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30 anos de anistia
Ata revela veto de Geisel a anistia ampla
Em reunião um ano antes de enviar projeto ao Congresso, presidente revela temor de que "subversivos" voltassem ao poder
Texto mostra que militares receavam que proposta de anistia fosse alterada por congressistas, que deram
aval à posição de Geisel
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
A ata secreta de uma reunião
do CSN (Conselho de Segurança Nacional), liberada à consulta pública neste ano, mostra
que o general Ernesto Geisel
(1907-1996) defendia, junto aos
principais integrantes do governo, que a anistia "ampla, geral e irrestrita", nos moldes do
reivindicado pelos comitês civis de anistia, não deveria ser
concedida pela ditadura.
A ata da reunião foi tornada
pública em março passado pelo
Arquivo Nacional de Brasília. O
documento integra os nove volumes com 3.000 páginas cedidos pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Os documentos registraram reuniões sigilosas ocorridos na
Presidência entre 1934 e 1988.
"A anistia é inoportuna, porque eles continuam a conspirar; eles continuam a querer
subverter, continuam a agitar",
disse Geisel durante reunião
com 25 altos integrantes do governo, incluindo os ministros
Golbery do Couto e Silva (Gabinete Civil), Armando Falcão
(Justiça) e Mário Henrique Simonsen (Fazenda).
O CSN, formado por ministros civis e militares, convocado e presidido pelo presidente,
foi o órgão de assessoramento
direto dos presidentes durante
a ditadura. Na prática, funcionavam apenas para homologar
decisões tomadas de antemão
pela cúpula do governo.
A reunião ocorreu em junho
de 1978, um ano antes do envio
ao Congresso Nacional do projeto do governo sobre a anistia,
já na gestão do sucessor indicado pelo próprio Geisel, o general João Figueiredo. A lei foi assinada em 28 de agosto de 1979
e publicada no "Diário Oficial"
do dia seguinte.
A proposta que passou no
Congresso, onde o governo tinha maioria, refletia a posição
de Geisel que ficou registrada
na ata. O presidente convocou a
reunião para discutir o projeto
pelo qual iria extinguir os Atos
Institucionais baixados pela ditadura entre 1964 e 1969, as
principais medidas persecutórias do regime.
Os historiadores concordam
que Geisel foi um dos principais idealizadores e artífices da
abertura política que se consolidaria no governo Figueiredo.
A ata do CSN, contudo, demonstra como a discussão sobre a anistia era complicada no
seio do governo. E o temor que
o regime militar tinha de perder as rédeas dos acontecimentos e de ver o retorno do que
chamava de "subversão" a postos-chave no governo.
Os primeiros comitês pela
anistia foram criados em fevereiro de 1978, quatro meses antes daquela reunião do CSN.
Eram formados majoritariamente por políticos, advogados, artistas e ativistas de direitos humanos e queriam a liberdade imediata dos presos políticos e a reabilitação dos atingidos pelos Atos Institucionais.
"Eu acho que há muitos Atos
que vamos ter que rever. Eu
não vou rever um Ato em que o
Exército expulsou ou botou para fora um general comunista.
Pode ser que algum dia se faça
essa campanha de anistia política. E veja bem, se nós puzermos [sic] isto, nós estamos indiretamente encampando esta
campanha de anistia que está aí
pelo país afora. Eu preferi não
dizer nada sobre isso para não
acender nenhuma esperança.
Como está, não há esperança.
Se eu estabelecer que os Atos
"serão revistos", de acordo com
lei de iniciativa do Poder Executivo, estou abrindo uma porta muito larga para todos estes
que estão querendo forçar um
clima de anistia, afirmando que
o Brasil sempre foi de anistia
etc", afirmou o general Geisel.
Ocorreu como o presidente
havia planejado. O projeto de
anistia encaminhado ao Congresso em 1979 deixou a cargo
da administração federal, por
meio de conselhos de avaliação,
decidir sobre o retorno dos servidores atingidos pelos Atos.
Quase no fim da reunião, o
chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, Mário Paglioli de
Lucena, manifesta sua preocupação quanto a "perder o controle" sobre o processo de extinção dos Atos e que isso fosse
aproveitado para criar a anistia
"ampla" no Brasil. "Qual a segurança que temos de que esta
proposta passe tranquilamente
no Congresso sem acréscimos,
com vistas a anistia ampla e irrestrita [?]", indagou Paglioli de
Lucena a Geisel.
O presidente respondeu que
esse era "um problema que
realmente existe", mas que tinha um plano, sobre o qual pediu "sigilo", que consistia em
retirar do Congresso, em último caso, a proposta do governo
sobre os Atos.
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