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CRIME ORGANIZADO
Ministro da Justiça quer punição para quem tem pista de pouso ou laboratório de traficantes
Projeto expropria terra usada por tráfico
Alan Marques/Folha Imagem
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O ministro da Jusiça, José Carlos Dias, que propõe desapropriar terra usada pelo tráfico |
VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília
DANIELA FALCÃO
da Sucursal de Brasília
O ministro José
Carlos Dias (Justiça) enviará nesta
semana ao Congresso proposta de
emenda constitucional que determina a desapropriação, sem direito a indenização, de terras que se prestem ao
tráfico de entorpecentes.
Pela proposta do ministro, seriam desapropriadas não apenas
terras usadas para o cultivo de
plantas psicotrópicas, mas também aquelas onde haja pistas de
pouso ilegais usadas para tráfico
ou laboratórios de refino.
Hoje, o artigo 243 da Constituição permite apenas o confisco de
terras onde forem localizadas culturas ilegais de plantas. No ano
passado, 20 mil hectares foram
expropriados -todos em Pernambuco. Na área foram assentadas 323 famílias.
"O que está acontecendo hoje é
pouco, porque pega só os plantadores pequenos", disse Dias,
acrescentando que "terras em que
haja pistas ou laboratório para fazer a pasta ou refino de cocaína
também seriam passíveis de desapropriação" com a mudança.
O ministro discutiu o projeto
com o presidente Fernando Henrique Cardoso na quinta-feira
passada, por telefone.
A idéia agradou a FHC e deve
ser enviada ao Congresso até a
sexta-feira.
O ministro defendeu o uso das
Forças Armadas para auxiliar a
Polícia Federal na fiscalização de
fronteiras e em outras ações que
estão comprometidas por causa
da demanda crescente de atuação
da PF no combate ao tráfico.
"É uma questão a ser discutida,
não tem de ser fechada em quatro
paredes, porque não é ofensa",
afirmou Dias, ressaltando que
não defende que os militares
exerçam papel de polícia.
Ele elogiou o trabalho desenvolvido pela CPI do Narcotráfico,
mas alertou para os riscos de o
país entrar em um clima de punição exagerado que ameace os direitos do cidadão.
Questionado se os deputados da
CPI do Narcotráfico não estariam
cometendo arbitrariedades durante os interrogatórios com algumas testemunhas, Dias fez
questão de dizer que a comissão
está cumprindo um papel importante.
Mas afirmou que "é óbvio que,
muitas vezes, eles (deputados)
podem ser levados, até emocionalmente, a cometer algum exagero."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Folha - O programa de proteção a testemunhas é apontado
como peça-chave pela CPI, mas
muita gente reclama que está ficando de fora.
Dias - O problema é o seguinte:
aquilo foi criado por lei, depende
de recursos. E a situação está preta. Então, o presidente autorizou
o crédito extraordinário para que
nós pudéssemos dar uma estrutura melhor, para alugar imóveis
para hospedar essas pessoas.
O número de pessoas que hoje
pede proteção é muito grande.
Acontece que poucas pessoas têm
direito a entrar nesse programa,
só mesmo aquelas que são testemunhas.
Folha - Nos últimos 30 dias, a
Polícia Federal recebeu 46 pedidos de proteção. Todos são para
envolvidos nas investigações de
narcotráfico?
Dias - A coisa é muito subjetiva,
de repente você acha que está
ameaçado, algumas vezes é até
um pouco de vaidade, pessoas
que se acham perseguidas. Outros
estão realmente precisando. E
não tem coisa pior que você ter insegurança.
Folha - A PF foi surpreendida
pela quantidade de pessoas que
está tendo de proteger...
Dias - Eu também fui.
Folha - Superintendentes da
PF nos Estados reclamam que
estão totalmente por conta da
CPI: dando proteção ou acompanhando os inquéritos.
Dias - Não são os inquéritos da
CPI. Vamos colocar as coisas nos
seus devidos lugares. São inquéritos relacionados ao narcotráfico.
A CPI trabalha entrosada com a
PF, mas a PF não está a serviço da
CPI. São coisas independentes.
Nós temos aqui o núcleo que está desvendando várias coisas. Vamos entregar isso depois para a
PF, sem levar para a CPI obrigatoriamente. Porque o nosso esquema de trabalho é completamente
diferente. É tudo muito subterrâneo, muito em silêncio.
Folha - A PF, assumindo tantas
novas funções, não corre o risco
de comprometer outras ações,
como o controle de fronteiras?
Dias - Eles são muito adestrados
e cada vez têm de se adestrar
mais. Eles ganham bem, então
não há desculpa para fazer bico,
têm de trabalhar em tempo integral. Nós não admitimos nenhum
escorregão. A fórmula é disciplina
e lealdade.
Folha - Mas os superintendentes reclamam que não estão
dando conta. O controle das
fronteiras está comprometido.
Dias - A coisa da fronteira, eu
acho que está aberta para discussão na sociedade civil de que forma é possível dar um suporte para a PF. Questionar se não seria
possível um apoio das Forças Armadas. Não para o exercício de
polícia, mas como suporte em determinadas áreas para que a polícia possa exercer suas funções.
É uma questão a ser discutida,
não tem de ser fechada em quatro
paredes, porque não é ofensa. É
um papel histórico que poderia
ser atribuído às Forças Armadas.
Folha - Mas existe uma certa
resistência dentro do governo.
Dias - Eu não diria isso. Nós temos de discutir. Eu não gostaria
de ver as Forças Armadas fazendo
papel de polícia. Aqueles que fizeram esse papel fizeram mal. Mas o
que nós queremos é, eventualmente, dar um suporte para que a
PF possa exercer sua função.
Folha - Até porque a PF está
exercendo funções que não
eram dela por deficiências das
polícias estaduais.
Dias - A Polícia Federal hoje
tem uma credibilidade muito
grande, e essa credibilidade existe
não só porque ela é a mais competente das polícias, mas também
porque nós estamos cobrando
muito e confiando muito.
Folha - A questão do narcotráfico sempre foi um problema sério, mas tudo era meio abafado.
Agora, de repente...
Dias - Eu acho o seguinte: a pessoa pode estar com câncer e apresentar alguns sintomas, mas não
tão graves. Até que, de repente, a
laparoscopia exploradora do abdômen (exame que permite a visualização da cavidade do abdômen) mostra uma situação de desespero.
Quer dizer, o fato de ter revelado não quer dizer que não existia.
Eu acho que estávamos sentindo
os sintomas, sintomas de perda
de nível ético dentro da administração e aí em todos os cantos, federal, estadual, municipal.
Folha - Muita gente tem a sensação de que, apesar de tantas
conexões descobertas, a impunidade prevalecerá.
Dias - Eu não aceito de forma
nenhuma que, sob o pretexto de
que nós temos de combater os criminosos e o crime, nós venhamos
a dar aos cidadãos honestos deste
país mais sofrimento, mais insegurança, mais incômodo do que
eles já têm.
Não podemos criar artifícios
autoritários para combater o crime, como aconteceu em alguns
países que implantaram leis específicas que impõem prisões sem
nenhuma fundamentação.
Eu acho que nós temos de saber
que só é possível tentarmos restituir a tranquilidade se nós combatermos o crime dentro das regras democráticas e dentro do
respeito aos direitos humanos. Isso é polícia inteligente, polícia
competente e que respeita os direitos do cidadão.
Você dizer que vai combater o
crime a qualquer preço significa
que amanhã você pode dizer:
"Olha, se preciso, eu vou torturar
para conseguir a confissão".
Nós não estamos em guerra.
Nós estamos em paz, combatendo o crime organizado e, por isso,
temos de estar mais organizados,
mas dentro de uma ordem democrática.
Folha - Algumas pessoas afirmam que deputados da CPI
agem como se estivessem acima
de tudo, pressionando testemunhas, quase obrigando-as a confessar.
Dias - Eu não quero fazer nenhum comentário sobre como se
conduz a CPI. Ela está cumprindo
seu papel, mas é óbvio que, muitas vezes, eles podem ser levados,
até emocionalmente, a cometer
algum exagero. A polícia tem de
ser racional, nós temos de ser racionais.
Nós não temos de conseguir a
investigação a qualquer preço.
Nós temos de conseguir a investigação dentro da lei. Essa é a posição ideológica deste governo.
Folha - Não há risco de muitos
envolvidos escaparem protegidos por brechas nas leis?
Dias - Você tem de encontrar
instrumentos jurídicos para apurar o crime, com revisão das leis,
quando for necessário. Agora
mesmo eu estou propondo mudar o artigo 243 da Constituição,
que prevê que as áreas destinadas
a plantio de maconha possam ser
expropriadas e destinadas a assentamentos de colonos.
Hoje, isso é feito sobre um sítio
em que, às vezes, o coitado do caboclo faz aquilo lá até como cultura de subsistência e ele perde. Está
certo que perca, mas aquele que
tem uma fazendona e que tem
uma pista de pouso para receber
cocaína não tem o risco da expropriação. Nem aquele que tem um
laboratório para refino.
Eu vou propor que o artigo 243
fique com a seguinte redação: as
glebas de qualquer região do país
onde forem localizadas culturas
ilegais de plantas psicotrópicas ou
que se prestem de qualquer modo
para o tráfico ilícito de entorpecentes serão imediatamente expropriadas e destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Eu estou preparando esse projeto e vou enviar para o presidente.
Então, terras em que haja pistas
ou laboratório para fazer a pasta
ou refino de cocaína, todas elas
também seriam passíveis de desapropriação.
Folha - O sr. mandará o projeto para o Congresso quando?
Dias - Não sei, eu acabei de propor isso ao presidente, mas devo
encaminhar o projeto na semana
que vem, já que interessa que seja
aprovado com muita urgência.
Depois, o projeto vai ser regulamentado, lá pelo Ministério da
Defesa. As pessoas vão ter de esclarecer por que têm aquela pista,
por que ela não foi registrada no
DAC. O que está acontecendo hoje é pouco, porque pega só os
plantadores pequenos.
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