São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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RAIO-X DA SAÚDE

Prefeitura fez o maior Programa de Saúde da Família, mas Marta encerra gestão sem ter criado um único leito a mais na cidade

Investimentos não melhoram acesso à saúde

LAURA CAPRIGLIONE
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

A médica Zelene Santos Silva, 47, diretora do Ambulatório de Especialidades Doutor Milton Aldred, no Grajaú, zona sul da cidade, estava orgulhosa na última segunda-feira, quando foi inaugurada a sala de odontologia da unidade, com quatro equipamentos completos novinhos em folha, destinados ao atendimento gratuito da comunidade local.
Toda a equipe do Milton Aldred com aventais impecavelmente brancos, bordados com o brasão da prefeitura, no local onde se atendem 15 especialidades médicas, e o observador poderia achar que a população é bem atendida.
A doutora Zelene relativiza o primor: "Já que não podemos atender todos os que precisam, fazemos o melhor pelos que chegam até aqui." Mas é muita gente que precisa e fica de fora.
O Milton Aldred, diz a diretora, tem 23 especialistas. Deveriam ser 60, segundo a Organização Mundial de Saúde -o necessário para atender aos mais de 300 mil habitantes do bairro.
Situação análoga surge quando o foco aponta para uma Unidade Básica de Saúde, "UBS" no jargão. Na UBS do Jardim Grimaldi, zona leste, a aposentada Jandira Fabrício da Silva, 65, relata o sufoco para conseguir atendimento:
"Aqui, em dia de marcação de consulta, só chegando às 3 da manhã. Em baixo de chuva, ficam os idosos esperando, em fila que dobra o quarteirão. Quando a agenda dos médicos é preenchida, dispensam os excedentes. As pessoas voltam para casa chorando."
Segundo levantamento da própria Secretaria Municipal de Saúde, os 9 médicos da UBS (quatro pediatras, três ginecologistas, 2 clínicos-gerais) deveriam fazer 17.280 consultas no semestre. Fizeram 11.558, ou 66,7% do combinado.
A população do bairro, segundo parâmetros da OMS, necessitaria de um mínimo de 48.806 consultas. É mais de quatro vezes o que foi realizado. Para a secretaria, são necessários mais 16 médicos para atingir a cobertura esperada.
No agregado da cidade, avaliação do próprio município dá conta da existência de 1 milhão de paulistanos sem acesso adequado à rede de saúde existente. Em outros termos, 3,6 milhões de um total de 13,5 milhões de consultas necessárias deixaram de ser feitas.
São situações como essas que ajudam a explicar o fato de a saúde ter-se constituído no elo mais fraco da gestão Marta Suplicy.
Há mais: não se concluíram as obras de nenhuma nova unidade ou hospital. Marta acabará o mandato sem entregar um único leito adicional nas áreas mais necessitadas: os extremos das zonas leste (Cidade Tiradentes) e sul (M'Boi Mirim). Concluídos, esses hospitais somarão 462 leitos.
Nos 15 hospitais em funcionamento, também sobram problemas. Por falta de equipamentos, equipes ou infra-estrutura, o índice de ocupação dos leitos é de apenas 65%. A secretaria admite que deveria ser de 85%.
Quem observou a evolução da saúde nesses anos, afirma que o resultado opaco decorre da falta de um projeto único para a área, que teve dois secretários, Eduardo Jorge e Gonzalo Vecina Neto (atual), ambos sem força no PT municipal.
Com Marta, a rede municipal voltou ao Sistema Único de Saúde (SUS) e houve mais investimentos. Em 2003, deveriam ser aplicados 11,8% dos recursos próprios da prefeitura em saúde. Ela colocou 15,3%.
Municipalizaram-se 193 unidades de saúde que estavam sob o controle do Estado. Além disso, foi ampliado o PSF (Programa Saúde da Família), hoje o maior no país, com 784 equipes formadas por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários. Juntas, as equipes de Saúde da Família são responsáveis pela atenção básica de 3,1 milhões de habitantes da cidade.
É um programa caro. Só em salários e encargos, cada equipe custa de R$ 20 mil a R$ 23 mil por mês. Pior: num primeiro momento, o PSF só aguça as demandas por serviços mais complexos de saúde, porque é capaz de detectar problemas antes que eles empurrem o cidadão até o hospital.
Expandido principalmente nas regiões mais pobres da cidade, o PSF é o protagonista de uma importante mudança -para melhor- na saúde. Cada equipe atende mil famílias.
No Jardim Três Corações, encrustado numa área semi-rural da cidade, seis equipes do PSF começam a percorrer o bairro às 8h. A família do marceneiro Alberino Cardoso de Carvalho, 66, recebe a médica Nayá Puertas, 47, e a agente de saúde Maria Aparecida Queiroz Santos, a Cida, 52.
Hipertenso, Carvalho tem a pressão medida. Na segunda-feira, estava 14 por 9. "Sob controle", diz a médica. O marceneiro toma hidroclorotiazida, 25 miligramas, que pega no posto, mediante a prescrição da doutora Nayá.
Nos planos do ex-secretário Eduardo Jorge, a gestão de Marta deveria se encerrar com 1.400 equipes PSF. Paulo Eduardo Elias, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, explica a distância entre o planejado e o executado: "A prefeitura herdou estruturas, equipamentos e pessoal muito ruins. É preciso antes recuperar essa estrutura. Sem ela, o PSF não resolve."
Começa pelo prédio e instalações. Um estudo realizado pela prefeitura no final de 2003, admitia que, das 385 UBSs, 97 ainda se encontravam em estado crítico quanto à situação física. Outras 204 receberam nota "regular" e 57, satisfatórias. De 27 UBSs não se tinha sequer informação.


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