São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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ELIO GASPARI

O superchefe da Casa Civil é um megaperigo


O pacote econômico transformou Dilma Rousseff em uma superministra de um urso que come seus donos

DESDE A SEMANA passada há dois tipos de ministros: Dilma Rousseff e os demais. A concentração de tantos poderes nas mãos do chefe da Casa Civil é uma experiência comprovadamente perigosa. O colapso do comissariado de José Dirceu, ungido "técnico do time" por Nosso Guia, não é apenas uma má lembrança. É a sinalização de um erro.
A Casa Civil é a última instância do acesso de pessoas e de problemas ao presidente. Faltam-lhe quadros e estrutura para tocar planos de governo. FFHH foi um mestre na arte de simular a outorga de coordenações ao ministro Clóvis Carvalho. Em setembro de 1999, quando o tucanato lançou a opereta "Avança Brasil", o doutor cumpriu o mesmo papel dado a Dilma na segunda. Resultou em quase nada.
A idéia de expandir a autoridade e a exposição do chefe da Casa Civil nunca deu certo. Foram três os seus titulares com grande visibilidade, todos desastrosos para si e para os presidentes: Lourival Fontes, no segundo governo de Getúlio Vargas; Quintanilha Ribeiro, com Jânio Quadros; Darcy Ribeiro, com João Goulart; e José Dirceu.
Se a exibição associou-se ao fracasso, a discrição ligou-se ao êxito. João Leitão de Abreu, o mais poderoso de todos os chefes da Casa Civil, senhor de baraço e cutelo da administração no governo do general Médici (1969-1974), não falava e só aparecia em reuniões oficiais. Não tem verbete na Wikipédia. (O general Golbery do Couto e Silva que ocupou o cargo de 1974 a 1981, não teve o poder de Leitão e sua notoriedade tinha mais a ver com maquinações de bastidores e lendas construídas a partir do seu silêncio público.)
Os grandes chefes da Casa Civil tiveram mais uma característica: não alimentavam projeto político individual. De uma lista de 30 pessoas que ocuparam o cargo desde 1936, a maioria perdeu-se no pó dos tempos. Quatro foram para o Supremo Tribunal Federal e dois para os das Contas. Nenhum foi levado por voto popular para nenhum cargo executivo. (Marco Maciel, duas vezes vice-presidente, não conta.)
Ainda está para nascer quem queira impor a Dilma Rousseff limites para seu projeto político. Ela chegou à chefia do Gabinete Civil com mais de 30 anos de militâncias, alguns deles vividos na cadeia. Estava na faculdade quando seu nome entrou numa lista de 61 pessoas da organização em que atuava, todas procuradas pela ditadura. Onze morreram, com a idade média de 25 anos.
Em benefício do arranjo atual, deve-se registrar que Dilma não acumula funções ostensivas de articulação política. Em prejuízo desse mesmo arranjo, pela primeira vez um projeto de desenvolvimento foi anunciado sem a presença do ministro do Planejamento. O doutor Paulo Bernardo, titular da pasta, estava em Amsterdã, num compromisso oficial. Não fez falta, pois esteve ao largo da concepção do pacote.
Dilma Rousseff corre um risco adicional. Torna-se superministra de um presidente que, biograficamente, comporta-se como um urso que come seus donos. Assim aconteceu com Frei Chico, o irmão que o levou para o movimento sindical e com Paulo Vidal, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo que o alavancou na diretoria da entidade. (Lula chegou a ecoar publicamente a insinuação pérfida de que ele fosse um agente policial: "Eu, sinceramente, não acredito nisso. (...) Mas essas dúvidas persistem.")
O urso comeu José Dirceu, mordeu a perna direita de Antonio Palocci e a mão esquerda de Frei Betto. O apetite de Lula explica-se também pela gastronomia do Planalto. Lá os ursos adoram donos. O general João Figueiredo, que chamava Golbery de "senhor", devorou-o, mas não o conseguiu digerir.
O surgimento de uma SuperDilma (ou um super-seja-quem-for) na Casa Civil é um risco para a estrutura do governo, para os programas que venha a coordenar e para ela mesma. Faria muito mais sentido que recebesse o dobro dos poderes que tem e fosse nomeada ministra do Desenvolvimento, mandando como mandaram Delfim Netto e Fernando Henrique Cardoso enquanto estiveram na Fazenda. Mas, como diz Nosso Guia, "as soluções óbvias nem sempre são as mais fáceis".

A COALITION
Baixou o caboclo George Bush no comissário Tarso Genro. Ele acaba de criar uma entidade chamada "Conselho Político da Coalizão". Bush se refere às tropas que ocupam o Iraque como a "Coalition". O conselho de Tarso será formado pelos presidentes dos partidos que apóiam Nosso Guia.
Fez mais. Na sexta -feira, dia 26, distribuiu o texto de uma nota do conselho para ser divulgada depois da reunião de terça-feira, dia 30. A nota diz exatamente nada. Pode-se presumir que a reunião dirá a mesma coisa.

ANJOS URBANOS
Na noite do dia 12, a cratera da obra da Linha 4 do Metrô de São Paulo ameaçava derrubar uma grua de 120 toneladas e 40 metros de altura, pondo em risco um edifício vizinho. Uma das soluções técnicas para a emergência era o imediato aterro do buraco, para estabilizar o guindaste. Acreditava-se que todos os operários haviam abandonado o local e não havia vítimas.
A iniciativa foi abortada diante da informação de que uma van emitira sinais de rádio ao satélite da empresa de transportes avisando que ela estava naquele buraco, a 26 metros de profundidade.
Algum anjo da guarda protegeu os responsáveis pela obra.
De fato, havia uma van na cratera, mas a história do sinal de satélite era falsa. O veículo não tinha esse tipo de equipamento.
Também foi a sorte que permitiu a certeza de que o entregador, cujo corpo foi resgatado na quinta-feira, estava nas cercanias do acidente. Ele tinha dois celulares, com o registro das solicitações que recebia e dos clientes que atendia.

SAUDADE DO PODER
Márcio Thomaz Bastos já confessa que terá saudades do poder. Não da cadeira de ministro da Justiça, mas do serviço de telefonistas do Palácio do Planalto, que acha qualquer um a qualquer hora.

O PACO
Nunca na história deste país brasileiros investiram mais no exterior (US$ 27,25 bilhões) do que estrangeiros investiram no Brasil (US$ 18,78 bilhões). É o Programa de Aceleração do Crescimento dos Outros.

AOS MENSALEIROS
O deputado Arlindo Chinaglia informa: desautoriza e dispõe-se a denunciar publicamente, para que a lei cuide do caso, qualquer gestão destinada a amparar sua candidatura à presidência da Câmara que envolva negociações com órgãos públicos ou empresas estatais.

LULA 3º
Fica registrado que, em 22 de janeiro de 2007, em entrevista ao repórter Gabriel Manzano Filho, o professor Leôncio Martins Rodrigues disse o seguinte: "Há "no âmago" da estratégia de Lula a busca de condições "para que, no devido tempo, [se] comece a trabalhar por um terceiro mandato. Não é fácil acreditar que, dispondo de uma aprovação, digamos, de 60% ou 65% no seu último ano (...) ele mande parar as campanhas em favor de sua permanência. E ainda o discurso de movimentos populares e sindicais, de que se ele sair o neoliberalismo volta e estraga todo o progresso obtido... Volto a dizer: não estou prevendo que isso acontecerá. Estou advertindo para que os analistas e os eleitores pensem nisso com seriedade". O aviso foi dado.


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