São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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ELIO GASPARI

O Bolsa Ditadura tornou-se uma indústria

O assalto à bolsa da Viúva conseguiu o que 21 anos de perseguições não conseguiram, avacalhou a velha esquerda

SE ALGUÉM QUISESSE produzir um veneno capaz de desmoralizar a esquerda sexagenária brasileira dificilmente chegaria a algo parecido com o Bolsa Ditadura.
Aquilo que em 2002 foi uma iniciativa destinada a reparar danos impostos durante 21 anos a cidadãos brasileiros transformou-se numa catedral de voracidade, privilégios e malandragens. O Bolsa Ditadura já custou R$ 2,5 bilhões à contabilidade da Viúva. Estima-se que essa conta chegue a R$ 4 bilhões no ano que vem. Em 1952, o governo alemão pagou o equivalente a R$ 11 bilhões (US$ 5,8 bilhões) ao Estado de Israel pelos crimes cometidos contra os judeus durante o nazismo.
O Bolsa Ditadura gerou uma indústria voraz de atravessadores e advogados que embolsam até 30% do que conseguem para seus clientes. No braço financeiro do pensionato há bancos comprando créditos de anistiados. O repórter Felipe Recondo revelou que Elmo Sampaio, dono da Elmo Consultoria, morderá 10% da indenização que será paga a camponeses sexagenários, arruinados, presos e torturados pela tropa do Exército durante a repressão à Guerrilha do Araguaia. Como diria Lula, são 44 "pessoas comuns" que receberão pensões de R$ 930 mensais e compensações de até R$ 142 mil. Essa turma do andar de baixo conseguiu o benefício muitos anos depois da concessão de indenizações e pensões aos militantes do PC do B envolvidos com a guerrilha.
O doutor Elmo remunera-se intermediando candidatos e advogados. Seu plantel de requerentes passa de 200. Ele integrou a Comissão da Anistia e dela obteve uma pensão de R$ 8.000 mensais, mais uma indenização superior a R$ 1 milhão, por conta de um emprego perdido na Petrobras. No primeiro grupo de milionários das reparações esteve outro petroleiro, que em 2004 chefiava o gabinete do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh na Câmara. O Bolsa Ditadura já habilitou mais de 160 milionários.
É possível que o ataque ao erário brasileiro venha a custar mais caro que todos os programas de reparações de todos os povos europeus vitimados pelo comunismo em ditaduras que duraram quase meio século. Na Alemanha, por exemplo, um projeto de 2007 dava algo como R$ 700 mensais a quem passou mais de seis meses na cadeia e tinha renda baixa (repetindo, renda baixa). Na República Tcheca, o benefício dos ex-presos não pode passar de R$ 350 mensais.
No Chile, o governo pagou indenizações de 3 milhões de pesos (R$ 11 mil) e concedeu pensões equivalentes a R$ 500 mensais. Durante 13 anos, entre 1994 e 2007, esse programa custou US$ 1,4 bilhão. No Brasil, em oito anos, o Bolsa Ditadura custará o dobro. O regime de Pinochet matou 2.279 pessoas e violou os direitos humanos de 35 mil. Somando-se os brasileiros cassados, demitidos do serviço público, indiciados ou denunciados à Justiça chega-se a um total de 20 mil pessoas. Já foram concedidas 12 mil Bolsas Ditadura e há uma fila de 7.000 requerentes.
Os camponeses do Araguaia esperaram 35 anos pela compensação. Como Lula não é "uma pessoa comum", ficou preso 31 dias em 1979 e começou a receber sua Bolsa Ditadura oito anos depois. Desde 2003, o companheiro tem salário (R$ 11.239,24), casa, comida, avião e roupa lavada à custa da Viúva. Mesmo assim embolsa mensalmente cerca de R$ 5.000 da Bolsa Ditadura. (Se tivesse deixado o dinheiro no banco, rendendo a Bolsa Copom, seu saldo estaria em torno de R$ 1 milhão.)
O cidadão que em 1968 perdeu a parte inferior da perna num atentado a bomba ao Consulado Americano recebe pelo INSS (por invalidez), R$ 571 mensais. Um terrorista que participou da operação ganhou uma Bolsa Ditadura de R$ 1.627. Um militante do PC do B que sobreviveu à guerrilha e jamais foi preso, conseguiu uma pensão de R$ 2.532. Um jovem camponês que passou três meses encarcerado, teve o pai assassinado pelo Exército e deixou a região com pouco mais que a roupa do corpo, receberá uma pensão de R$ 930.
Nesses, e em muitos outros casos, Millôr Fernandes tem razão: "Quer dizer que aquilo não era ideologia, era investimento?"

MADAME NATASHA
Madame Natasha sabe que o ministro Gilmar Mendes não é "uma pessoa comum", muito menos "um juiz qualquer", mas julgou conveniente oferecer-lhe uma de suas bolsas de estudo para habituá-lo a falar um idioma de cada vez em seus textos. Outro dia o doutor escreveu um artigo referindo-se a um "turning point" e acrescentou: "a virada". The senhora acha que se ele tivesse falado só in portuguese conseguiria the mesmo resultado. O ministro já fez a mesma coisa em alemão. Falou em "projeto" e informou, entre parênteses: "Entwurf". Algo como dizer Volkswagen para acrescentar: "carro do povo". Madame Natasha tropeçou num "Bundesverfassungsgericht" e pensou que o teclado do ministro estava com algumas vogais travadas. Em português isso seria "Corte Federal Constitucional".

CONVERSA DE PM
Depois de mandarem a PM ao campus da USP, o governador José Serra e a reitora Suely Vilela acharam melhor esfriar os ânimos e retiraram a tropa. Menos de uma semana depois, por conta de uma baderna numa escola pública de Osasco, a PM paulista entrou no estabelecimento, à sua maneira. Alguns alunos disseram que foram maltratados e um deles deu queixa à Polícia Civil. Um PM disse que as reclamações eram "conversa de criança". No último dia 12, o professor Vladimir Safatle escreveu um artigo denunciando que havia PMs com metralhadoras no campus da USP. No dia 16, o capitão Dorival Mignanelli desmentiu-o. Safatle manteve o que disse. Matou a cobra e mostrou a fotografia de um sargento com uma submetralhadora a tiracolo. O desmentido do capitão era conversa de adulto.

JOSÉ DE LAMBALLE
Com os pedidos para que se afaste da presidência do Senado, José Sarney saiu da fase Du Barry e entrou no zodíaco da princesa de Lamballe. Madame Du Barry, namorada de Luís 15, saiu de Paris logo depois da Queda da Bastilha e foi viver em Londres. Não entendeu o que estava acontecendo, voltou e foi passada na lâmina. Aos 43 anos, a princesa de Lamballe era a viúva mais bonita, elegante e rica de Paris. Ela também fugiu para Londres, mas a lealdade à sua amiga Maria Antonieta chamou-a de volta. Foi presa em 1791 e seus juízes exigiram que condenasse a família real. Como sucede a Sarney com seus amigos do Senado, ela se recusou. Entregaram-na à choldra. Do que lhe sucedeu há duas versões:
Na leve, foi linchada, mutilada e decapitada. Na pesada, foi linchada, mutilada e levaram sua cabeça a um cabeleireiro para um último penteado.
Nas duas versões, puseram-na na ponta de um pau e ergueram-na até a janela onde estava presa Maria Antonieta. (O criado de Luís 16 viu a cena e registrou que os cabelos louros da princesa "flutuavam em torno do espeto").

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota comum e apiedou-se do doutor Agaciel Maia, que pediu licença remunerada para cuidar do "desgaste emocional". O que o cretino não entende é porque Agaciel mandou tocar a música do filme "O Poderoso Chefão" no casamento de sua filha, há poucas semanas. Certa vez, enquanto esperava um bonde na Lapa, Eremildo ouviu um comentário de Madame Satã: "O Rei dos Malandros é um otário", mas como é um idiota, achou que fosse bobagem.


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