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Igrejas defendem a rejeição de acordo entre Brasil e Vaticano
Religiosos alegam que documento assinado em 2008 sugere prevalência da fé católica; CNBB nega privilégios e diz que Santa Sé tem acordos com 70 países
Christophe Simon-13.nov.2008/Efe
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o papa Bento 16
ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Contrários ao acordo assinado entre Brasil e Santa Sé em
novembro, igrejas, grupos religiosos, especialistas e deputados pedem a rejeição do texto
pelo Congresso Nacional.
O documento, que levou
mais de um ano para ser costurado -era pleiteado pela Igreja
Católica havia mais de uma década-, foi assinado no Vaticano durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao
papa Bento 16 e deve chegar à
Câmara nos próximos dias.
Segundo denominações religiosas e até grupos católicos defensores do Estado laico, o documento sugere a prevalência
da fé católica sobre as outras e
ameaça o ensino leigo em escolas públicas. A falta de discussões públicas sobre o acordo
também é alvo de críticas.
O Colégio Episcopal da Igreja
Metodista fez uma declaração
pública pedindo a sua não aprovação, por considerar que ele
fere o artigo 19 da Constituição
-que veda relações de dependência ou aliança entre a União
e igrejas e a "distinção ou preferência entre brasileiros". "Reafirmamos o direito da liberdade
religiosa como um dos pilares
indispensáveis de uma sociedade democrática", diz a nota.
Coordenadora do grupo Católicas pelo Direito de Decidir,
Maria José Rosado Nunes lembra que o Brasil nunca precisou
assinar acordos semelhantes
porque a liberdade religiosa é
garantida. "Foi um acordo costurado às escondidas da sociedade", diz. Ela acredita que a redação indica a prevalência de
uma religião. Como exemplo,
cita o trecho do texto que diz "O
ensino religioso, católico e de
outras confissões religiosas".
A professora ressalta ainda a
vantagem da Igreja Católica no
ensino religioso em escolas públicas: "Com todo seu poder no
campo da educação, ela mobiliza todo seu aparato para fazer
do ensino um ensino católico".
Tímido
O coordenador de Projetos
do Núcleo Fé e Cultura da
PUC-SP, Francisco Borba Ribeiro Neto, discorda do argumento de que o acordo privilegie a fé católica: "O acordo é até
tímido, genérico demais".
Ribeiro diz que a todo o momento o texto reforça que os tópicos estão sob leis brasileiras
-"o acordo não faz nada além
de normatizar o que já existe"-
e cita a peculiaridade da Igreja
Católica de ter se constituído
como Estado autônomo: "É um
acordo entre Estados".
O antropólogo Emerson
Giumbelli, professor da UFRJ,
cita exemplos em que o texto
vai além da ratificação. São os
artigos que tratam da anulação
de casamentos religiosos, o não
vínculo empregatício de sacerdotes e, ao falar do ensino religioso público, aquele que permitiria legislar sobre outras
confissões e insinuaria maior
pertinência de uma religião.
"Precisamos de um acordo
dessa natureza no Brasil democrático de hoje? Quais seriam
os impactos sobre outras confissões em um país que abriga
tantas delas e procura hoje tratá-las com igualdade?"
Desde a assinatura, a CNBB
tem se esforçado para explicar
que não há privilégios ou discriminação. "O reconhecimento
do Estado laico é um valor",
afirma o presidente da CNBB,
dom Geraldo Lyrio Rocha. O
Vaticano, Estado reconhecido
pela ONU, tem tratados desse
tipo com cerca de 70 países.
Um dos principais objetivos
da Igreja Católica é organizar
questões jurídicas, inclusive
trabalhistas. A Santa Sé reivindicava que não se reconhece
vínculo empregatício entre os
ministros ordenados: nos últimos anos, houve casos de padres que, ao deixar o sacerdócio, buscavam indenização. O
mesmo ocorreu com fiéis que
prestavam trabalho voluntário.
Pelo menos dois deputados
federais foram a público criticar o acordo. Arolde de Oliveira
(DEM-RJ), que é ligado à Igreja
Batista, afirma que não é uma
questão religiosa, mas de respeito à Constituição. Já o deputado federal José Genoino (PT-SP) afirma que suas restrições
se baseiam na defesa do Estado
laico. Ele quer solicitar audiências públicas no Congresso.
Depois da assinatura do
acordo, o Ministério das Relações Exteriores enviará o documento para a Casa Civil, que o
remeterá à Câmara. Na Comissão de Relações Exteriores, o
texto se transformará em Projeto de Decreto Legislativo. Antes de ir a plenário, passará pela
Comissão de Constituição e
Justiça. Se aprovado na Câmara, tramitará ainda no Senado.
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