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Segundo o francês Jacques Testart, a terapia genética fracassou, e pesquisadores sérios estão deixando a área
Para biólogo, busca pelo novo transpõe ética
RICARDO GRINBAUM
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
O biólogo francês Jacques Testart veio ao Brasil participar do
Fórum Social Mundial como um
dos principais nomes do pensamento de esquerda no campo da
ciência.
"Pai científico" de Amandine, o
primeiro bebê de proveta francês,
Testart também é conhecido por
suas críticas aos rumos da ciência
moderna. Na sua opinião, a ciência acabou.
"Só existe a tecnociência, uma
busca permanente por inovações,
alimentada pelo mercado, em nome do progresso", diz o pesquisador especializado em fertilização
artificial.
Para Testart, a busca incessante
por inovações ultrapassou os limites da ética e da dignidade humana e gerou "mentiras" e "mistificações", entre as quais inclui a
pesquisa de alimentos transgênicos e a terapia genética.
"Nos últimos dez anos, a terapia
genética atraiu muitas verbas para pesquisa, mas fracassou, frustrando os pacientes", diz o pesquisador. "Os grupos que se dedicavam à terapia genética agora estão migrando para outras áreas de
pesquisa."
Testart deu a seguinte entrevista
à Folha:
Folha - Militantes do movimento
sem-terra brasileiros invadiram na
quinta-feira um campo de produção de alimentos transgênicos da
multinacional Monsanto. O que o
sr. pensa disso?
Testart - Está havendo uma
enorme concentração de poder
sobre a oferta de alimentos em todo o mundo nas mãos de multinacionais como a Monsanto, a
Novartis e a Avantis. Essas companhias desenvolvem a tecnologia de produção dos alimentos geneticamente modificados.
Mesmo se os transgênicos não
fossem perigosos, essa concentração de poder do controle da produção nas mãos de algumas companhias já seria um problema.
Ocorre ainda que a literatura
científica não aponta qualquer
vantagem na produção dos alimentos geneticamente modificados. Portanto, estamos enfrentando os riscos do uso de uma nova
tecnologia cujos efeitos ainda não
são bem conhecidos sem que tenhamos qualquer ganho prático.
Folha - Qual a responsabilidade
dos cientistas na produção e no uso
desse tipo de tecnologia, como a
dos transgênicos?
Testart - Há uma grande responsabilidade dos cientistas porque
eles ajudam a mistificar a ciência,
como ocorre no caso dos alimentos transgênicos. A base da técnica dos alimentos geneticamente
modificados é a mesma das terapias genéticas na medicina. Nos
dois casos, a técnica não apresentou os resultados esperados, não
há comprovação científica que
funcionem. Mesmo assim, os
cientistas são os primeiros responsáveis pela mistificação criada
em torno da tecnologia dos genes.
Folha - O que há de errado com
essas técnicas?
Testart - Existem vários sinais de
problemas no uso da tecnologia
da genética. Os ratos transgênicos
são estéreis e morrem jovens. As
plantas transgênicas não demonstram nenhuma vantagem, a
não ser para as indústrias que trabalham com essa tecnologia. Em
dez anos, as terapias genéticas
concentraram verbas de pesquisa,
mas frustraram os pacientes.
No caso da terapia genética, o
erro está na tese de desenvolvimento do implante do genoma
humano. Ao contrário do que se
diz, o gene não tem a programação genética do ser humano. O gene contém só informações, não é
uma programação. Ao se fazer
uma clonagem, por exemplo, um
gene é colocado num óvulo. O gene se desenvolve, daí em diante, a
partir do óvulo e não do próprio
gene. A manipulação dos genes
não vai trazer as soluções mágicas
que se espera na medicina.
Folha - É possível fazer ciência de
maneira independente hoje em
dia?
Testart - Atualmente, não é possível fazer ciência independente.
Hoje não existe mais a ciência,
mas algo que chamo de tecnociência. Não existe mais a vontade
gratuita de se obter conhecimento. Toda pesquisa tem uma finalidade, que é buscar inovações. É
uma experimentação permanente, alimentada pelo mercado, em
nome do progresso.
Mesmo a pesquisa em instituições públicas conta com capital
privado. Há mistificação em torno dos progressos e dos resultados da pesquisa científica. Em casos como o dos alimentos transgênicos e da terapia genética, resultados milagrosos são mentiras.
Folha - Por que os pesquisadores
ajudam a mistificar a ciência?
Testart - O grande compromisso
é ideológico, com a mistificação
do progresso. Não podem acreditar que o trabalho deles não pode
ajudar no desenvolvimento. É como se perguntar a um militar se
ele não acredita na guerra.
Folha - Qual é a solução para se
alterar a tecnociência?
Testart - A saída é o sistema que
chamamos de conferência dos cidadãos. Isso já é feito na França,
na Suíça e na Dinamarca. Consiste em consultar um grupo de cidadãos para dar opinião sobre o
futuro de pesquisas científicas.
Na França, escolhemos, ao acaso, 200 nomes na lista telefônica.
Sessenta pessoas aceitaram participar. Excluímos aqueles que já tinham noções sobre os transgênicos. Sobraram 15 pessoas, de vários setores da sociedade. Durante
dois finais de semana, essas pessoas receberam informações técnicas que lhes permitiram fazer
uma avaliação crítica do assunto.
Essa é uma maneira democrática
de trabalhar a questão.
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