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RAIO-X DA SAÚDE
Prefeitura fez o maior Programa de Saúde da Família, mas Marta encerra gestão sem ter criado um único leito a mais na cidade
Investimentos não melhoram acesso à saúde
LAURA CAPRIGLIONE
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
A médica Zelene Santos Silva,
47, diretora do Ambulatório de
Especialidades Doutor Milton Aldred, no Grajaú, zona sul da cidade, estava orgulhosa na última segunda-feira, quando foi inaugurada a sala de odontologia da unidade, com quatro equipamentos
completos novinhos em folha,
destinados ao atendimento gratuito da comunidade local.
Toda a equipe do Milton Aldred
com aventais impecavelmente
brancos, bordados com o brasão
da prefeitura, no local onde se
atendem 15 especialidades médicas, e o observador poderia achar
que a população é bem atendida.
A doutora Zelene relativiza o
primor: "Já que não podemos
atender todos os que precisam, fazemos o melhor pelos que chegam até aqui." Mas é muita gente
que precisa e fica de fora.
O Milton Aldred, diz a diretora,
tem 23 especialistas. Deveriam ser
60, segundo a Organização Mundial de Saúde -o necessário para
atender aos mais de 300 mil habitantes do bairro.
Situação análoga surge quando
o foco aponta para uma Unidade
Básica de Saúde, "UBS" no jargão.
Na UBS do Jardim Grimaldi, zona
leste, a aposentada Jandira Fabrício da Silva, 65, relata o sufoco para conseguir atendimento:
"Aqui, em dia de marcação de
consulta, só chegando às 3 da manhã. Em baixo de chuva, ficam os
idosos esperando, em fila que dobra o quarteirão. Quando a agenda dos médicos é preenchida, dispensam os excedentes. As pessoas
voltam para casa chorando."
Segundo levantamento da própria Secretaria Municipal de Saúde, os 9 médicos da UBS
(quatro pediatras, três ginecologistas, 2
clínicos-gerais) deveriam
fazer 17.280
consultas no
semestre. Fizeram 11.558, ou
66,7% do combinado.
A população
do bairro, segundo parâmetros da
OMS, necessitaria de um mínimo de 48.806
consultas. É
mais de quatro
vezes o que foi
realizado. Para
a secretaria,
são necessários
mais 16 médicos para atingir
a cobertura esperada.
No agregado da cidade, avaliação do próprio município dá conta da existência de 1 milhão de
paulistanos sem acesso adequado
à rede de saúde existente. Em outros termos, 3,6 milhões de um total de 13,5 milhões de consultas
necessárias deixaram de ser feitas.
São situações como essas que
ajudam a explicar o fato de a saúde ter-se constituído no elo mais
fraco da gestão Marta Suplicy.
Há mais: não se concluíram as
obras de nenhuma nova unidade
ou hospital. Marta acabará o
mandato sem entregar um único
leito adicional nas áreas mais necessitadas: os extremos das zonas
leste (Cidade Tiradentes) e sul
(M'Boi Mirim). Concluídos, esses
hospitais somarão 462 leitos.
Nos 15 hospitais em funcionamento, também sobram
problemas.
Por falta de
equipamentos,
equipes ou infra-estrutura, o
índice de ocupação dos leitos é de apenas
65%. A secretaria admite que
deveria ser de
85%.
Quem observou a evolução
da saúde nesses anos, afirma que o resultado opaco decorre da falta
de um projeto
único para a
área, que teve
dois secretários, Eduardo
Jorge e Gonzalo Vecina Neto
(atual), ambos sem força no PT
municipal.
Com Marta, a rede municipal
voltou ao Sistema Único de Saúde
(SUS) e houve mais investimentos. Em 2003, deveriam ser aplicados 11,8% dos recursos próprios
da prefeitura em saúde. Ela colocou 15,3%.
Municipalizaram-se 193 unidades de saúde que estavam sob o
controle do Estado. Além disso,
foi ampliado o PSF (Programa
Saúde da Família), hoje o maior
no país, com 784 equipes formadas por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes
comunitários. Juntas, as equipes
de Saúde da Família são responsáveis pela atenção básica de 3,1
milhões de habitantes da cidade.
É um programa caro. Só em salários e encargos, cada equipe
custa de R$ 20 mil a R$ 23 mil por
mês. Pior: num primeiro momento, o PSF só aguça as demandas
por serviços mais complexos de
saúde, porque é capaz de detectar
problemas antes que eles empurrem o cidadão até o hospital.
Expandido principalmente nas
regiões mais pobres da cidade, o
PSF é o protagonista de uma importante mudança -para melhor- na saúde. Cada equipe
atende mil famílias.
No Jardim Três Corações, encrustado numa área semi-rural da
cidade, seis equipes do PSF começam a percorrer o bairro às 8h. A
família do marceneiro Alberino
Cardoso de Carvalho, 66, recebe a
médica Nayá Puertas, 47, e a
agente de saúde Maria Aparecida
Queiroz Santos, a Cida, 52.
Hipertenso, Carvalho tem a
pressão medida. Na segunda-feira, estava 14 por 9. "Sob controle",
diz a médica. O marceneiro toma
hidroclorotiazida, 25 miligramas,
que pega no posto, mediante a
prescrição da doutora Nayá.
Nos planos do ex-secretário
Eduardo Jorge, a gestão de Marta
deveria se encerrar com 1.400
equipes PSF. Paulo Eduardo Elias,
professor do Departamento de
Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, explica a
distância entre o planejado e o
executado: "A prefeitura herdou
estruturas, equipamentos e pessoal muito ruins. É preciso antes
recuperar essa estrutura. Sem ela,
o PSF não resolve."
Começa pelo prédio e instalações. Um estudo realizado pela
prefeitura no final de 2003, admitia que, das 385 UBSs, 97 ainda se
encontravam em estado crítico
quanto à situação física. Outras
204 receberam nota "regular" e
57, satisfatórias. De 27 UBSs não
se tinha sequer informação.
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