São Paulo, segunda-feira, 28 de maio de 2007

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Entrevista da 2ª - Claudio Weber Abramo

Para filósofo, divulgar grampos é errado em tese, mas evita abafamento de casos

'Discussão sobre reforma política é cortina de fumaça'

Alan Marques - 31.jan.2006/Folha Imagem
O diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo


MICHELE OLIVEIRA
DA REDAÇÃO

Para o combate à corrupção, Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, descarta mudanças na estrutura político-partidária como uma das soluções. "Reforma política não vai mudar nada disso, e a discussão funcionará, de novo, como cortina de fumaça." Ele ressalta, sim, a importância da aplicação das leis e do acesso à informação.

Quando Weber Abramo fala em uma cortina de fumaça "de novo", é porque, segundo ele, assim como o caso do mensalão, prestes a completar dois anos, levantou a discussão "inútil" sobre financiamento de campanha eleitoral, o mesmo pode acontecer com o surgimento da Operação Navalha, que reaviva o debate sobre a atuação da classe política.
"Será que mudanças na estrutura político-partidária, ou na forma de realizar eleições, ou na maneira como as eleições são financiadas, causariam algum efeito sobre o direcionamento de licitações públicas? Me parece óbvio que não."
Sobre a atuação da Polícia Federal, alvo de críticas por vazar informações sigilosas, Weber Abramo diz que, "em tese", a polícia não deveria agir assim. Mas ressalta que, "num ambiente em que a confiança nas instituições de controle é muito baixa", a publicidade da investigação pode ser um modo de forçar sua continuidade.
"Divulgar informações sobre investigações muitas vezes é um mecanismo usado para evitar que casos sejam abafados antes mesmo que comecem judicialmente", diz o mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Weber Abramo, há quase sete anos à frente da Transparência Brasil, criada em 2000, defende a regulamentação do lobby como forma de controlar a atividade relacionada a políticos. Diz ainda que "ineficiências administrativas" são mais bem combatidas quando a lei é aplicada -"um passo muito importante para melhorar a administração pública é aplicar os regulamentos"- e quando o acesso à informação é amplo.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista à Folha.
 

FOLHA - Depois do mensalão e dos sanguessugas, esse novo escândalo da Operação Navalha traz novidades em seu modo de operação?
CLAUDIO WEBER ABRAMO -
Não. O mecanismo exibido é basicamente o mesmo de sempre: uma empresa ou grupo de empresas paga propinas a agentes públicos (eleitos ou nomeados) para que licitações sejam direcionadas em seu favor. Por vezes, isso é associado à introdução, no Orçamento, de emendas que definem a execução de determinadas obras ou a compra de determinados bens, como as ambulâncias dos sanguessugas. Nesses casos, os parlamentares envolvidos agem como intermediários, tanto na definição das emendas quanto depois, na chamada "liberação", ou seja, aprovação administrativa da compra.
O administrador público do órgão que realiza a despesa -um ministério, uma secretaria estadual, uma prefeitura- é quem de fato materializa a operação, ao realizar a licitação, que é direcionada, ao não fiscalizar a execução da obra etc. Em suma, o processo é sempre o mesmo. Observe-se que os parlamentares envolvidos são intermediários de uma operação que é necessariamente realizada pelo Executivo, seja federal, estadual ou municipal.

FOLHA - Depois dos dois escândalos que marcaram o primeiro mandato do governo Lula, é possível que essa sucessão de casos de corrupção envolvendo políticos e dinheiro público não mais mobilize os eleitores?
ABRAMO -
Isso é muito difícil de responder. Aliás, mesmo os casos dos mensaleiros e dos sanguessugas tiveram conseqüências muito diferentes. Enquanto a maioria dos mensaleiros foi reeleita, de 59 deputados acusados de envolvimento no caso dos sanguessugas e que buscaram a reeleição, apenas 6 foram reeleitos.

FOLHA - Falando dos casos dos sanguessugas e do mensalão, o sr. vê um mais grave do que o outro?
ABRAMO -
Quando políticos estão envolvidos em propinagem, a destinação do dinheiro pode ser diversa -comprar barcos, adquirir o terreno ao lado da casa da praia, usar em eleições. Ou seja, tanto faz se o dinheiro é usado para financiar campanha eleitoral ou outra coisa qualquer. É dinheiro proveniente de crime, e a forma como é usado é irrelevante. A saber, essa justificativa de que "ah, mas esse dinheiro foi usado para campanha eleitoral, portanto o crime é menos grave" foi uma invenção dos mensaleiros para tentar se desvencilhar da gravidade dos crimes.

FOLHA - Como nos sanguessugas, há políticos de muitos partidos, incluindo base aliada e oposição, envolvidos no esquema. É uma amostra de um sistema político deficiente? O que precisa mudar?
ABRAMO -
Uma coisa tem pouquíssimo a ver com a outra. Digamos que se adote alguma reforma política. Será que mudanças na estrutura político-partidária, ou na forma de realizar eleições, ou na maneira como as eleições são financiadas, causariam algum efeito sobre o direcionamento de licitações públicas? Me parece óbvio que não. Tenho certeza de que, da mesma maneira que o mensalão ensejou toda uma discussão perfeitamente inútil sobre financiamento eleitoral -nunca é demais lembrar que os mensaleiros apanhavam dinheiro na boca do caixa e que o caixa dois eleitoral apareceu como desculpa para "aliviar" o aspecto da propinagem-, o caso dos navalhas vai reavivar um debate sobre reforma política. Com isso, as ineficiências administrativas, o atravancamento dos sistemas de informação entre o setor público e a sociedade permanecerão como estão. Reforma política não vai mudar nada disso, e a discussão funcionará, de novo, como cortina de fumaça.

FOLHA - Se reforma política não mudará práticas como direcionamento de licitações, de que forma combater, então, essas "ineficiências administrativas"?
ABRAMO -
A lei muitas vezes é desaplicada. Aplicar a lei é responsabilidade administrativa. Um passo muito importante para melhorar a administração pública é aplicar os regulamentos. Outra coisa: fluxos de informação. Quanto menos a informação flui, mais fácil se torna corromper os processos administrativos. É por isso que é tão importante promulgar-se no Brasil uma legislação que regulamente os artigos 5, inciso 33 (direito de acesso a informação), e o artigo 37 (dever de publicidade) da Constituição. Anteprojeto de lei nessa direção encontra-se desde o ano passado na Casa Civil, para ser submetido a consulta pública, o presidente da República se comprometeu publicamente a fazê-lo, mas, até agora, nada aconteceu. A corrupção se alimenta de obscuridade. Regulamentar o acesso a informação seria muito importante para melhorar as condições de monitoramento dos atos governamentais pela imprensa e pelas organizações da sociedade. Isso reduz corrupção.

FOLHA - Nessa Operação Navalha novamente houve casos de lobby de empresários junto a agentes públicos. Como cercear o lobby? Existe o lobby "saudável", sem transgredir limites éticos e legais?
ABRAMO -
Claro que sim. Fazer lobby não é em princípio condenável. Trata-se de advogar determinados interesses junto a legisladores e integrantes do Executivo. Não se deve confundir lobby com intermediação de propinagem. Em minha opinião, a atividade de lobbying deveria ser regulamentada (registro de interesses, registro dos contatos dos lobistas com parlamentares etc.). Isso tenderia a reduzir a presença de intermediários do tipo criminosos, "homens da mala" etc. Mas não acabaria completamente com o problema, é claro.

FOLHA - A atuação da PF nas operações Hurricane e Navalha, principalmente, gerou muitas críticas dos que foram presos. A Transparência Brasil tem uma avaliação do desempenho da PF nesses casos?
ABRAMO -
Acho difícil responder a isso sem conhecer caso a caso. Não é impossível que tenha havido arbitrariedade em alguns casos, mas no geral não me pareceu.

FOLHA - Ainda sobre a PF, a divulgação de grampos contendo nomes que podem não estar envolvidos nos esquemas de corrupção não é um risco? Como proceder com os grampos? A PF pode divulgá-los?
ABRAMO -
A divulgação de nomes de pessoas grampeadas ou investigadas corta dos dois lados. Pensando apenas em tese, a polícia não deveria fazer isso. Acusações criminais são materializadas quando o promotor público -ou procurador, no caso do Ministério Público Federal- apresenta a denúncia na Justiça. Há, contudo, um lado que não se deve desprezar, que é o lado pragmático. Vivemos num ambiente em que a confiança nas instituições de controle é muito baixa. Divulgar informações sobre investigações muitas vezes é um mecanismo usado para evitar que casos sejam abafados antes mesmo que comecem judicialmente.

FOLHA - Depois de deflagradas, as operações da Polícia Federal dependem do Judiciário para resultarem em punições, que podem vir em anos. Isso não pode desestimular o combate à corrupção?
ABRAMO -
Esse problema é muito mais complicado do que meramente essa história de dizer que a polícia prende e a Justiça solta. Todo o sistema judicial brasileiro, incluindo-se a polícia, o Ministério Público e a magistratura, é muito pouco funcional. Em defesa do Judiciário, é preciso dizer que de nada adianta prender um fulano por aí, acusá-lo na Justiça, mas instruir mal o processo. Se o processo é mal instruído, é inevitável que o processo seja arquivado. Não poderia ser de outro jeito. De toda forma, o problema da falta da aplicação da justiça no Brasil começa na Constituição, passa pelo Código Penal, pela polícia, pela desorganização do Ministério Público -esta última é uma instituição que, ao lado de muitos serviços prestados ao Brasil, tem também muitas mazelas.

FOLHA - Na Operação Navalha está havendo um conflito entre o STF e o STJ. Enquanto o último autorizou pedidos de prisão temporária, o Supremo, por meio do ministro Gilmar Mendes, concedeu liminares soltando presos. Isso é prejudicial ao trabalho da PF?
ABRAMO -
Como é que se pode entender? Isso é típico do Judiciário brasileiro, e não se restringe ao STJ ou ao STF. Cada juiz é uma ilha. Com isso, o Judiciário não tem uniformidade de comportamento e ficamos sem entender patavina. A mesma coisa aconteceu com as operações Furacão e Têmis. Casos idênticos tiveram tratamento diferente dos juízes que autorizaram as diligências iniciais. Como é que pode?

FOLHA - A corrupção está sendo mais combatida ou está acontecendo em maior volume?
ABRAMO -
É impossível saber, mas a intuição é a de que há mais combate. Não me parece plausível que a corrupção tenha aumentado, porque os mecanismos exibidos são muito bem conhecidos. Estão aí há muito tempo.


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