São Paulo, sábado, 29 de setembro de 2007

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"Tratavam a gente igual a porco", diz trabalhador

THIAGO REIS
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA

"Eles tratavam a gente igual a porco." É assim que Francis Vanicolla, 25, um dos trabalhadores libertados de uma fazenda da Pagrisa, definiu as condições em que vivia na propriedade, em Ulianópolis (417 km de Belém). Em julho, a destilaria foi alvo, segundo o Ministério do Trabalho, da maior libertação de pessoas em situação análoga à escravidão: 1.065.
"A água [para beber] era quente, a refeição era feita na beira do canavial, no sol quente. Havia bicho na comida, tapuru [verme], toda estragada", disse Vanicolla ontem à Folha.
"Se parasse para sentar no chão, não podia. Descansar um pouquinho, não podia. Teve um cabra que se encostou na vassoura e um encarregado chegou e mandou embora."
Além dele, a reportagem ouviu, por telefone, o relato de outros dois trabalhadores, todos moradores de Pio 12, no Maranhão. A cidade é a terceira que mais teve pessoas libertadas (70) na ação na Pagrisa.
Eles afirmaram que viram ou viveram condições degradantes. No entanto, nenhum disse que era proibido sair da fazenda. Contaram também que eram obrigados a pagar por comida e remédios.
"Deram um alojamento para a gente, com as camas lá. Mas o colchão a gente tinha que pagar para eles", disse Gilmar da Silva, 20. Vanicolla deu um exemplo: "Passei dez dias na cana, deu R$ 79. Mas aí paguei R$ 69 de comida". Por mês, cada um dos três ganhava R$ 475.
Valdiluz Magalhães, 22, confirma que tinha de pagar preços elevados por remédios. "Ruim era a situação dos cortadores de cana, pois dormiam todos juntos em um barracão nojento", afirmou.
"Era na rede, tudo bagunçado. Dentro de um quarto quente. Eram 70 redes no galpão, uma trançada na outra", confirmou Silva, que disse ter sido bem tratado, no entanto. "O pessoal reclamava muito. Queriam água gelada, uma comida bem melhor. Era ruim por causa do fermento, eles botavam fermento na carne, ela ficava grossona, grandona."
No dia em que os fiscais chegaram, Silva disse que todos saíram "alegres". "Todo mundo gostou." "Pessoal ficou feliz, feliz demais. Era doído", disse Vanicolla. Dos três, Magalhães é o único a dizer que se arrepende de ter ido embora. "Tentei voltar, mas acho que eles não me aceitam mais, não."


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