São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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CRIME ORGANIZADO
Ministro da Justiça quer punição para quem tem pista de pouso ou laboratório de traficantes
Projeto expropria terra usada por tráfico

Alan Marques/Folha Imagem
O ministro da Jusiça, José Carlos Dias, que propõe desapropriar terra usada pelo tráfico


VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

DANIELA FALCÃO
da Sucursal de Brasília


O ministro José Carlos Dias (Justiça) enviará nesta semana ao Congresso proposta de emenda constitucional que determina a desapropriação, sem direito a indenização, de terras que se prestem ao tráfico de entorpecentes.
Pela proposta do ministro, seriam desapropriadas não apenas terras usadas para o cultivo de plantas psicotrópicas, mas também aquelas onde haja pistas de pouso ilegais usadas para tráfico ou laboratórios de refino.
Hoje, o artigo 243 da Constituição permite apenas o confisco de terras onde forem localizadas culturas ilegais de plantas. No ano passado, 20 mil hectares foram expropriados -todos em Pernambuco. Na área foram assentadas 323 famílias.
"O que está acontecendo hoje é pouco, porque pega só os plantadores pequenos", disse Dias, acrescentando que "terras em que haja pistas ou laboratório para fazer a pasta ou refino de cocaína também seriam passíveis de desapropriação" com a mudança.
O ministro discutiu o projeto com o presidente Fernando Henrique Cardoso na quinta-feira passada, por telefone.
A idéia agradou a FHC e deve ser enviada ao Congresso até a sexta-feira.
O ministro defendeu o uso das Forças Armadas para auxiliar a Polícia Federal na fiscalização de fronteiras e em outras ações que estão comprometidas por causa da demanda crescente de atuação da PF no combate ao tráfico.
"É uma questão a ser discutida, não tem de ser fechada em quatro paredes, porque não é ofensa", afirmou Dias, ressaltando que não defende que os militares exerçam papel de polícia.
Ele elogiou o trabalho desenvolvido pela CPI do Narcotráfico, mas alertou para os riscos de o país entrar em um clima de punição exagerado que ameace os direitos do cidadão.
Questionado se os deputados da CPI do Narcotráfico não estariam cometendo arbitrariedades durante os interrogatórios com algumas testemunhas, Dias fez questão de dizer que a comissão está cumprindo um papel importante.
Mas afirmou que "é óbvio que, muitas vezes, eles (deputados) podem ser levados, até emocionalmente, a cometer algum exagero."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - O programa de proteção a testemunhas é apontado como peça-chave pela CPI, mas muita gente reclama que está ficando de fora.
Dias -
O problema é o seguinte: aquilo foi criado por lei, depende de recursos. E a situação está preta. Então, o presidente autorizou o crédito extraordinário para que nós pudéssemos dar uma estrutura melhor, para alugar imóveis para hospedar essas pessoas.
O número de pessoas que hoje pede proteção é muito grande. Acontece que poucas pessoas têm direito a entrar nesse programa, só mesmo aquelas que são testemunhas.

Folha - Nos últimos 30 dias, a Polícia Federal recebeu 46 pedidos de proteção. Todos são para envolvidos nas investigações de narcotráfico?
Dias -
A coisa é muito subjetiva, de repente você acha que está ameaçado, algumas vezes é até um pouco de vaidade, pessoas que se acham perseguidas. Outros estão realmente precisando. E não tem coisa pior que você ter insegurança.

Folha - A PF foi surpreendida pela quantidade de pessoas que está tendo de proteger...
Dias -
Eu também fui.

Folha - Superintendentes da PF nos Estados reclamam que estão totalmente por conta da CPI: dando proteção ou acompanhando os inquéritos.
Dias -
Não são os inquéritos da CPI. Vamos colocar as coisas nos seus devidos lugares. São inquéritos relacionados ao narcotráfico. A CPI trabalha entrosada com a PF, mas a PF não está a serviço da CPI. São coisas independentes.
Nós temos aqui o núcleo que está desvendando várias coisas. Vamos entregar isso depois para a PF, sem levar para a CPI obrigatoriamente. Porque o nosso esquema de trabalho é completamente diferente. É tudo muito subterrâneo, muito em silêncio.

Folha - A PF, assumindo tantas novas funções, não corre o risco de comprometer outras ações, como o controle de fronteiras?
Dias -
Eles são muito adestrados e cada vez têm de se adestrar mais. Eles ganham bem, então não há desculpa para fazer bico, têm de trabalhar em tempo integral. Nós não admitimos nenhum escorregão. A fórmula é disciplina e lealdade.

Folha - Mas os superintendentes reclamam que não estão dando conta. O controle das fronteiras está comprometido.
Dias -
A coisa da fronteira, eu acho que está aberta para discussão na sociedade civil de que forma é possível dar um suporte para a PF. Questionar se não seria possível um apoio das Forças Armadas. Não para o exercício de polícia, mas como suporte em determinadas áreas para que a polícia possa exercer suas funções.
É uma questão a ser discutida, não tem de ser fechada em quatro paredes, porque não é ofensa. É um papel histórico que poderia ser atribuído às Forças Armadas.

Folha - Mas existe uma certa resistência dentro do governo.
Dias -
Eu não diria isso. Nós temos de discutir. Eu não gostaria de ver as Forças Armadas fazendo papel de polícia. Aqueles que fizeram esse papel fizeram mal. Mas o que nós queremos é, eventualmente, dar um suporte para que a PF possa exercer sua função.

Folha - Até porque a PF está exercendo funções que não eram dela por deficiências das polícias estaduais.
Dias -
A Polícia Federal hoje tem uma credibilidade muito grande, e essa credibilidade existe não só porque ela é a mais competente das polícias, mas também porque nós estamos cobrando muito e confiando muito.

Folha - A questão do narcotráfico sempre foi um problema sério, mas tudo era meio abafado. Agora, de repente...
Dias -
Eu acho o seguinte: a pessoa pode estar com câncer e apresentar alguns sintomas, mas não tão graves. Até que, de repente, a laparoscopia exploradora do abdômen (exame que permite a visualização da cavidade do abdômen) mostra uma situação de desespero.
Quer dizer, o fato de ter revelado não quer dizer que não existia. Eu acho que estávamos sentindo os sintomas, sintomas de perda de nível ético dentro da administração e aí em todos os cantos, federal, estadual, municipal.

Folha - Muita gente tem a sensação de que, apesar de tantas conexões descobertas, a impunidade prevalecerá.
Dias -
Eu não aceito de forma nenhuma que, sob o pretexto de que nós temos de combater os criminosos e o crime, nós venhamos a dar aos cidadãos honestos deste país mais sofrimento, mais insegurança, mais incômodo do que eles já têm.
Não podemos criar artifícios autoritários para combater o crime, como aconteceu em alguns países que implantaram leis específicas que impõem prisões sem nenhuma fundamentação.
Eu acho que nós temos de saber que só é possível tentarmos restituir a tranquilidade se nós combatermos o crime dentro das regras democráticas e dentro do respeito aos direitos humanos. Isso é polícia inteligente, polícia competente e que respeita os direitos do cidadão.
Você dizer que vai combater o crime a qualquer preço significa que amanhã você pode dizer: "Olha, se preciso, eu vou torturar para conseguir a confissão".
Nós não estamos em guerra. Nós estamos em paz, combatendo o crime organizado e, por isso, temos de estar mais organizados, mas dentro de uma ordem democrática.

Folha - Algumas pessoas afirmam que deputados da CPI agem como se estivessem acima de tudo, pressionando testemunhas, quase obrigando-as a confessar.
Dias -
Eu não quero fazer nenhum comentário sobre como se conduz a CPI. Ela está cumprindo seu papel, mas é óbvio que, muitas vezes, eles podem ser levados, até emocionalmente, a cometer algum exagero. A polícia tem de ser racional, nós temos de ser racionais.
Nós não temos de conseguir a investigação a qualquer preço. Nós temos de conseguir a investigação dentro da lei. Essa é a posição ideológica deste governo.

Folha - Não há risco de muitos envolvidos escaparem protegidos por brechas nas leis?
Dias -
Você tem de encontrar instrumentos jurídicos para apurar o crime, com revisão das leis, quando for necessário. Agora mesmo eu estou propondo mudar o artigo 243 da Constituição, que prevê que as áreas destinadas a plantio de maconha possam ser expropriadas e destinadas a assentamentos de colonos.
Hoje, isso é feito sobre um sítio em que, às vezes, o coitado do caboclo faz aquilo lá até como cultura de subsistência e ele perde. Está certo que perca, mas aquele que tem uma fazendona e que tem uma pista de pouso para receber cocaína não tem o risco da expropriação. Nem aquele que tem um laboratório para refino.
Eu vou propor que o artigo 243 fique com a seguinte redação: as glebas de qualquer região do país onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou que se prestem de qualquer modo para o tráfico ilícito de entorpecentes serão imediatamente expropriadas e destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Eu estou preparando esse projeto e vou enviar para o presidente. Então, terras em que haja pistas ou laboratório para fazer a pasta ou refino de cocaína, todas elas também seriam passíveis de desapropriação.

Folha - O sr. mandará o projeto para o Congresso quando?
Dias -
Não sei, eu acabei de propor isso ao presidente, mas devo encaminhar o projeto na semana que vem, já que interessa que seja aprovado com muita urgência.
Depois, o projeto vai ser regulamentado, lá pelo Ministério da Defesa. As pessoas vão ter de esclarecer por que têm aquela pista, por que ela não foi registrada no DAC. O que está acontecendo hoje é pouco, porque pega só os plantadores pequenos.


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