São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

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Segundo o francês Jacques Testart, a terapia genética fracassou, e pesquisadores sérios estão deixando a área

Para biólogo, busca pelo novo transpõe ética

RICARDO GRINBAUM
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

O biólogo francês Jacques Testart veio ao Brasil participar do Fórum Social Mundial como um dos principais nomes do pensamento de esquerda no campo da ciência.
"Pai científico" de Amandine, o primeiro bebê de proveta francês, Testart também é conhecido por suas críticas aos rumos da ciência moderna. Na sua opinião, a ciência acabou.
"Só existe a tecnociência, uma busca permanente por inovações, alimentada pelo mercado, em nome do progresso", diz o pesquisador especializado em fertilização artificial.
Para Testart, a busca incessante por inovações ultrapassou os limites da ética e da dignidade humana e gerou "mentiras" e "mistificações", entre as quais inclui a pesquisa de alimentos transgênicos e a terapia genética.
"Nos últimos dez anos, a terapia genética atraiu muitas verbas para pesquisa, mas fracassou, frustrando os pacientes", diz o pesquisador. "Os grupos que se dedicavam à terapia genética agora estão migrando para outras áreas de pesquisa."
Testart deu a seguinte entrevista à Folha:

Folha - Militantes do movimento sem-terra brasileiros invadiram na quinta-feira um campo de produção de alimentos transgênicos da multinacional Monsanto. O que o sr. pensa disso?
Testart -
Está havendo uma enorme concentração de poder sobre a oferta de alimentos em todo o mundo nas mãos de multinacionais como a Monsanto, a Novartis e a Avantis. Essas companhias desenvolvem a tecnologia de produção dos alimentos geneticamente modificados.
Mesmo se os transgênicos não fossem perigosos, essa concentração de poder do controle da produção nas mãos de algumas companhias já seria um problema. Ocorre ainda que a literatura científica não aponta qualquer vantagem na produção dos alimentos geneticamente modificados. Portanto, estamos enfrentando os riscos do uso de uma nova tecnologia cujos efeitos ainda não são bem conhecidos sem que tenhamos qualquer ganho prático.

Folha - Qual a responsabilidade dos cientistas na produção e no uso desse tipo de tecnologia, como a dos transgênicos?
Testart -
Há uma grande responsabilidade dos cientistas porque eles ajudam a mistificar a ciência, como ocorre no caso dos alimentos transgênicos. A base da técnica dos alimentos geneticamente modificados é a mesma das terapias genéticas na medicina. Nos dois casos, a técnica não apresentou os resultados esperados, não há comprovação científica que funcionem. Mesmo assim, os cientistas são os primeiros responsáveis pela mistificação criada em torno da tecnologia dos genes.

Folha - O que há de errado com essas técnicas?
Testart -
Existem vários sinais de problemas no uso da tecnologia da genética. Os ratos transgênicos são estéreis e morrem jovens. As plantas transgênicas não demonstram nenhuma vantagem, a não ser para as indústrias que trabalham com essa tecnologia. Em dez anos, as terapias genéticas concentraram verbas de pesquisa, mas frustraram os pacientes.
No caso da terapia genética, o erro está na tese de desenvolvimento do implante do genoma humano. Ao contrário do que se diz, o gene não tem a programação genética do ser humano. O gene contém só informações, não é uma programação. Ao se fazer uma clonagem, por exemplo, um gene é colocado num óvulo. O gene se desenvolve, daí em diante, a partir do óvulo e não do próprio gene. A manipulação dos genes não vai trazer as soluções mágicas que se espera na medicina.

Folha - É possível fazer ciência de maneira independente hoje em dia?
Testart -
Atualmente, não é possível fazer ciência independente. Hoje não existe mais a ciência, mas algo que chamo de tecnociência. Não existe mais a vontade gratuita de se obter conhecimento. Toda pesquisa tem uma finalidade, que é buscar inovações. É uma experimentação permanente, alimentada pelo mercado, em nome do progresso.
Mesmo a pesquisa em instituições públicas conta com capital privado. Há mistificação em torno dos progressos e dos resultados da pesquisa científica. Em casos como o dos alimentos transgênicos e da terapia genética, resultados milagrosos são mentiras.

Folha - Por que os pesquisadores ajudam a mistificar a ciência?
Testart -
O grande compromisso é ideológico, com a mistificação do progresso. Não podem acreditar que o trabalho deles não pode ajudar no desenvolvimento. É como se perguntar a um militar se ele não acredita na guerra.

Folha - Qual é a solução para se alterar a tecnociência?
Testart -
A saída é o sistema que chamamos de conferência dos cidadãos. Isso já é feito na França, na Suíça e na Dinamarca. Consiste em consultar um grupo de cidadãos para dar opinião sobre o futuro de pesquisas científicas.
Na França, escolhemos, ao acaso, 200 nomes na lista telefônica. Sessenta pessoas aceitaram participar. Excluímos aqueles que já tinham noções sobre os transgênicos. Sobraram 15 pessoas, de vários setores da sociedade. Durante dois finais de semana, essas pessoas receberam informações técnicas que lhes permitiram fazer uma avaliação crítica do assunto. Essa é uma maneira democrática de trabalhar a questão.


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