São Paulo, terça-feira, 29 de setembro de 2009

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PEC dos cartórios é "gambiarra", diz Mendes

Para o presidente do STF, proposta que pode ser votada hoje pela Câmara dos Deputados deverá ser derrubada pela Corte

Ministro diz que efetivação de titulares de cartórios não concursados gera "um certo patrimonialismo" e fere princípios da Constituição

FLÁVIO FERREIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, disse ontem que a PEC (proposta de emenda à Constituição) que efetiva titulares de cartórios não concursados é uma "gambiarra" jurídica e deverá ser derrubada pelo STF caso seja aprovada pela Câmara dos Deputados.
A votação em primeiro turno da proposta de emenda -válida para aqueles que estão há mais de cinco anos no cargo- está prevista para hoje.
Mesmo em viagem à França, Mendes, que também preside o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), acompanhou com preocupação a movimentação pela aprovação da PEC nº 471 nos últimos dias. Na semana passada, o corregedor do CNJ, ministro Gilson Dipp, divulgou uma nota atacando a emenda.
A atividade cartorária é delegada pelo poder público a particulares e há casos de titulares que arrecadam mais de R$ 1 milhão por mês. A administração das vagas e a fiscalização dos cartórios é feita pelos Tribunais de Justiça Estaduais.
O CNJ, órgão de controle administrativo e disciplinar do Judiciário, realiza inspeções nos Estados desde o ano passado e chegou à estimativa de que há 5.000 não concursados em postos de titulares no país.
Em junho passado, o CNJ emitiu uma resolução que declarou como vagos todos os cargos assumidos pelos não concursados e determinou que os Tribunais de Justiça realizassem um levantamento para apuração do número exato de titulares "biônicos". O prazo para concluir essa apuração termina nesta semana.
A meta do CNJ é a de que após essa fase sejam realizados os primeiros concursos para preenchimento dessas vagas.
Todo esse trabalho, porém, pode ser afetado caso a PEC seja aprovada. Ante a ameaça de votação da emenda à Constituição pela Câmara, o CNJ partiu para o ataque.
De Paris, Mendes disse ontem à Folha que em 1977, no governo militar de Ernesto Geisel, e na Constituição de 1988, foram realizadas efetivações de substitutos nos cartórios. "Está na hora de o Brasil regularizar isso de forma definitiva. Não me parece adequado esse tipo de tentativa de mais uma vez burlar o sistema concursivo", afirmou.
"No caso dos cartórios, estamos falando, em um período de cerca de 30 anos, já de um terceiro arranjo, de uma terceira gambiarra. Isso não eleva nosso padrão civilizatório."
Para Mendes, a PEC poderá ser cassada pelo STF. "Se essa emenda vier a ser aprovada, provavelmente ela será contestada, porque muito provavelmente ela fere cláusula pétrea. Ela flexibiliza o critério do concurso público e fere o princípio da igualdade", afirmou.
O magistrado disse que a situação dos não concursados "é uma fonte às vezes de erosão da autoridade moral do Judiciário. Os corregedores acabam indicando funcionários provisoriamente e eles se eternizam. É uma fonte de má aplicação do próprio poder do Judiciário, gerando o filhotismo, um certo patrimonialismo, uma relação promíscua entre o juiz e o cartorário indicado".
A Anoreg-BR (Associação dos Notários e Registradores do Brasil) defendeu ontem, por meio de nota, a aprovação da PEC. Segundo a entidade, "várias situações de oficiais e substitutos, que deveriam ser temporárias, consolidaram-se. Essas pessoas correm sérios riscos de serem afastadas e perderem os cargos depois de trabalharem, investirem e aperfeiçoarem os serviços".


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