São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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"Bush vai ligar", diz Hrinak a Lula

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Donna Hrinak, embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, sugeriu a Luiz Inácio Lula da Silva que tenha à mão um intérprete, na noite da eleição, para, se ganhar, poder conversar com George W. Bush, presidente dos EUA.
Hrinak disse a Lula que Bush vai telefonar para quem já seria, nessa hipótese, o presidente eleito do Brasil, para cumprimentá-lo pela vitória, como é da praxe diplomática, e também para manifestar o desejo de que Brasil e EUA mantenham as melhores relações.
A sugestão de Hrinak foi feita na sexta-feira quando ela e Lula se encontraram em evento da Câmara Americana de Comércio. Na prática, trata-se de desdobramento da sugestão feita dias antes pelo empresário Roberto Teixeira da Costa (banco Sul América e presidente do escritório paulista do Cebri, Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
Teixeira da Costa, em seminário sobre relações Brasil/EUA, dissera que seria da maior importância que Bush telefonasse o mais rápido possível para o ganhador da eleição no Brasil, para sinalizar o desejo de manter com ele o melhor relacionamento possível.
Um estudo recente do Cebri diz que os dois países vivem o melhor momento em suas relações, apesar do contencioso comercial entre eles. Mas o relacionamento pessoal entre seus presidentes é, ao contrário, o pior possível.
Fernando Henrique Cardoso não se cansa de criticar o unilateralismo do governo Bush em tons tão pesados que chegou a equipará-lo ao terrorismo, em discurso há um ano na Assembléia Nacional francesa. Nunca foi perdoado pela administração Bush.
Um governo Lula, que também critica o que considera belicismo exagerado de Bush, teria tudo para envenenar mais ainda as relações bilaterais, mas é visível o esforço de Donna Hrinak para evitar essa deterioração. Depois da fala de Teixeira da Costa, a embaixadora assegurou ao empresário: "O telefonema será dado".
Embora faça parte da praxe diplomática, Bush não telefonou, no domingo passado, para Gerhard Schroeder, reeleito primeiro-ministro da Alemanha, por causa de suas críticas à política norte-americana para o Iraque.
O recado de Hrinak, portanto, reforça sua disposição de eliminar arestas no relacionamento com um eventual governo petista.
O PT retribui o esforço com sucessivos elogios à embaixadora, elogios que ecoam na comunidade acadêmica que acompanha a América Latina e as relações de seus países com os EUA.
O historiador britânico Kenneth Maxwell, responsável por América Latina no Council on Foreign Relations de Nova York, disse à Folha que Hrinak é responsável por melhorar o nível de informações sobre o Brasil em Washington, por ser "respeitada em Brasília e ouvida na Casa Branca". Se Hrinak é ouvida na Casa Branca, sua sugestão a Lula de ter um intérprete a mão significa que, de fato, Bush telefonará para o petista se ele ganhar.
Telefonemas à parte, a relação entre Brasil e EUA, em um eventual governo Lula, começará a ser testado antes da posse.
No início de novembro, em Quito, realiza-se a reunião ministerial da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) na qual a presidência do processo negociador será transferida para os dois países conjuntamente.
EUA e Brasil comandarão o processo até o final, previsto para 2005. Como presidentes, têm poder para acelerá-lo, como os EUA querem, ou retardá-lo, como preferem o PT e o atual governo.


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