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MST multiplica entidades para não perder repasses
Desde que Lula assumiu, 43 ONGs que têm alguma ligação com o movimento sem terra já receberam R$ 152 milhões
Instituto criado em 2006, depois que braços jurídicos do MST se tornaram alvo de investigações por supostos desvios, já lidera captação
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Sem placa na porta, uma sala
no centro comercial de Brasília
abriga, desde 2006, a discreta
sede do Itac (Instituto Técnico
de Estudos Agrários e Cooperativismo). Criado após os principais braços jurídicos do MST
tornarem-se alvo de investigações por desvio de recursos, o
instituto conquistou, no ano
seguinte, a liderança na captação de verbas federais entre entidades que prestam serviços a
sem-terra e assentados, ao receber mais de R$ 4 milhões.
Ao lado de outras 42 entidades que receberam dinheiro em
parcerias com o governo, o Itac
é comandado por pessoas vinculadas ao movimento dos
sem-terra. Seus dirigentes
-Paulo Ueti e Gustavo Moura- aparecem como representantes oficiais do MST no "Diário Oficial" da União. O rastreamento dos vínculos, feito pela
ONG Contas Abertas e pela Folha, mostra que o repasse de
verbas a entidades ligadas ao
movimento desde 2003 se
aproxima dos R$ 152 milhões.
O valor é mais de três vezes
maior que os números conhecidos até aqui das transferências
feitas a quatro entidades associadas aos sem-terra -e dos
quais o TCU (Tribunal de Contas da União) busca reaver
R$ 22 milhões supostamente
desviados em uma década.
Aos 25 anos, o MST nunca
existiu juridicamente, não tem
registro na Receita, não pode
fazer convênios com a União
nem receber verbas diretamente. Por participar de invasões
de terras e prédios, também estaria impedido de receber dinheiro do contribuinte.
Diferentemente do que afirmou o governo após as recentes
invasões e as críticas por descumprimento da lei lançadas
pelo presidente do Supremo,
Gilmar Mendes, os repasses
continuam ocorrendo. Eles beneficiam entidades menos visadas, como a Cepatec, prima-irmã da Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola),
que teve os bens bloqueados.
Na soma dos dois últimos
anos, os repasses já ultrapassam aqueles feitos nos dois primeiros anos de mandato de Lula (2003-2004): foram R$ 42
milhões para 34 entidades contra R$ 37 milhões para 26.
No período do governo Lula,
2005 registrou o maior volume
de pagamentos ao grupo de entidades ligadas ao movimento,
justamente o ano da CPI da
Terra e de investigações no
TCU apontarem o relacionamento. Em menos de dois meses e meio, pagamentos feitos
em 2009 a entidades cujos dirigentes mantêm vínculos com o
MST somavam, até o último dia
13, R$ 6,5 milhões, segundo o
Siafi (sistema de acompanhamento de gastos da União).
"Essas são entidades privadas cujos responsáveis pelos
convênios têm relação direta
com o MST, os repasses podem
ser ainda maiores e é preciso
investigar se os recursos foram
aplicados de forma legítima",
avalia o economista Gil Castelo
Branco, do Contas Abertas. Dos
925 convênios firmados por órgãos da União com 43 ONGs
com vínculos com o MST, 114
estão inadimplentes.
Nos últimos anos, a Anca, o
mais conhecido braço do MST,
ao lado da Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária), perdeu espaço
na captação de verbas públicas.
Em 2007, o lugar foi assumido
pelo Itac. Desde o ano passado,
a liderança é ocupada pela Cotrasc (Cooperativa dos Trabalhadores da Reforma Agrária
de Santa Catarina), quinta colocada no ranking dos repasses
no período do governo Lula.
À sua frente, em terceiro lugar, destaca-se a Copetec (Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos do Rio Grande do
Sul). Por meio de um único
convênio, o Incra (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária) pagou R$ 8,3
milhões por "alternativas viável [sic] para a solução de problemas básicos da sociedade
brasileira", segundo justificativa lançada no Siafi.
Álvaro Dellatorre, responsável pela Copetec, diz que o dinheiro só foi repassado mediante a prestação de contas de
serviços de assistência técnica
e apoio na execução de linhas
de crédito do governo aos assentados, além de laudos de vistoria encomendados pelo Incra. "É que misturam, falam
que é repasse para o MST porque a entidade é ligada ao movimento, mas são coisas diferentes", afirmou Dellatorre.
Transferência
Logo depois de a Anca perder
terreno na captação de recursos, a responsável legal por parte de seus convênios, Gislei Siqueira Knierim, foi transferida
para a Cepatec (Centro de Formação e Pesquisa), listada entre as dez entidades que mais
receberam verbas federais no
governo Lula: R$ 5,8 milhões.
Com sede em São Paulo, a entidade usou termos agora considerados inadequados pelo governo para justificar o convênio com o Incra, que bancou
reuniões e distribuição de cartilhas para assentados: "Apesar
do compromisso do governo
brasileiro com a questão, há setores da sociedade, sobretudo o
latifúndio, que não veem os ganhos coletivos da reforma, senão suas próprias perdas, engajadas em maquinações políticas e jurídicas para barrar a luta
dos trabalhadores".
Localizada pela Folha no escritório do MST em Brasília,
Gislei preferiu se calar sobre a
atividade da entidade. "Eu já
fui procuradora [da Cepatec],
mas não sou mais", disse. Ela
teve o nome mencionado no
relatório final da CPI da Terra
por ter supostamente desviado
R$ 19,5 mil de um dos convênios assinados com a União,
quando era representante da
Anca. Há três semanas, a entidade teve os bens bloqueados.
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