São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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MST multiplica entidades para não perder repasses

Desde que Lula assumiu, 43 ONGs que têm alguma ligação com o movimento sem terra já receberam R$ 152 milhões

Instituto criado em 2006, depois que braços jurídicos do MST se tornaram alvo de investigações por supostos desvios, já lidera captação


MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sem placa na porta, uma sala no centro comercial de Brasília abriga, desde 2006, a discreta sede do Itac (Instituto Técnico de Estudos Agrários e Cooperativismo). Criado após os principais braços jurídicos do MST tornarem-se alvo de investigações por desvio de recursos, o instituto conquistou, no ano seguinte, a liderança na captação de verbas federais entre entidades que prestam serviços a sem-terra e assentados, ao receber mais de R$ 4 milhões.
Ao lado de outras 42 entidades que receberam dinheiro em parcerias com o governo, o Itac é comandado por pessoas vinculadas ao movimento dos sem-terra. Seus dirigentes -Paulo Ueti e Gustavo Moura- aparecem como representantes oficiais do MST no "Diário Oficial" da União. O rastreamento dos vínculos, feito pela ONG Contas Abertas e pela Folha, mostra que o repasse de verbas a entidades ligadas ao movimento desde 2003 se aproxima dos R$ 152 milhões.
O valor é mais de três vezes maior que os números conhecidos até aqui das transferências feitas a quatro entidades associadas aos sem-terra -e dos quais o TCU (Tribunal de Contas da União) busca reaver R$ 22 milhões supostamente desviados em uma década.
Aos 25 anos, o MST nunca existiu juridicamente, não tem registro na Receita, não pode fazer convênios com a União nem receber verbas diretamente. Por participar de invasões de terras e prédios, também estaria impedido de receber dinheiro do contribuinte.
Diferentemente do que afirmou o governo após as recentes invasões e as críticas por descumprimento da lei lançadas pelo presidente do Supremo, Gilmar Mendes, os repasses continuam ocorrendo. Eles beneficiam entidades menos visadas, como a Cepatec, prima-irmã da Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola), que teve os bens bloqueados.
Na soma dos dois últimos anos, os repasses já ultrapassam aqueles feitos nos dois primeiros anos de mandato de Lula (2003-2004): foram R$ 42 milhões para 34 entidades contra R$ 37 milhões para 26.
No período do governo Lula, 2005 registrou o maior volume de pagamentos ao grupo de entidades ligadas ao movimento, justamente o ano da CPI da Terra e de investigações no TCU apontarem o relacionamento. Em menos de dois meses e meio, pagamentos feitos em 2009 a entidades cujos dirigentes mantêm vínculos com o MST somavam, até o último dia 13, R$ 6,5 milhões, segundo o Siafi (sistema de acompanhamento de gastos da União).
"Essas são entidades privadas cujos responsáveis pelos convênios têm relação direta com o MST, os repasses podem ser ainda maiores e é preciso investigar se os recursos foram aplicados de forma legítima", avalia o economista Gil Castelo Branco, do Contas Abertas. Dos 925 convênios firmados por órgãos da União com 43 ONGs com vínculos com o MST, 114 estão inadimplentes.
Nos últimos anos, a Anca, o mais conhecido braço do MST, ao lado da Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária), perdeu espaço na captação de verbas públicas. Em 2007, o lugar foi assumido pelo Itac. Desde o ano passado, a liderança é ocupada pela Cotrasc (Cooperativa dos Trabalhadores da Reforma Agrária de Santa Catarina), quinta colocada no ranking dos repasses no período do governo Lula.
À sua frente, em terceiro lugar, destaca-se a Copetec (Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos do Rio Grande do Sul). Por meio de um único convênio, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) pagou R$ 8,3 milhões por "alternativas viável [sic] para a solução de problemas básicos da sociedade brasileira", segundo justificativa lançada no Siafi.
Álvaro Dellatorre, responsável pela Copetec, diz que o dinheiro só foi repassado mediante a prestação de contas de serviços de assistência técnica e apoio na execução de linhas de crédito do governo aos assentados, além de laudos de vistoria encomendados pelo Incra. "É que misturam, falam que é repasse para o MST porque a entidade é ligada ao movimento, mas são coisas diferentes", afirmou Dellatorre.

Transferência
Logo depois de a Anca perder terreno na captação de recursos, a responsável legal por parte de seus convênios, Gislei Siqueira Knierim, foi transferida para a Cepatec (Centro de Formação e Pesquisa), listada entre as dez entidades que mais receberam verbas federais no governo Lula: R$ 5,8 milhões.
Com sede em São Paulo, a entidade usou termos agora considerados inadequados pelo governo para justificar o convênio com o Incra, que bancou reuniões e distribuição de cartilhas para assentados: "Apesar do compromisso do governo brasileiro com a questão, há setores da sociedade, sobretudo o latifúndio, que não veem os ganhos coletivos da reforma, senão suas próprias perdas, engajadas em maquinações políticas e jurídicas para barrar a luta dos trabalhadores".
Localizada pela Folha no escritório do MST em Brasília, Gislei preferiu se calar sobre a atividade da entidade. "Eu já fui procuradora [da Cepatec], mas não sou mais", disse. Ela teve o nome mencionado no relatório final da CPI da Terra por ter supostamente desviado R$ 19,5 mil de um dos convênios assinados com a União, quando era representante da Anca. Há três semanas, a entidade teve os bens bloqueados.


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