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Sem debate, emenda amplia teto para doações eleitorais
Regra incluída às pressas deve elevar poder do dinheiro privado em campanhas
Parágrafo exclui do limite para doação -de 10% da renda no ano anterior- os gastos de até R$ 50 mil com uso de bens, como aviões
FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um trecho pouco notado da
nova lei eleitoral recém-aprovada pelo Congresso abre caminho para o aumento do poder
do dinheiro privado nas campanhas. O texto está nas mãos
do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, que tem de sancioná-lo ou vetá-lo até o fim do mês
para valer em 2010.
Por iniciativa do líder do PTB
na Câmara, Jovair Arantes
(GO), foi acrescentado um parágrafo ao artigo 23 da atual lei
eleitoral, cujo efeito prático é
ampliar o limite de doações de
pessoas físicas -hoje de 10% da
renda auferida no ano anterior
ao do pleito. Pelo novo texto, a
partir de agora está excluída
desse teto "doação estimável
em dinheiro relativa à utilização de bens móveis ou imóveis
de propriedade do doador", até
o limite de R$ 50 mil.
Isso é traduzido como empréstimos de casas, carros e
aviões para candidatos, que
precisam ser contabilizados como "doação estimável em dinheiro", com base em valores
de mercado.
Num exemplo hipotético,
uma pessoa com renda de R$ 1
milhão hoje pode doar R$ 100
mil em dinheiro ou bens na
eleição. Passará a poder doar
mais R$ 50 mil em empréstimo
de bens, um aumento de 50%.
O valor pode fazer diferença,
principalmente numa campanha para deputado. Com R$ 50
mil, aluga-se uma frota de seis
carros do modelo básico durante os três meses de campanha,
segundo tabela de duas das
principais agências do ramo.
Também é possível alugar ao
menos quatro imóveis de alto
padrão para comitês pelo mesmo período. O valor ainda dá
conta do aluguel de um jato
executivo para voar 3.500 km.
Em outras palavras, significa
que uma pessoa física terá mais
espaço para financiar transporte e comitês de campanha de
um candidato amigo, emprestando veículos e imóveis.
O parágrafo foi incluído de
maneira informal, num canto
do plenário, enquanto corria a
agitada sessão da Câmara que
aprovou o projeto pela primeira vez, na noite de 8 de julho.
Após articular-se com o líder
do PT, Cândido Vaccarezza
(SP), o do DEM, Ronaldo Caiado (GO), e o corregedor da Casa, ACM Neto (DEM-BA),
Arantes levou a emenda ao relator da matéria, Flávio Dino
(PC do B-MA), que a acolheu.
Pelo fato de a inclusão ter sido
feita às pressas, a emenda não
foi listada no site da Câmara.
Deputados procurados pela
Folha não tinham conhecimento do fato. "Não sei. Não
olhei. Não foi uma das emendas
mais debatidas", disse Mendes
Ribeiro Filho (RS), que negociou a reforma pelo PMDB.
No Senado, não se tocou no
assunto. O texto foi devolvido
intacto aos deputados, que o referendaram em votação final.
Segundo defensores da proposta, a intenção foi nobre. Ao
dizer que o limite de 10% "não
se aplica" a doações de patrimônio, tentou-se proteger doadores com pequeno ou nenhum ganho fixo (como um desempregado, um aposentado
ou um universitário), que emprestam carros ou imóveis para
candidatos amigos.
Nesses casos, como o empréstimo é contabilizado como
doação, acaba extrapolando os
10% da pequena renda do doador, dando margem a ações judiciais. "Isso acontece muito.
Tive a experiência de um motorista que emprestou seu carro
para mim em Ourinhos (SP) e
não tinha renda para justificar", afirmou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP).
Após inicialmente negar a
possibilidade de dupla leitura,
Arantes a admitiu. "É uma
questão de interpretação de
texto. É como o Tarcísio Meira
e o Tony Ramos, que interpretam o mesmo texto de TV de
forma diferente", afirmou.
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