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São Paulo, domingo, 29 de junho de 2003

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Política econômica recessiva gera 583 mil novos desempregados nas grandes cidades e desgasta propaganda dos programas sociais

Desemprego em alta ofusca "retórica da fome"

MARTA SALOMON
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência prometendo aos brasileiros três refeições ao dia, mas termina os primeiros seis meses no cargo amargando a cifra de 583 mil novos desempregados nas grandes cidades e o recrudescimento do trabalho infantil no Nordeste, a região mais pobre.
Ao longo desse período, Lula percebeu que a fome não é o principal desafio a enfrentar. No saldo dos seis meses, o desemprego aparece como a principal sequela na área social -resultado de uma opção por juros mais altos e cortes pesados nos gastos públicos.
"O risco era de uma desorganização da economia", pondera o ministro do Trabalho, Jaques Wagner, sobre a opção, insistindo em que está mantida a meta da campanha de Lula de criar 10 milhões de empregos. Mas avisa: "Sou ministro do Trabalho e não mágico: empregos são gerados com crescimento econômico".
Levantamento do Ministério do Trabalho confirmam o desaquecimento da economia e a desaceleração no número de novos postos de trabalho com carteira.
Os empregos criados estão sobretudo fora das regiões metropolitanas pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Foram criados 435 mil postos com carteira assinada de janeiro a maio de 2003 contra 547 mil em igual período do ano passado, num claro sinal de desaceleração. Na construção civil, chegou a haver redução de vagas.
Aos seis meses de governo, Lula começará a tirar do papel uma das prioridades da campanha: após vários adiamentos, o Programa Primeiro Emprego será lançado amanhã com o objetivo de dar trabalho a jovens de 16 a 24 anos.
Além do desemprego, alguns fatos enodoam a área social, que deveria ser a vitrine do governo. O maior exemplo é o atraso no pagamento das bolsas do Peti, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, destinado a retirar crianças e adolescentes de até 16 anos do trabalho penoso, estimulando-os a frequentar a escola e participar de uma jornada extra de atividades socioculturais.
Na zona rural do Nordeste, as crianças do Peti foram tiradas principalmente de pedreiras, campos de sisal e casas de farinha. Nas zonas urbanas, dos lixões. "Fiquei chocada ao saber que as crianças estavam voltando para os lixões de Olinda (PE)", disse Reiko Nimi, a representante do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil.
Pernambuco e Bahia recebem 30% das 810 mil bolsas que o programa distribui hoje. São dois dos maiores focos de trabalho infantil do país. Na Bahia, 118 mil crianças dependem da bolsa para sair da "lida". Em Pernambuco, 126 mil.
Na Bahia e em Pernambuco os atrasos variam de um a dois meses. José Augusto Valente, coordenador-geral do Ministério da Assistência e Promoção Social, pasta responsável pelo Peti, explicou que o governo passado deixou de pagar as bolsas de novembro e dezembro e que isso teve um efeito negativo no cronograma de pagamentos. Disse que, em agosto, tudo já estará regularizado.
"É inconcebível que isso ocorra num governo que diz priorizar a infância", diz Isa de Oliveira, presidente do Fórum do Trabalho Infantil. Para a economista Sônia Rocha (FGV), a descontinuidade do Peti "é um desastre total". Boa parte das crianças que deixou de receber a bolsa voltou ao trabalho.
Os ministérios da área social não foram poupados dos cortes de gastos. A maior vítima foi o Ministério das Cidades, responsável por programas de saneamento e infra-estrutura urbana. Perdeu mais de 85% das verbas destinadas a investimento e custeio de programas, com impacto direto em indicadores de pobreza.
O segundo maior alvo de cortes foi o Ministério do Desenvolvimento Agrário. O ritmo lento da reforma agrária sob Lula é o argumento usado pelos sem-terra para o aumento das invasões nos seis primeiros meses do ano.


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