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Documento dos EUA prova ação brasileira
Papel inédito obtido no Departamento de Estado norte-americano mostra participação direta do Brasil na Operação Condor
Para o americano Peter Kornbluh, especializado em assuntos da operação, país deveria abrir seus arquivos, mas está no "fim da fila"
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Sim, o Brasil participou ativamente da Operação Condor.
E, sim, agora, mais do que nunca, o governo precisa abrir ao
público os arquivos classificados do período do regime militar (1964-1982). As frases são
do maior especialista norte-americano em Operação Condor, o historiador Peter Kornbluh, do Arquivo de Segurança
Nacional, em Washington.
A primeira ele prova enviando à Folha um documento que
a organização não-governamental ligada à Universidade
George Washington conseguiu
que fosse desclassificado pelo
Departamento de Estado norte-americano (veja reprodução
nessa página). Autor de "The
Pinochet File" (O Arquivo Pinochet, New Press, 2003),
Kornbluh coordena o site recém-inaugurado da instituição
dedicado à operação.
A segunda ele diz em entrevistas ao jornal, ontem e anteontem. Leia abaixo:
FOLHA - O fato de brasileiros estarem na lista dos mandados de prisão
expedidos pela Justiça italiana comprova uma participação mais efetiva do país na Operação Condor, algo
que o regime militar sempre negou?
PETER KORNBLUH - Em nosso trabalho nos arquivos nós encontramos alguns documentos que
detalham a participação do país
na operação, alguns inclusive
do chamado Arquivo do Terror
paraguaio, que acabamos de colocar no ar. Mas, é claro, a
maior fonte de informações
ainda está nos arquivos do governo brasileiro, nos arquivos
de inteligência militar do governo brasileiro.
FOLHA - Quanto à participação efetiva do Brasil, a versão corrente é
que se tratava só de apoio logístico,
troca de informações. Há documento que sugere algo diferente?
KORNBLUH - Há alguns enviados
por funcionários do governo
norte-americano, mas o mais
importante é o que conseguimos no Departamento de Estado. Datado de 20 de julho de
1976, chega ao mesmo tempo
em que relatórios da CIA e do
Pentágono começam a dar uma
noção mais exata ao governo
dos EUA sobre as atividades da
operação. [Ele lê o documento,
que diz que o Brasil passaria a
ser um "membro integral"; veja
reprodução nessa página]. Até
então, os relatórios diziam que
o Brasil colaborava na Operação Condor "com exceção de
operações de assassinatos".
Ainda assim, pode-se argumentar que uma operação de seqüestro no Brasil acabava em
assassinato do mesmo jeito.
FOLHA - Seria a "pistola fumegante", na sua opinião?
KORNBLUH - Seria, sim.
FOLHA - Por que a Argentina e o Paraguai foram mais rápidos e receptivos do que o Brasil em colocar os arquivos à disposição do público?
KORNBLUH - Houve uma retomada recente no movimento
pelo direito de saber no Brasil, e
esse movimento está trabalhando para pressionar o governo para desclassificar os documentos e permitir de verdade o acesso do público aos arquivos. O movimento renasceu
em toda a América Latina. O
Brasil está atrás de países como
o Paraguai, que descobriu o
chamado Arquivo do Terror
nos anos 90 e desde sexta-feira
o expõe ao mundo pela internet, o Chile tem uma lei de liberdade de informação que
ainda não resultou na reabertura de nenhum arquivo significativo. Mas o Brasil deveria ser
o líder nesse processo e até agora está no fim da fila.
Suspeito que é uma questão
que o governo de Lula não vê
como importante para não
criar uma crise ou um conflito
ou um problema com os militares brasileiros. Em outros países, os militares têm sido desacreditados durante o processo.
O único que lida com isso diferentemente é o Brasil, que insiste em salvaguardar os arquivos. É um direito dizer que esse
é um governo civil, os arquivos
do passado pertencem ao povo
brasileiro.
FOLHA - Na lista de nacionalidades
dos mandados de prisão não há nenhum norte-americano. Como?
KORNBLUH - Os EUA, especialmente no meio dos anos 70,
certamente tinham laços com
os governos da Operação Condor. Abro o meu livro com uma
frase tirada do primeiro resumo secreto feito a Henry Kissinger sobre a Operação Condor, em agosto de 1976, por seu
secretário assistente, Harry
Shlaudeman. "Internacionalmente, os generais latinos parecem "gente nossa" ["our guys",
no original em inglês]. Somos
particularmente identificados
com o Chile. Isso não nos vai fazer bem." Então, os EUA sabiam que tinham ligações com
esses países. Mas, por toda a
pesquisa que fizemos, nunca
houve indicação de que funcionários do governo norte-americano estivessem diretamente
envolvidos nessas atividades de
seqüestros e assassinatos.
Com uma exceção. Foi a de
um agente FBI, num caso muito conhecido no Chile, de Jorge
Isaac Fuentes de Alarcon, que
foi preso e interrogado no Paraguai por agentes da polícia secreta argentina, paraguaia e
chilena e então desapareceu
depois de entregue ao Chile.
Aqui, um agente do FBI teve
conhecimento do interrogatório e forneceu ao Chile informações sobre Alarcon.
Há ainda a questão de Kissinger, cujo papel foi questionado
por juízes, inclusive no Brasil.
Há alguns anos, iria receber
uma medalha do governo brasileiro. A informação vazou, começou a se articular um protesto e houve indicação de que um
juiz brasileiro poderia interrogá-lo. Ele cancelou a viagem.
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