|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RELIGIÃO
Novo arcebispo do Rio elege a desigualdade social e as carências educacionais como principais problemas do país
D. Eusébio critica socialismo e capitalismo
MARCELO BERABA
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO
O novo arcebispo do Rio, d. Eusébio Scheid (pronuncia-se cháit),
68, elege a desigualdade social e as
carências na área da educação como os principais problemas do
país. Scheid substituirá o cardeal
d. Eugenio Sales, 80, que vai se
aposentar após ficar à frente da
Arquidiocese do Rio por 30 anos.
"O primeiro é a desigualdade, a
injustiça da desigualdade, a falta
de atenção às necessidades sociais. Depois, a violência, a morosidade da Justiça, o pessimismo
cívico e político. Outro problema,
gravíssimo, é o da educação", disse o religioso catarinense.
Ao olhar para trás, para o período em que iniciou seu sacerdócio,
na década de 60, acha que o Brasil
melhorou, mas não em todas as
áreas. A saúde e a fome, por
exemplo, ainda são problemas.
Ele destaca um ponto em que
acredita que houve um grande
avanço: a consciência cívica. "Se
hoje se levanta muitos escândalos,
é que as coisas vêm mais às claras,
e com isso o povo cria um senso
político mais apurado." Sobre os
casos de corrupção envolvendo
políticos, afirmou: "Pessoas de alta colocação e de responsabilidade que deveriam ser honradas, de
repente tombam como cedros do
Líbano e isto é um estardalhaço
de ordem emotiva, de ordem social, de ordem cívica".
D. Eusébio se diz crítico tanto
do sistema capitalista como do
socialista. Ele defende uma alternativa de solidariedade e respeito
humano, o que, na sua opinião,
falta ao FMI (Fundo Monetário
Internacional): "Até que ponto o
pagamento de uma dívida pode
sacrificar uma nação? É uma
questão que peca contra a dignidade humana". Ele defende a
criação de uma instância ética,
com poder político, acima do organismo internacional.
Outro ponto que o incomoda é
o da ameaça de monopólio nos
meios de comunicação. "O monopólio seria um desastre, e isso é
próprio de totalitarismos."
Prova do prestígio do cargo que
ocupará a partir de 22 de setembro, d. Eusébio foi convidado pelo
papa para participar do Sínodo
que discutirá em outubro, no Vaticano, o papel dos bispos. Ele se
junta a outros eleitos pela CNBB
para representar a igreja brasileira: d. Luciano Mendes de Almeida, de Mariana, d. Jayme Chemello (presidente da CNBB) e os novos cardeais d. Cláudio Hummes,
de São Paulo, e d. Geraldo Majella
Agnelo, de Salvador. D. Eusébio
ainda está em Florianópolis e deu
a entrevista por telefone, na sexta.
Folha - Se fosse possível fazer
uma hierarquia, que problemas o
sr. destacaria hoje no Brasil?
D. Eusébio Scheid - O primeiro é
a desigualdade, a injustiça da desigualdade, a falta de atenção às
necessidades sociais. Depois, a
violência, a morosidade da Justiça, o pessimismo cívico e político.
Outro problema, gravíssimo, é o
da educação. Este talvez seja o primeiro problema. Diria também
que acho um absurdo o problema
da fome que reina em determinadas regiões do país. Além disso, o
abuso de menores, notadamente
a prostituição infantil. O narcotráfico. Não sei como hierarquizar, mas é sério o problema do
narcotráfico, que está associado à
violência. Quando falo da morosidade da Justiça, eu atento especialmente ao problema da situação dos carcerários, que ficam
mofando nas prisões. É uma triste
realidade.
Folha - O que está na raiz desses
problemas? Onde o Brasil está tendo dificuldades de acertar?
D. Eusébio - A falta de respeito à
dignidade humana, é aí onde está
todo o problema. Parece até que
se adota o princípio de [Thomas"
Hobbes, que dizia que o homem
para o outro homem é um lobo,
enquanto a palavra de Jesus nos
diz que somos todos irmãos.
Folha - Olhando para trás, para o
período em que o sr. começou seu
trabalho pastoral, em 1964, o sr.
diria que o Brasil melhorou ou piorou?
D. Eusébio - Há regiões no Brasil
que melhoraram muito, como alguns Estados do Sul, e há outras
que pioraram tremendamente.
Em muitas coisas o Brasil melhorou muitíssimo. Na área das comunicações, por exemplo, na área
dos transportes, embora nos tenha custado caro, porque foram
os petrodólares em grande parte
que sedimentaram a melhoria das
estradas no passado.
Mas em outras áreas, como a
saúde, eu não sei se nós não estamos pior. Na educação, não estamos onde deveríamos estar, mas
estamos melhor. Também estamos melhor na consciência cívica.
Se hoje se levantam muitos escândalos, é que as coisas vêm mais às
claras, e com isso o povo cria um
senso político mais apurado, mais
acentuado. E creio também que
aumentou a solidariedade. Mas
seria incrível pensar que em tantos anos o país não tivesse melhorado. Somos um povo inteligente
e criativo.
Folha - A igreja critica igualmente o socialismo e o capitalismo e
vem buscando um caminho alternativo, mas pouco claro. Como o sr.
vê essa questão dos modelos econômicos e políticos?
D. Eusébio - Primeiro, temos de
distinguir entre socialismo e socializar. A igreja é até a favor de
socialização, mas não do socialismo. Socialização é a participação
cada vez maior e melhor de todos
no bem comum. É um termo usado até pelo papa. O socialismo é
um sistema de poder absoluto nas
mãos de poucos e com grande
descrédito em relação à democracia. É um sistema que milita contra a situação do homem na modernidade e na pós-modernidade.
O capitalismo é o modelo econômico baseado na injustiça, na
desigualdade e no mercado livre,
da oferta e da procura ao bel-prazer de quem mais possa lucrar.
Eu, evidentemente, não sou a favor do capitalismo, muito menos
do capitalismo selvagem, que se
traduz assim: desde que eu lucre,
dana-se quem for. Esse sistema é
injusto em si mesmo.
No meu entender, a única via é a
da solidariedade. A minha posição é otimista. Nós estamos caminhando para uma cultura de solidariedade, que, no fundo, num
idealismo maior, chamar-se-ia de
civilização do amor. O futuro da
humanidade depende disso. Ou
ela se fecha num sistema totalitário ou semitotalitário, ou ela se
abre para essa solidariedade. Se
não, vamos terminar todos de
maneira muito desastrosa.
Folha - Civilização do amor? Não
é muito utópico?
D. Eusébio - É utópico se olhar
do ponto de vista da maldade
atual. Mas não é utópico se formos considerar certas premissas
como a dignidade humana e não
se deixar nortear por filosofias como a de [Jean-Paul" Sartre, que
diz que o outro é o inferno, que o
outro é meu inimigo. Que partamos de Merleau-Ponty, que considera o outro uma preciosidade a
ser descoberta, conferida e valorizada. Apelando para a mensagem
cristã, não é difícil ver no outro a
imagem de Deus.
Folha - Como o sr. avalia nossos
quadros políticos, muitos envolvidos em denúncias de corrupção, de
desvio de dinheiro público ou de
desvios éticos?
D. Eusébio - A única coisa que
posso dizer é que é lamentável. O
que considero mais grave é o descrédito que se lança em cima da
própria política. Segundo dizia
Aristóteles, a política é a arte das
artes, porque é a arte do bem comum. Esses escândalos são mais
do que lamentáveis. Pessoas de alta colocação e de responsabilidade que deveriam ser honradas, de
repente tombam como cedros do
Líbano e isso é um estardalhaço
de ordem emotiva, de ordem social, de ordem cívica. O pior, na
minha opinião, é que interfere no
conceito que se tem de todos os
políticos e da própria política como instituição humana das mais
válidas.
Folha - O país está negociando
novo acordo com o FMI. Como o sr.
vê a questão?
D. Eusébio - Eu tenho para mim
que a situação internacional é desequilibrada e injusta. Não fomos
nós que escolhemos a taxa de juros. Esse é um problema muito
sério. Até que ponto o pagamento
de uma dívida pode sacrificar
uma nação para que a dívida seja
paga? É uma questão que peca
contra a dignidade humana.
Quando o papa esteve em Florianópolis, no dia 18 de outubro
de 1991, eu tive a audácia, durante
a saudação que fiz, de pedir que
houvesse uma instância superior
ao FMI, uma instância de ética e
de poder político, para fixar essas
taxas de juros, e que houvesse o
aval e até a iniciativa do Vaticano.
O papa ficou muito atento a isso,
pediu que voltássemos ao assunto. A Comissão de Justiça e Paz do
Vaticano já emanou um documento sobre isso. É claro que essa
situação é uma situação de clamorosa injustiça internacional.
Folha - O sr. se refere com frequência à importância dos meios
de comunicação. A sociedade está
debruçada neste momento sobre o
anteprojeto da Lei de Serviços de
Radiodifusão, que coloca em discussão a democratização dos meios
de comunicação. O sr. está acompanhando esse debate?
D. Eusébio - Estou acompanhando. Creio que, quanto mais acesso
houver aos meios de comunicação, mais objetiva será a comunicação. O monopólio nos meios de
comunicação seria um desastre, e
isso é próprio de totalitarismos,
não é democrático. E quanto mais
se puder democratizar a chamada
produção da opinião pública, e os
meios de comunicação são os
grandes produtores da opinião
pública, será melhor para a humanidade. Creio que todos os comunicadores estão conscientes de
que, se tiverem o monopólio, terão uma visão unilateral do mundo e muito pequena, por mais potente que seja.
Folha - Mas essa questão é regida
mais por referências do mercado
do que por conceitos éticos.
D. Eusébio - Por isso que essa
questão se junta ao que condenamos antes, à questão do totalitarismo econômico. É um dos itens
do capitalismo selvagem. Os
grandes homens dos meios de comunicação devem pensar que
não é o dinheiro nem o capital
nem o poder do monopólio que
vai lhes dar maior credibilidade,
muito menos maior respeito.
Folha - Um dos problemas sérios
da igreja é a competição com as denominações pentecostais. O sr. deu
uma declaração, condenando o
proselitismo dessas igrejas, que
acabou provocando uma reação
forte de líderes pentecostais. Como
o sr. vê o problema?
D. Eusébio - Eu disse que a Igreja
Católica está aberta ao diálogo,
desde que os outros possibilitem
o diálogo. Quando a outra crença
se fecha, torna-se impossível o
diálogo inter-religioso. A posição
da Igreja Católica é muito clara: o
tempo do proselitismo, da conquista de adeptos, já era. Nós temos a missionariedade, que é a
missão de levar a verdade de Cristo da melhor maneira possível,
mas sem o proselitismo, como em
épocas passadas infelizmente
aconteceu, especialmente na expansão católica na Europa. São
erros de estratégia pastoral que
nós hoje condenamos.
Folha - O governador do Rio é
presbiteriano e tem um trabalho
político grande entre as igrejas
evangélicas. Como o sr. avalia isso?
D. Eusébio - A igreja é ecumênica, está aberta ao diálogo com as
religiões cristãs. Se o caro amigo
Garotinho se pautar por critérios
cristãos, evidentemente que nos
daremos as mãos. Agora, se se
pautar na religião para tirar proveito, aí não podemos fazer um
diálogo que chegue a conclusões.
Folha - Haveria, hoje, um clima de
guerra religiosa?
D. Eusébio - Da parte da Igreja
Católica, não. Mas que há determinadas denominações religiosas
que fazem [guerra], há. Eu não
quero nomear, mas quem está
por dentro dessa área conhece.
Folha - Em que medida a expansão dos evangélicos preocupa a
igreja?
D. Eusébio - O que nos interessa é
que se forme um católico praticante bem consciente e que conheça a sua religião. Mudar de religião já denota uma falta de conhecimento da própria fé.
Texto Anterior: Elio Gaspari: A cigarra do tucanato mandou a formiga dançar Próximo Texto: Saiba mais: Conheça os filósofos citados Índice
|