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SAIBA MAIS
Geopolítica e poder de veto prejudicam o projeto de Annan
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Se o secretário-geral da ONU,
Kofi Annan, insistir em ter suas
propostas de reforma da entidade tratadas como um só projeto, ao menos dois aspectos
tendem a bloquear sua aprovação: a intenção de fixar exatamente os pré-requisitos para o
uso da força militar na cena internacional e a de estabelecer
uma definição de terrorismo.
Pouco depois de Annan apresentar seu projeto aos 191 países-membros da ONU, na última segunda-feira, Adam Ereli,
porta-voz do Departamento de
Estado dos EUA, classificou o
texto de "uma pauta ambiciosa". Como previsto, contudo,
ele não deixou de expressar seu
ceticismo acerca da tentativa
de estabelecer regras internacionais para o uso da força.
Vale lembrar que os americanos declararam guerra ao Iraque sem a anuência internacional e que, ao lado de Paris, Londres, Pequim e Moscou, Washington dispõe de direito de
veto no Conselho de Segurança, o mais importante órgão de
tomada de decisões da ONU.
Obviamente, o CS terá de
aprovar a reforma da entidade,
a mais abrangente desde sua
criação, em 1945. Ou seja, os
EUA, a França, o Reino Unido,
a China e a Rússia poderão vetar as mudanças, embora isso
vá ser bastante impopular.
A tentativa de normatizar o
uso da força na cena internacional também não agrada aos
russos, que preferem ter liberdade para, se preciso, defender
militarmente suas minorias em
outras ex-repúblicas da URSS
-embora essa opção seja, na
prática, bem pouco provável.
Por exemplo, a Geórgia acusa
Moscou de fomentar o separatismo da Abkházia e da Ossétia
do Sul. E, na Moldova, a população exige a saída de mais de
mil soldados russos que ainda
vivem na Transnítria, região de
numerosa população de origem russa. Em 1999, os russos
prometeram deixar o país até o
final de 2003. Pouco antes disso, no entanto, avisaram que só
poderiam concluir a desmilitarização da região em 2020.
Apesar de a definição de terrorismo proposta por Annan
parecer sensata ("Qualquer ato
que tem como objetivo causar
a morte ou provocar ferimentos graves em civis ou qualquer
pessoa que não participa ativamente das hostilidades numa
situação que visa intimidar a
população ou compelir um governo ou uma organização internacional a fazer ou a deixar
de fazer qualquer ato"), ela dificilmente será adotada por uma
entidade que reúne Estados
com interesses distintos.
Afinal, "quem é terrorista para um é combatente da liberdade para outro". Dois casos explicitam a complexidade de
chegar a um consenso: a insurreição tchetchena na Rússia e a
ação do Hizbollah no Líbano.
Para o governo russo, os
tchetchenos são terroristas internacionais, ligados à rede Al
Qaeda, capazes de atos de barbárie, como o seqüestro na escola de Beslan (Ossétia do Norte), que deixou mais de 300
mortos, incluindo crianças.
Segundo a União Européia,
todavia, trata-se de um grupo
que reúne diferentes facções da
luta separatista tchetchena e,
apesar de cometer atos indefensáveis, busca fugir ao jugo
de Moscou e criar um Estado
islâmico na república russa.
O mesmo vale para o Hizbollah. De acordo com Israel e os
EUA, ele é um grupo terrorista,
cujo maior objetivo é ver o fim
do Estado de Israel, financiado
e apoiado pela Síria e pelo Irã e
capaz de cometer atos de violência contra civis inocentes.
Já para boa parte da população libanesa, ele é um partido
político legítimo e uma entidade assistencial responsável por
programas sociais e pela gestão
de hospitais e de escolas.
A expansão do CS constitui
outro aspecto do plano que poderá minar a reforma. Afinal, a
inclusão do Brasil, da Índia, da
Alemanha e do Japão no grupo
de membros permanentes
(mesmo sem direito de veto)
desagrada, respectivamente, ao
México, ao Paquistão, à Itália e
à Coréia do Sul. Estes se sentem
excluídos em benefício de "rivais" regionais mais influentes.
As propostas de Annan não
poderão, portanto, ser tratadas
como um conjunto indivisível.
Caso contrário, a ONU correrá
o risco de ver sua credibilidade
abalada, já que um impasse em
relação à reforma -que, segundo uma pesquisa da BBC, é
bem-vista pela maioria da população de 23 países- só faria
contrariar, mais uma vez, a
vontade popular internacional.
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