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comentário
Uma última encenação, sob controle
NELSON DE SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
O debate em formato de
"town-hall meeting", encontro
de comunidade, em tradução livre, com uma platéia como coro, faz dos debatedores atores.
É a performance que toma a
boca de cena, não o argumento.
Em tal ambiente, Lula se movimenta melhor, reage com
mais naturalidade. Ele se dirige
ao opositor, chega a tocar nele.
É mais verdadeiro, para usar
uma palavra de coxia, em suas
reações -da tensão à ironia ou
à alegria. Identifica-se mais
com os espectadores/eleitores
presentes, até fisicamente.
Mas também, muito além
nas pesquisas, se excede na irritação, por vezes passa dos limites, não responde, enrola.
Já Geraldo, o boneco de plástico segundo Marta Suplicy, é
por demais contrito, refreado.
Contém-se o tempo inteiro.
Evita quaisquer reações, prende as mãos, crispa a face, contrai a boca. E foge a todo custo
do conflito, olhos nos olhos.
Em lugar do enfrentamento,
volta-se à platéia, esforça-se em
dosar a agressividade. Mas
também responde com segurança, deixa mensagens claras.
E foi, afinal, menos arrogante.
É o conflito, destaque-se, que
prende a atenção da platéia, no
ambiente teatral imediato do
estúdio no Projac ou no distante, na sala de estar, em casa.
"Senhor"
A Globo de William Bonner,
que antes destituiu Lula do
atributo "presidente", como
pediu o prefeito Cesar Maia,
não voltou atrás. Mas acrescentou uma palavra, "senhor".
Bonner, todo sorrisos ao longo do debate, com uma simpatia empostada em contraste
com a agressividade de antes, a
ponto de aplaudir a entrada dos
candidatos, dizia ao presidente:
- Candidato, o senhor, por
favor... Candidato Lula, eu pediria ao senhor que... Candidato Lula, o senhor agora, vai formular uma pergunta...
Para contornar a determinação do "candidato", só mesmo
um eleitor na platéia, que se dirigiu a Lula, com sorriso franco,
"Boa noite, presidente".
Mas o eleitor presente ao
"town-hall meeting", evento
tradicional na democracia dos
EUA, anterior à TV e só importado no último pleito no Brasil,
não podia dizer nem "Boa noite, presidente", na Globo.
Os "80 eleitores indecisos" se
mantiveram imóveis, às vezes
olhando temerosos para os lados. Antes, Bonner tinha avisado a todos, no ar, "o eleitor não
pode improvisar", sob pena de
ter o microfone cortado.
Mais importante, das centenas de perguntas iniciais, "a
produção", o Alberico de Sousa
Cruz de plantão, selecionou as
que queria. Eram perguntas da
produção. O papel dos eleitores
na encenação foi só de coro.
"Inesquecível"
Registre-se, por fim, que Lula
caminha para ser reeleito depois de dois debates na Globo,
um deles como cadeira vazia,
no esforço concentrado que levou ao segundo turno. E FHC
se reelegeu em 1998 sem um
debate sequer na mesma Globo
-ou em qualquer outra rede.
Mas "foi uma noite inesquecível para a democracia brasileira", segundo o apresentador.
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