São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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Lula dobra valor de patrocínios estatais

Pico dos gastos foi em 2006, com R$ 1,086 bilhão; soma com publicidade eleva total para R$ 2,2 bilhões quando petista foi reeleito

Petrobras, CEF e Banco do Brasil são as empresas que concentram o maior número de projetos e recursos gastos em patrocínio pelo país


FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

É verdadeira a impressão que muitos brasileiros têm sobre o aumento da presença de logotipos de empresas estatais e do governo federal em filmes e em eventos culturais e esportivos. A administração Lula quase duplicou seus investimentos nessa área. Houve um pulo de R$ 555 milhões em 2003, ano da posse, para R$ 1,086 bilhão em 2006, quando o petista foi reeleito. Um salto de 96%.
O pico de gastos com patrocínios registrado em 2006 sofreu um recuo em 2007, caindo para R$ 913,2 milhões. O valor ficou quase estável em 2008, em R$ 918,4 milhões, mas a cifra ainda é 65% maior do que quando Lula assumiu o cargo.
Quando se soma o montante dedicado a patrocínios com o de publicidade federal, chega-se a R$ 2,2 bilhões em 2006, o recorde até agora de Lula. A cifra é idêntica ao que será consumido pelo Senado neste ano para pagar a sua folha salarial, de cerca de 10 mil pessoas.
Outra comparação possível é com o mercado publicitário privado. Segundo levantamento Ibope Monitor, em 2008 o maior anunciante brasileiro foi a Casas Bahia, com R$ 3,1 bilhões. O segundo lugar ficou com a Unilever (dona de Kibon, Omo, Dove e Rexona), cujo gasto atingiu R$ 1,75 bilhão -abaixo do consumido pelo governo Lula e suas estatais no seu recorde apurado em 2006, somados patrocínios e publicidade.
Esses números consolidados de patrocínio público federal são inéditos. Devem começar a ser divulgados regularmente pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Em administrações anteriores, não era costume revelar tal estatística. Assim, é impossível comparar os gastos de Lula com os de seus antecessores.
No caso do governo Lula, padronizou-se nos patrocínios o uso obrigatório da marca multicolorida criada pelo publicitário Duda Mendonça, com o slogan "Brasil, um país de todos".

Patrocínios sigilosos
Os patrocínios estatais são os mais variados possíveis. Muitos são conhecidos do grande público. A Petrobras banca o time de futebol do Flamengo. A Caixa Econômica Federal investiu nos Jogos Panamericanos. O Banco do Brasil tem tradição no vôlei de praia. É comum filmes de cinema nacional terem dinheiro dessas três empresas, exatamente as que concentram o maior número de projetos e recursos gastos em patrocínio.
Em 2008, a CEF teve 2.535 projetos de patrocínio aprovados. A Petrobras veio em seguida, com 1.479, à frente do BB, com 1.227. O total de 5.241 equivale a 67% dos 7.876 projetos do ano passado. Tudo precisa ser aprovado pela Secom, na Presidência, comandada pelo ministro Franklin Martins.
O que o governo e as estatais não divulgam são listas completas de patrocínios, com nomes e valores dos projetos. A imensa maioria das ações fica fora do conhecimento dos cidadãos. A Folha tentou obter a relação, mas não teve sucesso.
O secretário-executivo da Secom, Ottoni Fernandes Jr., é o responsável pela supervisão de patrocínios e de publicidade. Segundo ele, está em curso um processo de mais abertura nesses dados, mas o detalhamento completo só pode ser feito pelas empresas, "pois muitas disputam no mercado com os concorrentes privados, e essa informação é essencial para a estratégia de cada uma".
Segundo o Banco do Brasil, há também contratos "com cláusula de confidencialidade", o que impediria a sua divulgação. Da CEF, a Folha recebeu a contabilidade total dos valores gastos -em 2008, foram R$ 97,7 milhões-, mas não o detalhamento projeto a projeto. A Petrobras não respondeu.
Nos seus endereços na internet, essas estatais também não apresentam relatórios completos sobre a eficácia de seus patrocínios. O discurso do governo sustenta que essas ações extrapolam o marketing, tendo uma função social. "O patrocínio possui qualidades importantes ao criar um diferencial na promoção da marca ou mesmo na venda de produtos. Mas o que chama atenção é o quanto essa ferramenta de comunicação pode somar-se às políticas públicas governamentais e gerar valor para a sociedade", afirma Ottoni Fernandes Jr.
Como não são conhecidos em detalhes todos os projetos, não há como aferir o efeito exato dos patrocínios. Na área esportiva, as estatais são grandes patrocinadoras de esportes olímpicos. Apesar do dinheiro investido nas últimas décadas, o país não se tornou uma potência em Olimpíadas.

Renúncia fiscal
Um aspecto pouco notado nos patrocínios públicos é que as empresas do governo também se beneficiam de isenção ou descontos no imposto a pagar. Por causa da lei de incentivo à cultura, conhecida como Lei Rouanet, a estatais federais deixaram de pagar R$ 1,4 bilhão de impostos de 2003 a 2008. O valor é quase equivalente ao R$ 1,5 bilhão consumido no ano passado com a merenda escolar de 35 milhões de crianças.
Desde o primeiro ano em que Lula chegou ao Planalto, o total de imposto não pago por causa de descontos com base na lei Rouanet foi de R$ 4,4 bilhões -incluindo empresas privadas e estatais. O R$ 1,7 bilhão das estatais responde por 39% da renúncia fiscal no período. Os grandes nomes da cultura no âmbito governamental são Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, CEF, BNDES e Correios.
Como propicia amplos descontos no imposto devido, o patrocínio cultural é um favorito das estatais. No ano passado, 2.751 das ações (47,5% do total ) foram em cultura. Em segundo lugar ficou o esporte, com 498.
Está em curso uma descentralização dos patrocínios sob Lula. Desde 2006, o Sudeste sofreu uma queda na divisão do bolo: recebia 50,4% do dinheiro e caiu para 37,4% em 2008. Não houve benefício de uma região específica, mas um avanço na modalidade "nacional", quando uma ação atinge todo o país. Esse tipo de marketing recebia 17,2% do bolo em 2006 e pulou para 31,6% no ano passado.


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