São Paulo, quinta-feira, 29 de abril de 2010

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ANÁLISE

Discussão extrapola as barras dos tribunais

ANDRÉ RAMOS TAVARES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil provocou, judicialmente, o STF, a se manifestar acerca da Lei da Anistia, lei nº 6683/79, em face da Constituição de 1988. A ideia era chamar a atenção para a "nova" gramática dos direitos humanos consagrada na Constituição cidadã, que não toleraria a recepção (respeito na atualidade) de uma lei que, editada pelo governo Geisel, supostamente anistia crimes da ditadura.
Nos exatos termos propostos na ação, "os agentes públicos que mataram, torturaram e violentaram sexualmente opositores políticos não praticaram nenhum dos crimes (políticos) previstos nos diplomas legais (da anistia)". A ação buscava uma "justiça transicional", que não apenas prestasse contas com o passado, mas que também pudesse consolidar a democracia em um país com grande sentimento de impunidade, especialmente em face de líderes golpistas e seus funcionários delinquentes.
Iniciado o julgamento nesta histórica tarde de 28 de abril, foi lido, pelo relator do feito, ministro Eros Grau, o seu voto, que concluiu pela improcedência da ação. A prevalecer esse entendimento, o STF assegurará, com força geral e vinculante para juízes, tribunais e administração pública, o que vinha sendo subliminarmente praticado na sociedade brasileira, ou seja, uma anistia plena.
O que mais chamou a atenção foi o que denominarei aqui de "tese da emenda nº 26", convocatória da constituinte de 1987/88. É que essa emenda também repetiu os termos da lei em tela. E, conforme o ministro, teríamos iniciado nossa nova ordem constitucional com a incorporação expressa e inquestionável da anistia. Caberia, contudo, uma discussão mais aprofundada, a despeito de ser aquela emenda realmente o início da ruptura com o sistema anterior, sobre se também é possível sustentar que os artigos da anistia teriam sido os primeiros a serem assegurados pelo novo constituinte, se pode ser desprezada a regra (expressa) da Constituição final que proíbe anistia para a tortura e se atos convocatórios ou propositivos para a nova Constituição têm o mesmo peso que a Constituição efetivamente discutida com a sociedade, dentre outros tópicos.
Ainda que seja essa a tese a prevalecer, a discussão não estará, certamente, encerrada, pois o tema nela envolvido extrapola não apenas o campo jurídico como também a capacidade pacificadora do STF na sociedade. É inevitável que decisões de grande impacto, adotadas de maneira processualmente legítima pelo STF, "sofram" uma leitura política por parte da sociedade e que a discussão não se restrinja às barras dos tribunais nacionais.
ANDRÉ RAMOS TAVARES é professor de direito constitucional da PUC-SP, livre-docente em direito constitucional pela USP e diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais. É autor, ente outras obras, de "Curso de Direito Constitucional".



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