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Ministério descreve falta de salário e higiene em fazenda
Funcionários chegavam a receber contracheque com R$ 0 no Pará, relatam fiscais
Governo diz ter encontrado 1.064 pessoas em situação análoga à escravidão em
propriedade que é pivô de disputa com senadores
FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O relatório de fiscalização e
combate ao trabalho escravo do
Ministério do Trabalho sobre a
Fazenda Pagrisa, no Pará, sustenta que funcionários não recebiam salários, em determinados meses, por terem dívidas
feitas com a compra de remédios e alimentos na propriedade, conviviam com falta de segurança e higiene e a condição
dos alojamentos era precária.
O documento, com 18 volumes e 5.000 páginas, descreve a
situação encontrada pelos fiscais que visitaram a fazenda entre 28 de junho e 8 de julho.
Nesse período, 1.064 trabalhadores foram "resgatados" de
condições análogas à escravidão, segundo os fiscais.
A fiscalização na Pagrisa
abriu crise entre o Senado e o
ministério e levou à suspensão
das ações do grupo móvel responsável por fiscalizar condições de trabalho em todo o país.
Os proprietários da fazenda
reclamam de excessos por parte da fiscalização e negam maus
tratos de seus funcionários. A
reclamação levou cinco senadores, liderados por Flexa Ribeiro (PSDB-PA), a criar uma
comissão especial para investigar o trabalho de fiscalização. O
ministério decidiu suspender
os trabalhos alegando interferência dos parlamentares.
A Pagrisa tem 17.000 hectares. Sua principal atividade é o
cultivo de cana para produzir
300 mil litros de álcool por dia.
Entre os compradores estava a
Petrobrás, que, desde a fiscalização, deixou de ser cliente.
O relatório sobre a fazenda
cita o caso de 45 funcionários
que nas folhas de pagamento de
abril e maio receberam R$ 0,00
de salário líquido. Dois dos citados ficaram ambos os meses
com o contracheque zerado.
"A empresa não garantia o
salário mínimo aos empregados que recebiam por produtividade. Tal fato, somado aos
descontos de alimentação e de
medicamentos que os empregados consumiam, fazia com
que, em muitos casos, empregados recebessem apenas o suficiente para pagar seus gastos
com comida e medicamentos."
"Não eram raros os casos de
obreiros que não produziram o
suficiente para custear as despesas de alimentação, o que levou a empresa a criar a rubrica
Crédito de Complementação
de Salário, para que os holerites
não gerassem valor negativo de
salário". Os créditos eram descontados no mês seguinte.
Consta no relatório uma
comparação entre os preços de
remédios vendidos em Marabá
(PA) e os mesmos vendidos na
fazenda. O medicamento Aziltromicina 500 mg, que no município custava R$ 13, era vendido na fazenda por R$ 23,21.
A fiscalização constatou ainda que funcionários trabalhavam sem equipamentos de proteção como óculos e luvas. Eles
receberam denúncias dos próprios trabalhadores, de que
"fiscais foram ao campo [no dia
em que as equipes chegaram] e
distribuíram rapidamente
equipamentos de proteção."
Também foi observado que a
alimentação causava infecções
intestinais na maioria dos funcionários. A própria empresa
admite, segundo o relatório,
que "o ambulatório médico registrou 38 casos de sintomas de
diarréia que poderiam estar relacionados à alimentação".
Os alojamentos foram considerados "superlotados" pelos
fiscais. "Em lugares com capacidade para 30 trabalhadores,
foram alojados 50 obreiros". As
equipes relatam assim a situação de um dormitório: "Havia
um esgoto a céu aberto que era
despejado na represa utilizada
pelos empregados para tomar
banho e lavar roupas. Tal prática de tomar banho na represa
era estimulada pelo fato de faltar água nos horários em que os
empregados tomavam banho".
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