São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2006

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CRISE NO GOVERNO/VIOLAÇÃO DE SIGILO

Ex-presidente do banco sabia de "movimentações atípicas" quando ordenou acesso aos extratos do caseiro que denunciou Palocci

CEF recebeu "dicas" sobre caseiro antes de agir

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A violação do sigilo bancário de Francenildo dos Santos Costa na Caixa Econômica Federal começou com informações repassadas ao ex-presidente Jorge Mattoso de fora da estatal, apurou a Folha.
Ao ordenar o acesso aos extratos da conta poupança do caseiro, na noite da quinta-feira, 16, Mattoso comentou com o consultor da presidência da Caixa Ricardo Schumman que ouvira falar de movimentações atípicas de dinheiro na conta de Francenildo.
Até aquele momento, no entanto, o sistema que detecta operações atípicas da Caixa Econômica não havia dado nenhum alerta dos depósitos de R$ 25 mil na conta poupança que pudesse sustentar um comunicado de suspeita de lavagem de dinheiro ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
Schumman nega conhecer a origem dos comentários que motivaram a ordem de Mattoso. O ex-presidente da Caixa tampouco deixou isso claro na nota que divulgou após depor à Polícia Federal anteontem -quando ainda tinha esperança de permanecer no cargo. "Na condição de presidente da Caixa, tive acesso a informações sobre movimentação atípica em conta de cliente", resume a nota. A PF investiga a participação do Ministério da Fazenda.

Falhas
A origem da informação que levou à violação do sigilo bancário de Francenildo faz parte da coleção de falhas e pontos obscuros da versão apresentada para o episódio que levou à queda do ministro Antonio Palocci (Fazenda).
A tentativa de qualificar a operação como uma rotina burocrática da Caixa não resiste aos fatos, como foram narrados até aqui.
Na noite daquela quinta-feira, dia 16, a informação que Mattoso recebera precisava ser checada rapidamente, para eventualmente embasar um comunicado ao Coaf, órgão subordinado ao Ministério da Fazenda.
Esse comunicado foi feito, mas apenas na noite de sexta-feira, 17, depois de o extrato bancário de Francenildo ter sido divulgado pela revista "Época", em meio de suspeitas que poderiam desqualificar seu testemunho contra o então ministro da Fazenda.
Antes do Coaf e da imprensa, o próprio Palocci foi informado pessoalmente das movimentações bancárias por Jorge Mattoso, revelou o ex-presidente da Caixa à Polícia Federal. Operações muito mais atípicas, de saques de milhões em dinheiro vivo, não mereceram o mesmo tratamento.
Detalhe que ajuda a desmontar a versão de uma rotina burocrática: ao repassar adiante a ordem de Mattoso, o consultor da presidência da Caixa Ricardo Schumman sabia que não se tratava de um cliente qualquer do banco, mas do caseiro que testemunhara contra Antonio Palocci.

Fora da rotina
O acesso à conta bancária do caseiro e a impressão dos extratos também fugiram à rotina da instituição. Como Mattoso tinha pressa na quinta-feira à noite, a superintendente Sueli Mascarenhas foi acionada, embora sua área na Caixa seja de recursos humanos. Seu status funcional dava a ela acesso às informações que o presidente da Caixa procurava. A senha para obter os dados foi providenciada com o gerente Jeter Ribeiro, usuário do equipamento.
Esse roteiro foi rastreado pela Polícia Federal, que chegou ao comando da Caixa apenas no domingo, mais de uma semana depois da violação do sigilo. Autor confesso do pedido de extração dos dados bancários, Mattoso instalou investigação interna no banco, com prazo de 15 dias para apurar eventuais responsabilidades. Esse prazo só termina dia 4.


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