Universidade George Washington conseguiu que fosse desclassificado pelo Departamento de Estado norte-americano (veja reprodução nessa página). Autor de "The Pinochet File" (O Arquivo Pinochet, New Press, 2003), Kornbluh coordena o site recém-inaugurado da instituição dedicado à operação. A segunda ele diz em entrevistas ao jornal, ontem e anteontem. Leia abaixo:

 

FOLHA - O fato de brasileiros estarem na lista dos mandados de prisão expedidos pela Justiça italiana comprova uma participação mais efetiva do país na Operação Condor, algo que o regime militar sempre negou?
PETER KORNBLUH -
Em nosso trabalho nos arquivos nós encontramos alguns documentos que detalham a participação do país na operação, alguns inclusive do chamado Arquivo do Terror paraguaio, que acabamos de colocar no ar. Mas, é claro, a maior fonte de informações ainda está nos arquivos do governo brasileiro, nos arquivos de inteligência militar do governo brasileiro.

FOLHA - Quanto à participação efetiva do Brasil, a versão corrente é que se tratava só de apoio logístico, troca de informações. Há documento que sugere algo diferente?
KORNBLUH -
Há alguns enviados por funcionários do governo norte-americano, mas o mais importante é o que conseguimos no Departamento de Estado. Datado de 20 de julho de 1976, chega ao mesmo tempo em que relatórios da CIA e do Pentágono começam a dar uma noção mais exata ao governo dos EUA sobre as atividades da operação. [Ele lê o documento, que diz que o Brasil passaria a ser um "membro integral"; veja reprodução nessa página]. Até então, os relatórios diziam que o Brasil colaborava na Operação Condor "com exceção de operações de assassinatos". Ainda assim, pode-se argumentar que uma operação de seqüestro no Brasil acabava em assassinato do mesmo jeito.

FOLHA - Seria a "pistola fumegante", na sua opinião?
KORNBLUH -
Seria, sim.

FOLHA - Por que a Argentina e o Paraguai foram mais rápidos e receptivos do que o Brasil em colocar os arquivos à disposição do público?
KORNBLUH -
Houve uma retomada recente no movimento pelo direito de saber no Brasil, e esse movimento está trabalhando para pressionar o governo para desclassificar os documentos e permitir de verdade o acesso do público aos arquivos. O movimento renasceu em toda a América Latina. O Brasil está atrás de países como o Paraguai, que descobriu o chamado Arquivo do Terror nos anos 90 e desde sexta-feira o expõe ao mundo pela internet, o Chile tem uma lei de liberdade de informação que ainda não resultou na reabertura de nenhum arquivo significativo. Mas o Brasil deveria ser o líder nesse processo e até agora está no fim da fila. Suspeito que é uma questão que o governo de Lula não vê como importante para não criar uma crise ou um conflito ou um problema com os militares brasileiros. Em outros países, os militares têm sido desacreditados durante o processo. O único que lida com isso diferentemente é o Brasil, que insiste em salvaguardar os arquivos. É um direito dizer que esse é um governo civil, os arquivos do passado pertencem ao povo brasileiro.

FOLHA - Na lista de nacionalidades dos mandados de prisão não há nenhum norte-americano. Como?
KORNBLUH -
Os EUA, especialmente no meio dos anos 70, certamente tinham laços com os governos da Operação Condor. Abro o meu livro com uma frase tirada do primeiro resumo secreto feito a Henry Kissinger sobre a Operação Condor, em agosto de 1976, por seu secretário assistente, Harry Shlaudeman. "Internacionalmente, os generais latinos parecem "gente nossa" ["our guys", no original em inglês]. Somos particularmente identificados com o Chile. Isso não nos vai fazer bem." Então, os EUA sabiam que tinham ligações com esses países. Mas, por toda a pesquisa que fizemos, nunca houve indicação de que funcionários do governo norte-americano estivessem diretamente envolvidos nessas atividades de seqüestros e assassinatos.
Com uma exceção. Foi a de um agente FBI, num caso muito conhecido no Chile, de Jorge Isaac Fuentes de Alarcon, que foi preso e interrogado no Paraguai por agentes da polícia secreta argentina, paraguaia e chilena e então desapareceu depois de entregue ao Chile. Aqui, um agente do FBI teve conhecimento do interrogatório e forneceu ao Chile informações sobre Alarcon.
Há ainda a questão de Kissinger, cujo papel foi questionado por juízes, inclusive no Brasil. Há alguns anos, iria receber uma medalha do governo brasileiro. A informação vazou, começou a se articular um protesto e houve indicação de que um juiz brasileiro poderia interrogá-lo. Ele cancelou a viagem.


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