São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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Ordens no Araguaia eram dadas por quatro generais

Militar Lício Maciel afirma que guerrilheiros do PC do B foram mortos em confrontos

O major Curió disse que militantes foram mortos quando já estavam presos, mas não citou qual militar teria dado essa ordem

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O tenente-coronel da reserva do Exército Sebastião Rodrigues de Moura, o "major Curió", guarda silêncio sobre um ponto fundamental na história da guerrilha do Araguaia: qual oficial superior teria mandado as equipes militares de campo executarem guerrilheiros desarmados e prisioneiros.
Segundo as recentes entrevistas dadas ao jornal "O Estado de S. Paulo", Curió disse ter recebido "ordens superiores", de oficiais cujos nomes omitiu, "para não deixar rastros da guerrilha". Citou assassinatos de duas prisioneiras, mas negou ter sido o autor. Também não esclareceu os locais em que os corpos de guerrilheiros teriam sido enterrados.
Dois oficiais do Exército que tiveram papel destacado no combate à guerrilha -mas que negaram saber de ordem de execução de prisioneiros- descreveram à Folha a cadeia de comando militar das operações. Eles demonstraram irritação com as declarações de Curió e negaram assassinatos de guerrilheiros dominados.
Concederam entrevistas à Folha, por telefone, o coronel da reserva Gilberto Airton Zenkner, 75, que foi o coordenador do plano de infiltração "Operação Sucuri", a segunda fase da campanha, e o tenente-coronel reformado Lício Augusto Ribeiro Maciel, 79, ferido num tiroteio ao lado de Curió no início da terceira campanha, a "Operação Marajoara", que exterminou a guerrilha.
O coronel Lício, autor de um livro sobre o episódio, disse que por volta do dia 7 de outubro de 1973 recebeu uma "ordem superior" para capturar os guerrilheiros "vivos ou mortos". Segundo Lício, a ordem não falava de execução de prisioneiros.
A ordem, segundo ele, mudou todo o esquema dos militares para o combate. A partir dela, os guerrilheiros foram sendo eliminados -segundo ele, sempre em confrontos armados. O tenente-coronel disse que não guardou nenhuma cópia da ordem nem se recorda do nome de quem a assinou.
Ao longo dos quatro anos em que durou o conflito, as Forças Armadas lançaram três campanhas contra os militantes do PC do B que pretendiam derrubar a ditadura (1964-1985) e fundar um governo comunista no Brasil. A cadeia de comando modificou-se ao longo desse período. A ordem de oficiais descrita nas entrevistas corresponde à época da "Marajoara", que se estendeu de 1973 a meados de 1974. No período ocorreram 47 desaparecimentos de guerrilheiros, segundo o livro "A Lei da Selva", de Hugo Studart.
De acordo com Lício, a cadeia começava no presidente da República, Emílio Médici, passava pelo ministro do Exército, Orlando Geisel, pelo general Milton Tavares de Souza, comandante do CIE (Centro de Informações do Exército), e chegava ao chefe da seção de operações do CIE, coronel Carlos Sérgio Torres. Os quatro oficiais morreram entre o final do anos 70 e o final dos 80.
Torres enviava as ordens para as equipes de campo, em sintonia com seu superior, Tavares, depois substituído na chefia do CIE pelo general Confúcio Avelino. "As ordens vinham de Médici, de Geisel, de Milton e de Torres. Os nossos relatórios faziam o caminho inverso", disse Lício, para quem Torres foi "um homem valoroso".
"O Curió demonstrou total má-fé. Dizer que "respeita" os bandidos. Eles tinham o dinheiro dos comunistas. Os próprios generais em Brasília ficavam revoltados. A tropa, andando na mata, eles matavam e ficava por isso mesmo. Por quê? Porque eles [militares] não tinham [até 73] ordem para revidar", disse Lício.


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