São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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OS PROFISSIONAIS
"Calçadas" e clonadas são tipos usados por fraudadores
""Expert" em notas frias mostra as modalidades do esquema

IRINEU MACHADO
da Agência Folha, em Teresina


O contador José dos Santos Matos, 48, um profissional do esquema de notas fiscais frias, revelou à Agência Folha as diversas modalidades de fraudes feitas com o uso das notas.
Notas fiscais -usadas por prefeituras em prestações de contas e obtidas pela reportagem- foram mostradas a Matos, que desfilou, enquanto as analisava, todo o vocabulário de jargões do esquema: notas "calçadas", clonadas, de empresas fantasmas, de empresas abertas com uso de "laranjas", entre outros tipos (veja quadro na página ao lado).
Considerado pela Polícia Federal um "expert" no uso de notas frias, Matos trabalhava no grupo que, segundo ele, era coordenado pelo coronel da reserva da PM do Piauí José Viriato Correia Lima, atualmente preso em Teresina.
A indústria das notas frias tem várias ramificações, segundo Matos. "Esse esquema que descobriram no Piauí é um. Há muitos outros. Acho que mais de 90% das prefeituras do Nordeste estão envolvidas", disse.

"São vários"
"Tenho amigos no Maranhão que vivem exclusivamente disso. Aqui no Piauí, seis pessoas do grupo do Correia Lima eram os "cabeças" do esquema. No Maranhão, não há só um líder do esquema. São vários. Sei que há pelo menos uns dez. Lá, os próprios prefeitos vão atrás das notas frias com os vendedores. Desviam dinheiro do Fundo de Participação dos Municípios, do ICMS, de cotas diversas", disse.
Matos chama de vendedores as pessoas do esquema que obtêm as notas e as vendem preenchidas e com discriminação dos gastos.
Uma nota é preenchida, por exemplo, com uma relação de medicamentos comprados por uma determinada prefeitura.
Um "atravessador" paga ao "vendedor" 20% do valor da nota. O "atravessador" a revende por 30% do valor a uma prefeitura.
A prefeitura usa o valor total da nota para prestar contas douso de verbas do SUS (Sistema Único de Saúde), por exemplo.
"Eu nunca via um prefeito. Eu fazia as notas para eles (os líderes do esquema)", disse Matos.
Alegando "medo de ser assassinado", Matos apresentou-se espontaneamente à PF do Piauí no último dia 10 para revelar como funcionava o esquema no Estado. Ele está recebendo proteção especial e teve prisão temporária solicitada pelo Ministério Público Federal, mas o pedido ainda não foi apreciado pela Justiça.
Matos analisou 30 notas usadas por prefeituras em prestações de contas de serviços, convênios e programas do governo federal. Em menos de um minuto com uma nota na mão, era capaz de apontar uma série de irregularidades, indícios de falsificação ("grotesca", afirmava às vezes) ou reconhecia se a nota era legal.
"É fácil saber quando uma nota é fria. Às vezes, até detalhes no tipo gráfico usado na impressão da nota já dão a pista de que ela é falsificada", afirmou, mostrando uma nota em que o número de série aparecia em tamanho um pouco menor no alto do que numa parte destacável embaixo.
"As notas trazem hoje um selo da Receita Estadual. Em algumas dessas notas aqui, no lugar do selo está um carimbo da Receita numa data em que não se usavam mais carimbos. Em outros casos, a Receita Estadual utiliza um sistema de numeração, com furos no papel no lugar do selo, como no Piauí. Esse sistema de numeração também é possível de falsificar. Pode ser feito até com uso de pregos."
"Muitas dessas notas são roubadas. Outras são produzidas em gráficas clandestinas. Você pode usar até um computador caseiro para fabricar notas."


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