São Paulo, domingo, 29 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Nomeação política prejudica agências, dizem especialistas

Para economistas, empresários e advogados, indicação de diretores deve respeitar critérios de competência técnica

Ganhar credibilidade com a sociedade, criar regras claras e aumentar transparência das decisões são sugestões para melhorar performance

FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REDAÇÃO

O funcionamento das agências reguladoras no Brasil está longe de ser satisfatório, seja por conta da ingerência de empresas privadas ou de interesses dos partidos políticos. O setor precisa se fortalecer, ganhar credibilidade junto à sociedade e estabelecer regras mais claras, afirmam especialistas entrevistados pela Folha.
Lúcia Helena Salgado, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz que as agências só funcionam com transparência nas decisões e que "não se pode diminuir a autonomia mesmo quando a sociedade percebe que uma delas não exerceu suas competências como se espera".
Para Paulo Cesar Coutinho, professor titular da UNB e especialista em regulação, o desempenho das agências varia muito. "Destacam-se entre as de melhor performance as agências de telecomunicações e energia. Algumas funcionam com deficiências como, por exemplo, a ANP e a ANAC."
Coutinho acredita que a demora na formação de quadros adequados atrapalhou o desenvolvimento dos órgãos. A maior parte dos concursos públicos para as agências começou em 2005. Antes disso, lembra o professor, elas usaram funcionários provisórios, alguns emprestados por empresas que deveriam ser reguladas.
A mistura de interesses entre "reguladores" e "regulados" é a base da crítica do economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Para ele, quem deveria regular "virou refém de quem deveria ser regulado". "É uma espécie de privatização do Estado", diz.

Estado x Governo
As agências começaram a ser criadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso, como parte do plano do reforma do estado, que incluía a privatização de empresas de serviços públicos e sua regulação. "A idéia é que o estado regulador corrija falhas de mercado e assimetria de informações. Para funcionar, as agências precisam de autonomia administrativa, financeira, gerencial e técnica", diz Maria Stella Gregori, ex-diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
"Agência e ministério são completamente diferentes. O ministério faz parte da administração direta, a agência, da administração indireta. Elas são vinculadas, não subordinadas aos ministérios", completa.
Falando sobre a diferença de funções, o professor da Escola de Direito da FGV Carlos Sundfeld destaca a incapacidade de sucessivos governos e ministérios de criar políticas em setores de serviço público. "Em termos ideais, quando se cria uma agência, já se tem uma política a ser cumprida. Dependendo de cada setor, a lei e as decisões do Executivo são melhores ou piores", diz Sundfeld. "Às vezes, por falta de política de governo, a agência não pode deixar o setor parar", completa.
Vice-presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), José Mascarenhas diz que o governo Lula tende a ver regulação como função do próprio governo- mesmo que, segundo ele, tenha começado a mudar de visão. Sejam os diretores indicações políticas ou não, Mascarenhas afirma que não se submeterão a interesses políticos e privados no momento em tiverem conhecimento da área regulada.
"Que deixe o interesse do partido em casa. Quando o diretor tem aparato intelectual, não se submete a interesses de empresas ou consumidores. Tem equilíbrio."
Sobre um interesse comum a empresas, governo e consumidores, Ralph Lima Terra, vice-presidente da Abdib (Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base), diz que só regras claras na regulação garantem investimentos necessários na infra-estrutura. "Como os contratos duram 25, 30 anos, eles têm que funcionar com qualquer governo", argumenta, para também criticar o contingenciamento de verbas.
De acordo com estudo da Abdib, o contingenciamento para seis agências de infra-estrutura, entre 1998 e 2005, chegou a R$ 12,3 bilhões. A Abdib também diz que postos de diretoria permaneceram, em média, 98 dias vagos em 2006. Para melhorar o desempenho, o advogado Carlos Sundfeld diz que é preciso acabar com diretorias sem qualificação. "Nada pode reparar uma má nomeação".


Texto Anterior: Órgãos surgiram para incentivar investimentos
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.