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JANIO DE FREITAS
Os furos da enganação
A Época das Enganações está
desvendando sua natureza
sem esperar que o novo governo,
queira ou não, venha a fazê-lo.
As revelações aparecem esparsamente na mídia, o que dificulta
a visão do conjunto pelos cidadãos, e a importância de muitas
delas não é percebida pela crescente superficialidade do jornalismo brasileiro, quando não é
escondida por maus motivos.
O aumento do preço da energia elétrica, para dar aos donos
das ex-estatais o que deixaram
de lucrar com a energia que não
forneceram, durante o corte, revelou à população o tipo de relações entre os que privatizaram e
os que compraram.
Bastou que repórteres fossem
verificar a existência de um assentamento, e Eduardo Scolese e
Rubens Valente, da Folha, deram com a fraude-gigante feita
pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e pelo Incra. As
estatísticas da reforma agraria
estão repletas de assentamentos
que são apenas matagais intocados e áreas ermas e pantanosos intocáveis. Falsificações urdidas, ficou provado, em reuniões feitas com esse fim pelo ministério e pelo Incra.
Alguma investigação do governo por improbidade, algum
processo por falsificação de dados oficiais? Nada. Silêncio até
aumentado por uma invenção
do jornalismo brasileiro atual:
se um jornal faz dada revelação,
os concorrentes vetam o assunto
em suas páginas. Ah, tomei um
furo, pronto, agora não publico,
todos de volta à infância. O que
vetam, de fato, é o conhecimento
do leitor que paga por esses jornais para ter conhecimento sem
veto.
No Rio, só mínima quantidade dos leitores de jornal sabe das
falsificações do governo na reforma agrária. Em São Paulo, isso se passou com o grave pronunciamento do FMI, originado
em levantamento do Banco
Mundial, para alertar que a dívida externa brasileira compromete todos os sacrifícios impostos pelo corte de investimentos
governamentais e pelo chamado
ajuste fiscal. O alarme do FMI
veio da constatação de que o
Brasil é responsável por 10% da
dívida externa existente no
mundo todo. É a enganação da
estabilidade pelo aprisionamento da economia que começa a
mostrar sua face verdadeira.
Estes poucos exemplos vêm a
propósito da necessidade de referência a um outro. É um dos
truques de consequências muito
graves e, no entanto, ainda pouco percebido na sua malignidade, embora adotado em 95, início ainda do primeiro mandato.
Para livrar-se de responsabilidades, o governo passou a destinar as verbas correspondentes
aos municípios e Estados, sem
ao menos interessar-se por
acompanhar o uso do dinheiro
público. Foi o que já ficou claro
na epidemia da dengue.
Eis outro pequeno retrato de
efeitos do truque, consideradas
só estas últimas semanas e um
só aspecto: 493 municípios ficaram desde fevereiro sem a parcela mensal do Programa Nacional de Alimentação Escolar, à
falta de sua prestação de contas,
até 28 de fevereiro, relativa a
2001.
Sob essa formulação de aparência administrativa, o que se
deve ler é a falta de merenda escolar em milhares de escolas públicas pelo país afora, desde o
início do ano letivo. A responsabilidade pela falta de prestação
de contas é dos secretários de
educação, prefeitos ou governadores, mas punidas são as crianças, carentes na sua imensa
maioria. Estabelecer punições
para os desrespeitadores dos
convênios, isso criaria inconveniências políticas para a Presidência. Punam-se as crianças.
Como é feito há anos, sob protetor silêncio.
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