São Paulo, sábado, 29 de agosto de 2009

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30 anos de anistia

Ata revela veto de Geisel a anistia ampla

Em reunião um ano antes de enviar projeto ao Congresso, presidente revela temor de que "subversivos" voltassem ao poder

Texto mostra que militares receavam que proposta de anistia fosse alterada por congressistas, que deram aval à posição de Geisel

RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

A ata secreta de uma reunião do CSN (Conselho de Segurança Nacional), liberada à consulta pública neste ano, mostra que o general Ernesto Geisel (1907-1996) defendia, junto aos principais integrantes do governo, que a anistia "ampla, geral e irrestrita", nos moldes do reivindicado pelos comitês civis de anistia, não deveria ser concedida pela ditadura.
A ata da reunião foi tornada pública em março passado pelo Arquivo Nacional de Brasília. O documento integra os nove volumes com 3.000 páginas cedidos pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Os documentos registraram reuniões sigilosas ocorridos na Presidência entre 1934 e 1988.
"A anistia é inoportuna, porque eles continuam a conspirar; eles continuam a querer subverter, continuam a agitar", disse Geisel durante reunião com 25 altos integrantes do governo, incluindo os ministros Golbery do Couto e Silva (Gabinete Civil), Armando Falcão (Justiça) e Mário Henrique Simonsen (Fazenda).
O CSN, formado por ministros civis e militares, convocado e presidido pelo presidente, foi o órgão de assessoramento direto dos presidentes durante a ditadura. Na prática, funcionavam apenas para homologar decisões tomadas de antemão pela cúpula do governo.
A reunião ocorreu em junho de 1978, um ano antes do envio ao Congresso Nacional do projeto do governo sobre a anistia, já na gestão do sucessor indicado pelo próprio Geisel, o general João Figueiredo. A lei foi assinada em 28 de agosto de 1979 e publicada no "Diário Oficial" do dia seguinte.
A proposta que passou no Congresso, onde o governo tinha maioria, refletia a posição de Geisel que ficou registrada na ata. O presidente convocou a reunião para discutir o projeto pelo qual iria extinguir os Atos Institucionais baixados pela ditadura entre 1964 e 1969, as principais medidas persecutórias do regime.
Os historiadores concordam que Geisel foi um dos principais idealizadores e artífices da abertura política que se consolidaria no governo Figueiredo. A ata do CSN, contudo, demonstra como a discussão sobre a anistia era complicada no seio do governo. E o temor que o regime militar tinha de perder as rédeas dos acontecimentos e de ver o retorno do que chamava de "subversão" a postos-chave no governo.
Os primeiros comitês pela anistia foram criados em fevereiro de 1978, quatro meses antes daquela reunião do CSN. Eram formados majoritariamente por políticos, advogados, artistas e ativistas de direitos humanos e queriam a liberdade imediata dos presos políticos e a reabilitação dos atingidos pelos Atos Institucionais.
"Eu acho que há muitos Atos que vamos ter que rever. Eu não vou rever um Ato em que o Exército expulsou ou botou para fora um general comunista. Pode ser que algum dia se faça essa campanha de anistia política. E veja bem, se nós puzermos [sic] isto, nós estamos indiretamente encampando esta campanha de anistia que está aí pelo país afora. Eu preferi não dizer nada sobre isso para não acender nenhuma esperança. Como está, não há esperança. Se eu estabelecer que os Atos "serão revistos", de acordo com lei de iniciativa do Poder Executivo, estou abrindo uma porta muito larga para todos estes que estão querendo forçar um clima de anistia, afirmando que o Brasil sempre foi de anistia etc", afirmou o general Geisel.
Ocorreu como o presidente havia planejado. O projeto de anistia encaminhado ao Congresso em 1979 deixou a cargo da administração federal, por meio de conselhos de avaliação, decidir sobre o retorno dos servidores atingidos pelos Atos.
Quase no fim da reunião, o chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, Mário Paglioli de Lucena, manifesta sua preocupação quanto a "perder o controle" sobre o processo de extinção dos Atos e que isso fosse aproveitado para criar a anistia "ampla" no Brasil. "Qual a segurança que temos de que esta proposta passe tranquilamente no Congresso sem acréscimos, com vistas a anistia ampla e irrestrita [?]", indagou Paglioli de Lucena a Geisel.
O presidente respondeu que esse era "um problema que realmente existe", mas que tinha um plano, sobre o qual pediu "sigilo", que consistia em retirar do Congresso, em último caso, a proposta do governo sobre os Atos.


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