São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2008

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Militares acusam Exército de punir atuação política

Após as eleições, ao menos 50 oficiais e praças não-eleitos foram transferidos de guarnições

Apesar do rigor da disciplina, militares se organizam para entrar com ação coletiva exigindo voltar a postos que estavam antes de se licenciar


ANA FLOR
ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Militares que concorreram nas eleições municipais e não se elegeram acusam o Exército de boicotar suas aspirações políticas por meio de transferências que os tirem de seus redutos eleitorais.
Pelo menos 50 oficiais e praças não-eleitos acabaram em guarnições diferentes daquelas que estavam quando se afastaram para disputar o pleito de 2008. Entre eles estão militares que fazem parte de um movimento que se auto-intitula "Capitanismo", grupo não reconhecido pelo Comando do Exército que se organiza para ter maior participação política.
Apesar do medo de punições, militares nessa situação apresentaram queixa ao Ministério Público Federal. Eles se organizam para entrar com uma ação coletiva na Justiça exigindo o retorno aos postos que ocupavam antes de julho, quando se licenciaram para concorrer.
Os transferidos ganharam o apoio da deputada federal Luciana Genro (PSOL-RS), que enviou ofício ao Ministro da Defesa, Nelson Jobim, pedindo a revogação das transferências. Segundo ela, a decisão tem "indícios de perseguição política".
Dois militares que concorreram a vereador e foram transferidos citam o alto custo das transferências -calculadas por eles em R$ 30 mil por militar, em média-, que acarretariam um custo de mais de R$ 1,5 milhão aos cofres da União.
A participação política e a eleição de militares da ativa é permitida pela Constituição. Por estarem na ativa, eles são liberados da regra de filiação um ano antes do pleito. Caso eleitos, precisam se desligar da corporação ou ir para a reserva.
Nas eleições municipais de outubro, mais de 80 praças e oficiais do Exército concorreram. Nem todos fazem parte do "Capitanismo", e quem faz não diz abertamente -também para evitar punições.
O grupo é liderado por capitães que dizem estar em um patamar intermediário entre "os generais da ditadura" e "a geração democrática de não-oficiais". Eles têm reivindicações internas, como o fim das punições por meio de restrição de liberdade (as prisões no quartel), direito à liberdade de expressão e maior participação das mulheres em todos os escalões do Exército. Mas há também a vontade de ampliar o papel das Forças Armadas, com maiores investimentos em Defesa, e pautas internacionais, como a integração da América Latina.
Desde 2004, o grupo debate como participar mais da política partidária brasileira. Apesar de trabalhar para eleger vereadores e prefeitos, o alvo não é obter postos municipais, mas construir a base para eleger congressistas. "Queremos ter participação nacional", diz Luis Fernando Ribeiro de Sousa, capitão da ativa que se prepara para ser candidato a deputado federal e único que aceitou falar à Folha. Para 2010, diz ele, o grupo planeja eleger um deputado federal por Estado.
Apesar de não se considerarem de direita ou de esquerda, os "capitanistas" são simpáticos ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre as razões, segundo Sousa, está sua veia desenvolvimentista.
O grupo acredita que as Forças Armadas são contrárias ao envolvimento político de seus integrantes, ignorando que a história dos militares no país é repleta de exemplos de grandes políticos. O duque de Caxias, patrono do Exército, foi senador e presidente do Conselho de Ministros. Vários generais foram presidentes, a começar por Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Hermes da Fonseca e Eurico Dutra foram eleitos diretamente.
O pesquisador Gláucio Ary Dillon Soares, autor do livro "A Democracia Interrompida", afirma que há tradição antiga de participação militar na política, mas o Exército atual "aprendeu com a maré de desprestígio vinda com a ditadura que o melhor é ser só militar".
O pesquisador diz, porém, que decisões da atual administração têm irritado militares. Ele dá como exemplo a percepção de que o Brasil é "usado" por outros países da América Latina, sem uma resposta adequada. "A ala nacionalista das Forças Armadas sente-se quase insultada com a pusilanimidade do governo Lula."


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