São Paulo, terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA

Ala do partido favorável a aliança com Lula estuda lançar Roriz como terceira via para atrasar escolha entre Rigotto e Garotinho

Governistas do PMDB agirão contra prévias

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A ala governista do PMDB tentará, depois do Carnaval, inviabilizar o processo de prévias para escolher o candidato a presidente pelo partido. A escolha envolve cerca de 20 mil filiados e está marcada para o dia 19 de março.
Os governistas têm três estratégias para tentar melar a escolha: 1) promover uma enxurrada de ações na Justiça contestando os critérios do processo; 2) forçar alguns Estados a não realizarem a eleição do dia 19; e 3) lançar um terceiro nome para forçar a realização de um segundo turno.
Até o momento, inscreveram-se nas prévias do PMDB apenas o governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, e o ex-governador do Rio Anthony Garotinho. O terceiro nome seria o do governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, que está no segundo mandato consecutivo e não pode concorrer ao mesmo cargo.
A entrada de Roriz na disputa se daria por meio de um "apelo" a ser feito a ele. Neste mês, o governador do Distrito Federal anunciou que não seria candidato a nada. É um teatro. Os governistas do PMDB pretendem organizar um evento no qual diriam que ele é imprescindível ao partido.
A idéia não é necessariamente ganhar as prévias com Roriz, mas levar a disputa a um segundo turno. Pelas regras do PMDB, um candidato só vence se obtiver pelo menos 50% mais um dos votos.
Se houver a necessidade de segundo turno, o ambiente ideal estará formado para que a cúpula governista do PMDB acabe embananando o processo de uma vez. Logo depois do dia 19, muitos filiados poderiam entrar na Justiça contestando o processo de votação, alegando fraudes. Esse movimento poderia causar um atraso no segundo turno, que está marcado para o dia 26 de março.
Nesse caso, o tempo começaria a se esgotar para Rigotto. É que, para ser candidato a presidente, o gaúcho precisa renunciar ao cargo de governador até 31 de março. Não pode correr o risco de abandonar o comando do Rio Grande do Sul e ficar sem legenda depois.

Tropa palaciana
A tropa palaciana do PMDB é composta por quatro integrantes principais: o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), o ex-presidente e senador José Sarney (AP), o líder peemedebista no Senado, Ney Suassuna (PB), e o deputado Jader Barbalho (PA). Todos, cada um a seu jeito, têm interlocução direta com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A estratégia dos governistas do PMDB tem várias etapas. A primeira é inviabilizar as prévias do dia 19, cenário preferencial.
Mesmo sem as prévias vingando, entretanto, é possível que algum peemedebista continue a pleitear a vaga de candidato a presidente da República pelo partido. Basicamente, esse personagem deve se restringir a Garotinho.
Ocorre que, para ser candidato, é necessário vencer as prévias (se realizadas) e ser nomeado formalmente pela Convenção Nacional do PMDB, que deve ocorrer no período de 10 a 30 de junho.
A expectativa dos governistas é que até maio Lula consolide sua liderança nas pesquisas de opinião, sinalizando ainda mais uma possibilidade de vitória. Nesse caso, os peemedebistas lulistas continuam acreditam que haveria uma solução que surgiria por gravidade: indicar o candidato a vice-presidente, formalizando uma aliança nacional com o PT.
Lula, em suas conversas com o PMDB, dá a entender que deseja ter ao seu lado Nelson Jobim, hoje presidente do STF (Supremo Tribunal Federal). O ministro deixará o cargo para se filiar ao PMDB durante o mês que vem -a tempo de ficar preparado e apto a concorrer a qualquer cargo em outubro.
Mas, mesmo se não for possível indicar o vice de Lula, os governistas já terão prestado um enorme serviço para o Palácio do Planalto ao impedir que o PMDB tenha candidato próprio.
Se a sigla não estiver na disputa, a chance de a eleição ser decidida no primeiro turno cresce, o que pode facilitar ainda mais a campanha lulista.

Segundo turno
Nas últimas três eleições presidenciais houve um certo padrão para que houvesse a realização de segundo turno: isso só ocorre quando há, pelo menos, quatro candidatos competitivos e com percentuais acima de 10%.
Em 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) faturou a vitória no primeiro turno.
O PMDB até teve candidato em 1994, Orestes Quércia, mas seu desempenho acabou ficando equivalente ao de um partido nanico -um quarto lugar com 4,38% dos votos válidos, atrás de Enéas (Prona) e seus 7,38%. Lula teve 27,04%. FHC ganhou com 54,30%.
Em 1998, o PMDB facilitou ainda mais. Nem teve candidato. Mas surgiu então Ciro Gomes (que havia saído do PSDB e estava filiado ao PPS; hoje, já passou para o PSB). Só que Ciro teve apenas 10,97% e ficou em terceiro lugar. Enéas, quarto, registrou meros 2,14%. Lula novamente foi o segundo, com 31,71%. FHC ganhou e marcou 53,06%.
Em 2002, a eleição foi para o segundo turno, pois a soma dos segundo, terceiro e quarto colocados (o tucano José Serra, Garotinho e Ciro) no primeiro turno dava 53,04%.
Neste ano, Ciro está com Lula e não será candidato. Dos postulantes de 2002, sobram apenas Serra (se ele for escolhido o candidato tucano) e Garotinho.
Na hipótese de Garotinho não conseguir ser nomeado pelo PMDB, a disputa só irá ao segundo turno se alguns hoje nanicos aparecerem robustecidos em outubro -por exemplo, nomes como Heloísa Helena (PSOL), Roberto Freire (PPS) e Cristovam Buarque (PDT). Hoje, esses três somados marcam apenas de 8% a 12%, segundo o Datafolha.
Mas a melhor marca desses nanicos se dá apenas quando o candidato tucano não é José Serra, indicando que 12% é um patamar elevado e descolado do cenário real da eleição.
A tendência tem sido o PSDB polarizar com o PT durante o processo eleitoral. Aí, os nanicos todos voltam a percentuais menores de intenção de voto.

A longa crise do PMDB
O PMDB é um partido que nunca se desmancha, mas passa por crise de identidade crônica desde o final da ditadura militar (1964-1985). O ano de ouro da sigla foi em 1986, quando José Sarney era presidente da República (eleito indiretamente vice de Tancredo Neves em 1985, assumiu o cargo com a morte do titular).
O Plano Cruzado havia congelado os preços e o Brasil vivia uma euforia traduzida em 22 governadores eleitos pelo PMDB naquele ano. O partido comandava, portanto, 95% dos Estados.
Na Câmara, a bancada que saiu das urnas em 1986 somava 260 cadeiras (53,4% do total da Casa).
Depois dessa época áurea, foi quase sempre ladeira abaixo. Os 22 governadores de 1986 viraram apenas 7 na eleição de 1990. Em 2002, foram 5.
Na Câmara, as sucessivas conquistas da maior bancada são coisa do passado. Quatro anos depois do Plano Cruzado, os 260 deputados ficaram desidratados para só 108 em 1990 -queda de 58%. Em 2002, foram só 74 deputados e um modesto terceiro lugar, atrás de PT e PFL.
Nos Estados, a queda também é perceptível no número de deputados estaduais eleitos. Em 1990, o PMDB conquistou 214 cadeiras nas Assembléias Legislativas (20,4% do total de todo o país). Em 2002, foram 134 cadeiras e só 12,7% do total.
Desde que se encostou no governo Lula, o PMDB passou a ensaiar um aumento de poder. Ganhou três ministros: Saúde (o deputado mineiro Saraiva Felipe), Comunicações (o senador mineiro Hélio Costa) e Minas e Energia (com o maranhense Silas Rondeau, indicado por Sarney).
O número de governadores saiu dos cinco eleitos em 2002 (RS, SC, PR, DF e PE) e pulou para oito (os novos Estados são Espírito Santo, Amazonas e Tocantins). Não é mera coincidência que as seções de Amazonas e Tocantins sejam as que estejam escaladas para entrar com ações na Justiça contra o processo de prévias no PMDB.
Na Câmara dos Deputados, o governismo engordou os peemedebistas. As 74 cadeiras conquistadas em 2002 já se transformaram em 81, dando ao partido a segunda colocação na Casa.


Texto Anterior: Depois da cassação: Dirceu vai entrar com recurso no STF para tentar reaver o mandato
Próximo Texto: Aliança
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.