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ANÁLISE
Discussão extrapola as barras dos tribunais
ANDRÉ RAMOS TAVARES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil provocou, judicialmente, o STF, a se manifestar acerca da Lei da Anistia, lei
nº 6683/79, em face da Constituição de 1988. A ideia era chamar a atenção para a "nova"
gramática dos direitos humanos consagrada na Constituição cidadã, que não toleraria a
recepção (respeito na atualidade) de uma lei que, editada pelo
governo Geisel, supostamente
anistia crimes da ditadura.
Nos exatos termos propostos
na ação, "os agentes públicos
que mataram, torturaram e
violentaram sexualmente opositores políticos não praticaram nenhum dos crimes (políticos) previstos nos diplomas
legais (da anistia)". A ação buscava uma "justiça transicional",
que não apenas prestasse contas com o passado, mas que
também pudesse consolidar a
democracia em um país com
grande sentimento de impunidade, especialmente em face de
líderes golpistas e seus funcionários delinquentes.
Iniciado o julgamento nesta
histórica tarde de 28 de abril,
foi lido, pelo relator do feito,
ministro Eros Grau, o seu voto,
que concluiu pela improcedência da ação. A prevalecer esse
entendimento, o STF assegurará, com força geral e vinculante
para juízes, tribunais e administração pública, o que vinha
sendo subliminarmente praticado na sociedade brasileira, ou
seja, uma anistia plena.
O que mais chamou a atenção foi o que denominarei aqui
de "tese da emenda nº 26", convocatória da constituinte de
1987/88. É que essa emenda
também repetiu os termos da
lei em tela. E, conforme o ministro, teríamos iniciado nossa
nova ordem constitucional
com a incorporação expressa e
inquestionável da anistia. Caberia, contudo, uma discussão
mais aprofundada, a despeito
de ser aquela emenda realmente o início da ruptura com o sistema anterior, sobre se também é possível sustentar que os
artigos da anistia teriam sido os
primeiros a serem assegurados
pelo novo constituinte, se pode
ser desprezada a regra (expressa) da Constituição final que
proíbe anistia para a tortura e
se atos convocatórios ou propositivos para a nova Constituição têm o mesmo peso que a
Constituição efetivamente discutida com a sociedade, dentre
outros tópicos.
Ainda que seja essa a tese a
prevalecer, a discussão não estará, certamente, encerrada,
pois o tema nela envolvido extrapola não apenas o campo jurídico como também a capacidade pacificadora do STF na
sociedade. É inevitável que decisões de grande impacto, adotadas de maneira processualmente legítima pelo STF, "sofram" uma leitura política por
parte da sociedade e que a discussão não se restrinja às barras dos tribunais nacionais.
ANDRÉ RAMOS TAVARES é professor de direito constitucional da PUC-SP, livre-docente em
direito constitucional pela USP e diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais. É
autor, ente outras obras, de "Curso de Direito
Constitucional".
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