|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PEC dos cartórios é "gambiarra", diz Mendes
Para o presidente do STF, proposta que pode ser votada hoje pela Câmara dos Deputados deverá ser derrubada pela Corte
Ministro diz que efetivação de titulares de cartórios não concursados gera "um certo patrimonialismo" e fere princípios da Constituição
FLÁVIO FERREIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro
Gilmar Mendes, disse ontem
que a PEC (proposta de emenda à Constituição) que efetiva
titulares de cartórios não concursados é uma "gambiarra" jurídica e deverá ser derrubada
pelo STF caso seja aprovada pela Câmara dos Deputados.
A votação em primeiro turno
da proposta de emenda -válida
para aqueles que estão há mais
de cinco anos no cargo- está
prevista para hoje.
Mesmo em viagem à França,
Mendes, que também preside o
CNJ (Conselho Nacional de
Justiça), acompanhou com
preocupação a movimentação
pela aprovação da PEC nº 471
nos últimos dias. Na semana
passada, o corregedor do CNJ,
ministro Gilson Dipp, divulgou
uma nota atacando a emenda.
A atividade cartorária é delegada pelo poder público a particulares e há casos de titulares
que arrecadam mais de R$ 1 milhão por mês. A administração
das vagas e a fiscalização dos
cartórios é feita pelos Tribunais de Justiça Estaduais.
O CNJ, órgão de controle administrativo e disciplinar do
Judiciário, realiza inspeções
nos Estados desde o ano passado e chegou à estimativa de que
há 5.000 não concursados em
postos de titulares no país.
Em junho passado, o CNJ
emitiu uma resolução que declarou como vagos todos os cargos assumidos pelos não concursados e determinou que os
Tribunais de Justiça realizassem um levantamento para
apuração do número exato de
titulares "biônicos". O prazo
para concluir essa apuração
termina nesta semana.
A meta do CNJ é a de que
após essa fase sejam realizados
os primeiros concursos para
preenchimento dessas vagas.
Todo esse trabalho, porém,
pode ser afetado caso a PEC seja aprovada. Ante a ameaça de
votação da emenda à Constituição pela Câmara, o CNJ partiu
para o ataque.
De Paris, Mendes disse ontem à Folha que em 1977, no
governo militar de Ernesto
Geisel, e na Constituição de
1988, foram realizadas efetivações de substitutos nos cartórios. "Está na hora de o Brasil
regularizar isso de forma definitiva. Não me parece adequado esse tipo de tentativa de
mais uma vez burlar o sistema
concursivo", afirmou.
"No caso dos cartórios, estamos falando, em um período de
cerca de 30 anos, já de um terceiro arranjo, de uma terceira
gambiarra. Isso não eleva nosso padrão civilizatório."
Para Mendes, a PEC poderá
ser cassada pelo STF. "Se essa
emenda vier a ser aprovada,
provavelmente ela será contestada, porque muito provavelmente ela fere cláusula pétrea.
Ela flexibiliza o critério do concurso público e fere o princípio
da igualdade", afirmou.
O magistrado disse que a situação dos não concursados "é
uma fonte às vezes de erosão
da autoridade moral do Judiciário. Os corregedores acabam
indicando funcionários provisoriamente e eles se eternizam.
É uma fonte de má aplicação do
próprio poder do Judiciário,
gerando o filhotismo, um certo
patrimonialismo, uma relação
promíscua entre o juiz e o cartorário indicado".
A Anoreg-BR (Associação
dos Notários e Registradores
do Brasil) defendeu ontem, por
meio de nota, a aprovação da
PEC. Segundo a entidade, "várias situações de oficiais e substitutos, que deveriam ser temporárias, consolidaram-se. Essas pessoas correm sérios riscos de serem afastadas e perderem os cargos depois de trabalharem, investirem e aperfeiçoarem os serviços".
Texto Anterior: Jânio de Freitas: Os erros, ou nem tanto Próximo Texto: Modernização: Justiça lança canal no Youtube com sessões e programas Índice
|