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ELIO GASPARI
O reflexo de Mantega demorou 12 horas
Em situações inesperadas,
os hierarcas são tocados por um demônio que converte o imprevisto em impotência
PODE-SE BAIXAR até mesmo a
maioridade penal dos fetos,
mas é o caso de se pensar para
que serve a maioridade dos adultos
do andar de cima.
Às 23h30 da terça-feira de Carnaval, o ministro da Fazenda, Guido
Mantega, estava numa chácara de
Ibiúna, nas cercanias de São Paulo,
quando a casa foi invadida por três
bandidos. Dominaram os donos da
casa, quatro casais convidados com
seus filhos e os empregados da casa.
Como não encontraram dinheiro,
exigiram que o dono da casa, o empresário Victor Garcia Sandri, arrumasse cerca de R$ 20 mil. Sandri foi
com um dos bandidos a São Paulo,
conseguiu o ervanário e regressou a
Ibiúna cinco horas depois. Os assaltantes foram embora.
O empresário disse que deu queixa à polícia numa delegacia que não
sabe direito onde fica. Até a tarde de
segunda-feira não havia B.O. com
seu nome em nenhuma delegacia
dos 645 municípios de São Paulo.
Mantega tem ao seu alcance a proteção da Polícia Federal. Preferiu ligar para o governador de São Paulo,
prerrogativa dos detentores do babilaque "sabem-quem-está-telefonando?" Fez isso 12 horas depois
do episódio.
Sandri disse que não poderia reconhecer os bandidos porque eles estavam encapuzados. Mesmo sabendo-se que aquela era a última noite
de Carnaval, é improvável que um
sujeito encapuzado rodasse no banco do carona durante três horas por
São Paulo sem que alguém achasse a
cena esquisita.
Três dias após o delito, a mulher
do ministro, Eliane Berger Mantega,
disse à repórter Soraya Aggege, que
não quer fazer "reconhecimento de
ninguém". Mais: "Os caras foram supergentis, só queriam dinheiro".
É razoável que pessoas submetidas a situações violentas fiquem desorientadas. É compreensível que
não procurem a polícia, por medo de
uma vingança dos bandidos. Essa é a
atitude de 25% das vítimas em São
Paulo (tudo gente que não tem o telefone de José Serra).
Mantega é ministro da Fazenda e
está obrigado a se comportar como
autoridade pública. Deveria ter pedido ao anfitrião que notificasse
imediatamente a polícia. Bastava
discar 181. O ministro poderia ter
chamado prontamente a central telefônica do Planalto, para que ela o
ligasse com a Polícia Federal. Esses
eram os caminhos institucionais,
capazes de levar à rápida captura
dos bandidos. Doze horas depois, a
sorte passa-se para o lado dos delinqüentes.
Coisas estranhas acontecem aos
hierarcas em situações inesperadas.
São tocados por algum demônio que
converte o imprevisto em impotência. Nos anos 60, um cidadão entrou
no gabinete do ministro da Educação, Pedro Aleixo, e disse que ia matá-lo. Conversaram e contou o motivo: o ministro trabalhava até tarde,
retinha sua mulher no serviço e, por
isso, ela o traía com outro. Pedro
Aleixo explicou-lhe que não havia
razão para tanto. Tendo-o convencido, levou-o à porta. Não chamou o
guarda. O cidadão matou a mulher.
Um ano antes, o chefe da Casa Civil, Luís Viana Filho, ia em seu carro
oficial pela rua Santa Luzia, no Rio
de Janeiro. Atropelou um ancião.
Formado um grupo de curiosos, o
doutor disse ao motorista que cuidasse do caso, deu meia-volta e foi a
pé para o Senadinho, a um quarteirão de distância. Horas depois, Luís
Viana soube que o atropelado (morto) era o médico Maurício de Medeiros, seu colega na Academia Brasileira de Letras.
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