São Paulo, sábado, 28 de outubro de 2006

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comentário

Uma última encenação, sob controle

NELSON DE SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

O debate em formato de "town-hall meeting", encontro de comunidade, em tradução livre, com uma platéia como coro, faz dos debatedores atores. É a performance que toma a boca de cena, não o argumento.
Em tal ambiente, Lula se movimenta melhor, reage com mais naturalidade. Ele se dirige ao opositor, chega a tocar nele.
É mais verdadeiro, para usar uma palavra de coxia, em suas reações -da tensão à ironia ou à alegria. Identifica-se mais com os espectadores/eleitores presentes, até fisicamente.
Mas também, muito além nas pesquisas, se excede na irritação, por vezes passa dos limites, não responde, enrola.
Já Geraldo, o boneco de plástico segundo Marta Suplicy, é por demais contrito, refreado.
Contém-se o tempo inteiro. Evita quaisquer reações, prende as mãos, crispa a face, contrai a boca. E foge a todo custo do conflito, olhos nos olhos.
Em lugar do enfrentamento, volta-se à platéia, esforça-se em dosar a agressividade. Mas também responde com segurança, deixa mensagens claras. E foi, afinal, menos arrogante.
É o conflito, destaque-se, que prende a atenção da platéia, no ambiente teatral imediato do estúdio no Projac ou no distante, na sala de estar, em casa.

"Senhor"
A Globo de William Bonner, que antes destituiu Lula do atributo "presidente", como pediu o prefeito Cesar Maia, não voltou atrás. Mas acrescentou uma palavra, "senhor".
Bonner, todo sorrisos ao longo do debate, com uma simpatia empostada em contraste com a agressividade de antes, a ponto de aplaudir a entrada dos candidatos, dizia ao presidente:
- Candidato, o senhor, por favor... Candidato Lula, eu pediria ao senhor que... Candidato Lula, o senhor agora, vai formular uma pergunta...
Para contornar a determinação do "candidato", só mesmo um eleitor na platéia, que se dirigiu a Lula, com sorriso franco, "Boa noite, presidente".
Mas o eleitor presente ao "town-hall meeting", evento tradicional na democracia dos EUA, anterior à TV e só importado no último pleito no Brasil, não podia dizer nem "Boa noite, presidente", na Globo.
Os "80 eleitores indecisos" se mantiveram imóveis, às vezes olhando temerosos para os lados. Antes, Bonner tinha avisado a todos, no ar, "o eleitor não pode improvisar", sob pena de ter o microfone cortado.
Mais importante, das centenas de perguntas iniciais, "a produção", o Alberico de Sousa Cruz de plantão, selecionou as que queria. Eram perguntas da produção. O papel dos eleitores na encenação foi só de coro.

"Inesquecível"
Registre-se, por fim, que Lula caminha para ser reeleito depois de dois debates na Globo, um deles como cadeira vazia, no esforço concentrado que levou ao segundo turno. E FHC se reelegeu em 1998 sem um debate sequer na mesma Globo -ou em qualquer outra rede.
Mas "foi uma noite inesquecível para a democracia brasileira", segundo o apresentador.


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