São Paulo, terça-feira, 29 de setembro de 2009

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Sem debate, emenda amplia teto para doações eleitorais

Regra incluída às pressas deve elevar poder do dinheiro privado em campanhas

Parágrafo exclui do limite para doação -de 10% da renda no ano anterior- os gastos de até R$ 50 mil com uso de bens, como aviões

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Um trecho pouco notado da nova lei eleitoral recém-aprovada pelo Congresso abre caminho para o aumento do poder do dinheiro privado nas campanhas. O texto está nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem de sancioná-lo ou vetá-lo até o fim do mês para valer em 2010.
Por iniciativa do líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO), foi acrescentado um parágrafo ao artigo 23 da atual lei eleitoral, cujo efeito prático é ampliar o limite de doações de pessoas físicas -hoje de 10% da renda auferida no ano anterior ao do pleito. Pelo novo texto, a partir de agora está excluída desse teto "doação estimável em dinheiro relativa à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador", até o limite de R$ 50 mil.
Isso é traduzido como empréstimos de casas, carros e aviões para candidatos, que precisam ser contabilizados como "doação estimável em dinheiro", com base em valores de mercado.
Num exemplo hipotético, uma pessoa com renda de R$ 1 milhão hoje pode doar R$ 100 mil em dinheiro ou bens na eleição. Passará a poder doar mais R$ 50 mil em empréstimo de bens, um aumento de 50%.
O valor pode fazer diferença, principalmente numa campanha para deputado. Com R$ 50 mil, aluga-se uma frota de seis carros do modelo básico durante os três meses de campanha, segundo tabela de duas das principais agências do ramo.
Também é possível alugar ao menos quatro imóveis de alto padrão para comitês pelo mesmo período. O valor ainda dá conta do aluguel de um jato executivo para voar 3.500 km.
Em outras palavras, significa que uma pessoa física terá mais espaço para financiar transporte e comitês de campanha de um candidato amigo, emprestando veículos e imóveis.
O parágrafo foi incluído de maneira informal, num canto do plenário, enquanto corria a agitada sessão da Câmara que aprovou o projeto pela primeira vez, na noite de 8 de julho.
Após articular-se com o líder do PT, Cândido Vaccarezza (SP), o do DEM, Ronaldo Caiado (GO), e o corregedor da Casa, ACM Neto (DEM-BA), Arantes levou a emenda ao relator da matéria, Flávio Dino (PC do B-MA), que a acolheu. Pelo fato de a inclusão ter sido feita às pressas, a emenda não foi listada no site da Câmara.
Deputados procurados pela Folha não tinham conhecimento do fato. "Não sei. Não olhei. Não foi uma das emendas mais debatidas", disse Mendes Ribeiro Filho (RS), que negociou a reforma pelo PMDB.
No Senado, não se tocou no assunto. O texto foi devolvido intacto aos deputados, que o referendaram em votação final.
Segundo defensores da proposta, a intenção foi nobre. Ao dizer que o limite de 10% "não se aplica" a doações de patrimônio, tentou-se proteger doadores com pequeno ou nenhum ganho fixo (como um desempregado, um aposentado ou um universitário), que emprestam carros ou imóveis para candidatos amigos.
Nesses casos, como o empréstimo é contabilizado como doação, acaba extrapolando os 10% da pequena renda do doador, dando margem a ações judiciais. "Isso acontece muito. Tive a experiência de um motorista que emprestou seu carro para mim em Ourinhos (SP) e não tinha renda para justificar", afirmou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP).
Após inicialmente negar a possibilidade de dupla leitura, Arantes a admitiu. "É uma questão de interpretação de texto. É como o Tarcísio Meira e o Tony Ramos, que interpretam o mesmo texto de TV de forma diferente", afirmou.



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