São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2006

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ELIO GASPARI

O terror do mercado contra Mantega

Terrorismo de mercado, esse é o nome da tentativa de emparedamento do novo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em 2002, a casa bancária americana Goldman Sachs criou o Lulômetro, uma elegante equação destinada a medir a relação entre o dólar e a falta de confiança em "nosso guia". O sábio Paulo Leme, um dos diretores do banco à época da gracinha, jamais imaginaria que o dólar-companheiro pudesse ficar na casa dos R$ 2,10. Também foi terrorismo a propagação, em 1994, da patranha segundo a qual Lula congelaria a poupança da patuléia. (A malvadeza saiu da cabeça do doutor Gustavo Franco e foi divulgada pela assessoria de imprensa do PSDB.)
O terrorismo de mercado é um instrumento eficaz de intimidação política. Em certos casos, rende também um dinheirinho fácil. Por exemplo: durante os piores dias da crise cambial de 1999, o economista Lawrence Brainard escreveu no boletim da Chase Securities que o Brasil precisava de um calote. O presidente argentino Carlos Menem foi na mesma linha. Admita-se que alguém anteviu um pânico injustificado e resolveu ganhar algum. Comprou papéis brasileiros despencados por 50% do valor de face. Uma semana depois, o mesmo papel valia 56,25%. Um lucro de 6,25% em cinco dias úteis, nada mal. Tem tucano de muita pena que até hoje desconfia do altruísmo de Menem ao fazer a proposta.
Os motivos que levaram Lula a nomear Guido Mantega para o Ministério da Fazenda pertencem ao discernimento do presidente, que já foi chamado por ele de "grande timoneiro". Sua passagem pelo Ministério do Planejamento e pelo BNDES foi marcada por um comportamento austero. Pode-se esquecer a maneira estabanada como negociou os primórdios do projeto das Parcerias Público-Privadas com as grandes empreiteiras. Felizmente, a trapalhada foi revertida no Senado. Se Mantega ou o novo presidente do BNDES, Demian Fiocca, tentassem fazer coisa parecida nos dias de hoje, os feitos valorosos de Palocci seriam folguedos juvenis.
O novo ministro deu sua contribuição ao conhecimento da macroeconomia quando anunciou que "eu não derrubo, só levanto o PIB". Mesmo assim, qualquer tentativa de obrigá-lo a atos de contrição é iniciativa indevida, impertinente. Uma coisa é julgá-lo pelo que venha a fazer. Outra é querer que faça o que lhe mandam para obter um bom julgamento. As quiromantes do mercado de consultoria e os gatos gordos do papelório foram incapazes de dizer uma só palavra enquanto Antonio Palocci e Jorge Mattoso barbarizavam o sigilo bancário de um cidadão brasileiro. O interesse dos "mercados" pela quebra de contratos dos Francenildos dessa vida é nulo.
Faltou cortesia ao doutor Murilo Portugal, secretário-executivo da Fazenda, demitindo-se sumária e irrevogavelmente na própria segunda-feira. Ele escreveu que assim procedeu "tendo em vista o pedido de exoneração apresentado hoje pelo ministro Palocci". Enquanto admitiu-se que pudesse ser o novo ministro, Portugal não falou em deixar o governo. Ninguém poderia obrigá-lo a conviver com Mantega, mas um hierarca de Getúlio Vargas já ensinou, faz tempo: "Perdi o ministério, mas não perdi a educação". É razoável que a ekipe de Palocci vá para casa, mas nada lhe custa fazer isso sem bater a porta.
Numa hora dessas, a elegância faz bem a todo mundo e evita que alguns espertos ganhem um dinheirinho fácil.


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