São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

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Elio Gaspari

Negro incomoda quando sai do seu lugar

Um branco com mais de 12 anos de escolaridade tem três vezes mais chances de chegar ao andar de cima

O PROFESSOR Carlos Antonio Costa Ribeiro, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, o Iuperj, jogou nova luz sobre uma velha encrenca nacional. Os negros não chegam ao andar de cima porque são negros ou porque são pobres? Num artigo intitulado "Classe, raça e mobilidade social no Brasil", publicado no último número da revista "Dados", ele sustenta que os negros de Pindorama carregam dois fardos. Até o patamar dos 12 anos de escolaridade, prevalecem as desigualdades de classe. Daí para cima, pesa a barreira da cor: "A desigualdade de oportunidades está presente no topo da hierarquia de classe, mas não na base desta hierarquia. (...) A discriminação racial ocorre principalmente quando posições sociais valorizadas estão em jogo".
Costa Ribeiro observou seis patamares de escolaridade. Até o degrau da conclusão do ciclo médio, as pressões de classe são pelo menos seis vezes maiores que as de raça. Nos patamares superiores (cursar o primeiro ano de uma universidade, ou diplomar-se) essa relação muda, e o peso da origem de classe torna-se apenas 2,5 vezes maior que a da cor da pele. Conseqüência: um branco com mais de 12 anos de escolaridade tem em média três vezes mais chances do que não-brancos de chegar ao andar de cima. Com o canudo da universidade na mão, quando a barreira de classe foi ultrapassada, o branco continua tendo três vezes mais chances que os demais de se tornar um profissional.
Costa Ribeiro baseou-se na numerologia do IBGE e em arcanos modelos matemáticos. Ele sugere um reordenamento do debate da questão classe/ raça. Não é conclusão dele, mas parece que o preconceito aparece quando se desafia o velho bordão racista: o negro precisa saber o seu lugar.


O artigo tem 34 páginas, oito delas ininteligíveis para quem não sabe ler matemática. Pulá-las não é vergonha, mas necessidade. O texto está no seguinte endereço: www.iuperj.br/site/carloscr/textos/raca.pdf

UMA PENA, HALBERSTAM FOI-SE EMBORA
Morreu na semana passada David Halberstam, um dos maiores repórteres do seu tempo. Tinha 73 anos e estava a caminho de uma entrevista. Poucos jornalistas mudaram o curso de uma guerra americana como ele, com sua cobertura dos combates no Vietnã. Halberstam esteve entre os primeiros repórteres a mostrar que, defendendo um regime de larápios, os Estados Unidos não prevaleceriam contra os guerrilheiros vietcongues. Começou a escrever isso em 1962, na infância da guerra. Ela iria até 1975, terminando como ele previra.
A cunhada do presidente do Vietnã dizia que Halberstam "precisa ser churrasqueado e eu ofereço a gasolina e os fósforos". Até aí, coisa de cleptocrata, mas havia gente mais poderosa querendo fritá-lo. O presidente John Kennedy pediu ao dono do "New York Times" que tirasse o repórter do Vietnã. Arthur Ochs Sulzberger respondeu que ele continuaria lá e, ao saber que Halberstam ia tirar uma licença, pediu que a cancelasse, para não dar a impressão de que o jornal amolecera.
Um grande sujeito, inclusive no tamanho. Um dia ele estava na Redação quando um puxa-saco disse-lhe que estivera num jantar com um diretor do "Times" e uma prima de Sulzberger: "Acho que você gostará de saber que eles falaram muito bem de você". A resposta foi curta: "Vá se f..., garoto". (Mais tarde, Halberstam saiu brigado do "Times". O garoto fez carreira.)

SERVIÇO - Quem quiser uma esplêndida reportagem de Halberstam, basta passar no Google o título "Helicopter assault in the Ca Mau Peninsula" ("Um ataque de helicópteros na península de Ca Mau"). Foi escrita em 1963, quando os Estados Unidos achavam que liquidariam a fatura com 15 mil soldados. Puseram 530 mil, morreram 58 mil e, ainda assim, perderam.

ELOQÜÊNCIA
FFHH é mais direto quando qualifica a situação do tucanato, longe das câmeras: "Patético".

CARRO TAMBÉM É GENTE
Stanislaw Ponte Preta, criador do "Festival de Besteira que Assola o País", resolveu manter uma sucursal nos ministérios que lidam com a patuléia trabalhadora. Nos anos 90, justificando o uso de um carro oficial para levar sua cadela ao veterinário, o ministro do Trabalho, Antonio Magri, informou que "cachorro também é gente".
Em 1995, quando lhe perguntaram como era possível viver com um salário mínimo, o tucano Paulo Paiva respondeu: "Eu sou ministro do Trabalho, não sou trabalhador".
O atual comissário da Previdência, Luiz Marinho, deu a seguinte explicação à repórter Julianna Sofia, quando ela lhe perguntou por que seu motorista atropelou aposentados que se manifestavam no seu caminho: "Quando estou saindo, o pessoal veio agredir o carro. Uma agressão inexplicável".

RECORDAR É VIVER
O advogado Virgílio Medina, corretor dos interesses dos bingos no Judiciário, vem de longe. Durante o collorato, ele ocupou a superintendência jurídica da Vale do Rio Doce (estatal). Mais tarde, suas digitais foram encontradas na montagem de um falso empréstimo que explicaria parte do caixa dois de Collor. A famosa Operação Uruguai. Agora, a PF descobriu que o doutor tem um ervanário depositado -no Uruguai.

PT-IBAMA
As mudanças ocorridas no Ibama destinam-se, acima de tudo, a aparelhar a instituição com quadros da elite-companheira. O completo controle da máquina do instituto vinha sendo tentado desde 2003.

INÉPCIA DO INEP
O ministro Fernando Haddad, da Educação, e o professor Reynaldo Fernandes, presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), devem explicações à patuléia e desculpas a Geraldo Alckmin.
Em julho do ano passado, o MEC divulgou os resultados gerais da Prova Brasil e a rede pública de ensino da cidade de São Paulo ficou em 21º lugar entre as 26 capitais. Espremeu-se entre São Luís e Macapá.
Esse resultado desastroso foi explorado durante a campanha eleitoral, e os companheiros do pedaço pedagógico adoravam lembrar o naufrágio paulista.
Dez meses depois, com jeito de quem não quer nada, o Inep soltou uma "nota técnica" revendo suas sentenças. Nela, refere-se a "problemas corrigidos" e, com isso, a rede de São Paulo passou do 21º lugar para o 12º. Erros semelhantes ocorreram com a avaliação de Porto Alegre, Belo Horizonte, Porto Velho e Boa Vista. Ou seja: de de 26 capitais, lambaram em cinco.
O Inep falou em "problemas corrigidos". Empulhação verbal. O caso é de "problemas ocorridos" e ainda muito mal explicados.
Desde o primeiro momento, Geraldo Alckmin e outros santos menores puseram em dúvida a qualidade dos resultados de São Paulo. Se o tucanato paulista fosse capaz de defender interesses contrários à máquina do governo, pediria ao doutor Reynaldo Fernandes uma comissão acadêmica para descobrir o que houve e por que o Inep levou dez meses para revelar o desastre.
Uma pessoa pode se conformar em viver com uma rede pública de ensino medíocre. Bem outra coisa é não poder confiar nas avaliações do MEC/Inep.


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