São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ HOLOFOTES

Membros das comissões dos Bingos, dos Correios e do Mensalão acusam colegas de "atropelar" investigação em busca de projeção

Três CPIs convocam mais 220 depoimentos

SILVIO NAVARRO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

RANIER BRAGON
FERNANDA KRAKOVICS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em meio a uma guerra de agendas e choque de atribuições, três CPIs em curso no Congresso Nacional -Correios, Mensalão e Bingos- tinham aprovado até a última sexta-feira convocações para tomar mais 220 depoimentos de pessoas acusadas de envolvimentos em corrupção.
Longe de demonstrar um afinco às investigações, o número acima é resultado de casos de precipitação, desencontro entre as comissões, disputa pessoal e busca de holofotes por boa parte dos parlamentares. Essa avaliação tem respaldo principalmente entre os presidentes e relatores das CPIs.
O levantamento, feito pela Folha, mostra ainda que os congressistas terão que destrinchar toneladas de documentos oriundos de mais de uma centena de quebras de sigilos fiscal, bancário e telefônico, além de incontáveis informações solicitadas a órgãos públicos e empresas.
Caso não convocassem mais nenhum depoente nem solicitassem mais nenhum documento, o que é praticamente impossível, o trabalho das três comissões só terminaria em meados de abril de 2006. A estimativa é baseada na média de três a quatro depoimentos por semana em cada CPI, embora a dos Correios tenha criado subcomissões para acelerar a tomada de depoimentos e pretenda encerrar os trabalhos em novembro.
Nas CPIs dos Correios e do Mensalão as sessões raramente duram menos de sete horas. Isso porque parlamentares utilizam o tempo a que têm direito para fazer discursos políticos e referências ao "telespectador".
"Vaidade existe mesmo, embora só prejudique. É aquela velha história de quem descobre primeiro, de quem vai ter o condão de chegar primeiro", afirmou a deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP), que já chegou a reclamar de que uma das sessões da CPI da qual participava não estava sendo transmitida pela TV.
"Essa concorrência não vai levar a nada. Em vez de pensar na investigação, estão só pensando no show", comentou o senador Ney Suassuna (PMDB-PB), que, embora membro das CPIs dos Correios e do Mensalão, raramente participa das inquirições.
Primeira comissão a ser instalada na esteira da crise, a dos Correios tem mais 110 depoimentos aprovados e 61 quebras de sigilo, números que devem aumentar. A do Mensalão tem mais 74 depoimentos previstos e quebrou um total de cerca de 80 sigilos. A dos Bingos se propõe a ouvir mais 36 depoimentos e analisar documentos resultantes de 34 quebras.
"Está havendo uma coisa absurda, convocam pessoas em uma CPI e outra vai e convoca também", disse o presidente do Conselho de Ética da Câmara, Ricardo Izar (PTB-SP), para quem os desencontros podem atrasar ou impedir punições aos culpados.

Desconhecimento
Um exemplo é o do doleiro Antonio Claramunt, o Toninho da Barcelona, cuja convocação foi disputada pelas três CPIs. No caso da do Mensalão, sua convocação foi aprovada em um bloco de votações e a maioria dos membros nem sequer se deu conta.
"Estão fugindo de convocar lá, então eu convoquei aqui", justificou o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), da CPI dos Bingos, que investiga o envolvimento das casas de jogos com o caixa dois de partidos e com o crime organizado. Barcelona disse ter conhecimento apenas de remessa de dinheiro para o exterior.
O neto do senador, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), interrompia os trabalhos da CPI dos Correios na última quinta-feira cada vez que a CPI do Mensalão ou a dos Bingos aprovava um requerimento que já existisse na dos Correios. Tumultuando os trabalhos, ele alertava que as outras comissões já haviam passado na frente.
O ímpeto dos parlamentares por depoimentos é tão grande que, mesmo no dia em que são votados seus próprios requerimentos, alguns não sabem identificar quem são as pessoas que convocaram. Foi o caso dos deputados tucanos Gustavo Fruet (PR) e Eduardo Paes (RJ), que, na última quinta-feira, não souberam dizer quem é Soraya Garcia (assessora da campanha do prefeito de Londrina, Nedson Micheletti), alvo de um pedido de convocação por parte deles. Mesmo assim, o requerimento foi aprovado.
O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) chegou a pedir formalmente a convocação do presidente Lula na CPI dos Correios, apesar de uma Comissão Parlamentar de Inquérito não ter poder para isso. Alertado, recuou e retirou o documento no dia 2 de agosto.
Presidentes e relatores das CPIs tentam conter o excesso de depoimentos alertando que o momento agora é de análise da documentação já recebida, empilhada em pequenas salas do Senado. "Não convém ter uma pauta de depoimentos muito longa, porque a cada dia surge um fato novo que pode mudar o rumo da investigação", afirmou o deputado Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), relator da CPI do Mensalão.
O ápice do desencontro das CPIs ocorreu na última quinta-feira, quando o presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), criticou a agenda da CPI do Mensalão e disse que as comissões estão preocupadas com o "holofote" e não com resultados. Haverá uma reunião amanhã entre os dirigentes das três comissões e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Preocupada com a perda de foco das investigações, a oposição também se reúne hoje.

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