São Paulo, segunda-feira, 29 de outubro de 2001

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ENTREVISTA DA 2ª

Impedido por alunos de defender sua tese sexta-feira, Rohrer diz que sofreu prejuízo "moral e financeiro"

Capitão da PM quer garantias da PUC

IURI DANTAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O capitão da PM Francisco Wanderley Rohrer, 47, quer que a PUC-SP garanta a defesa de sua dissertação de mestrado. "Como vão fazer [a segurança", não é problema meu", afirmou à Folha. Na sexta-feira, estudantes impediram a quarta tentativa de apresentação do trabalho. Ele foi chamado de "fascista" e atingido por uma torta. Os alunos atribuem a ele o comando da tropa que reprimiu protesto antiglobalização na avenida Paulista, em 20 de abril, que deixou dez feridos. "Não estava lá [na PUC] como capitão, mas como aluno, e a faculdade tem o dever de me dar essa garantia", afirmou. Roher afirma ter sido "vítima de um flagrante preconceito". Um dia após o tumulto na PUC, a mesa de sua casa no Tucuruvi (zona norte de São Paulo) estava cheia de jornais com o relato dos protestos. O telefone, na hora e meia em que a reportagem ficou em no local, não parou de tocar: eram políticos, policiais e representantes de comunidades com mensagens de solidariedade. Tranquilo, o capitão da PM falou da dificuldade de apresentação de sua monografia "A Identidade do Policial Militar Comunitário: Metamorfose e Emancipação" segurando seu filho Pedro Paulo, de nove meses. Ao lado do berço, um quadro pintado por Rohrer traz a Estátua da Liberdade estilizada, um presente ao filho, afirma. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - O direito dos estudantes de se manifestar esbarra no direito de o sr. defender sua dissertação. Como resolver esse impasse?
Francisco Wanderley Rohrer -
A faculdade deve garantir a segurança. Como vão fazer, não é problema meu. Não estava lá como capitão, mas como aluno, e a faculdade tem o dever de me dar essa garantia, e eu o direito de recebê-la. É um desrespeito com as pessoas que foram convidadas. Elas merecem a consideração de fazermos a apresentação de forma aberta para que quem quiser se manifestar, dentro das conformidades, possa.

Folha - O senhor vai pedir alguma garantia da PUC para fazer a defesa da dissertação?
Rohrer -
A única coisa que quero é exercer meu direito. E a universidade precisa me dar essa garantia sem que precise avocar. É o mínimo. Tenho certeza de que as pessoas estão sensíveis com o que aconteceu na sexta-feira. Faço questão de defender perante o público, inclusive porque os opositores não sabem o que vou falar.

Folha - A atitude dos estudantes é uma forma de patrulhamento ideológico?
Rohrer -
Tenho absoluta convicção, como também tenho de que fui vítima de um flagrante preconceito e de calúnia e difamação. As pessoas me chamaram de assassino, "filho da puta", fascista. A minha história de vida não condiz com isso.

Folha - Como o senhor vê esses protestos contra sua dissertação?
Rohrer -
Todo protesto é válido, é positivo. Toda manifestação é muito positiva porque é o exercício da democracia. A aprendizagem da democracia tem que passar por isso. Mas houve excessos. Nisso cabe uma ação mais rígida por parte da PUC.

Folha - Como?
Rohrer -
É interessante. Disseram, na Paulista, que seria uma manifestação pacífica. Quando fui negociar, vi pessoas com escudos e sacos cheios de pedra. Quem vai para uma manifestação que se diz pacífica não leva isso. Na PUC, pessoas disseram que o ato seria pacífico e silencioso. Quebraram vidros, atiraram pedras, jogaram um bolo no meu rosto. Disseram que iriam se manifestar em silêncio, mas levaram megafones.

Folha - O senhor foi discriminado alguma vez na PUC por ser PM?
Rohrer -
Não houve nenhum tipo de discriminação durante o curso. Em alguns momentos, as pessoas estranhavam a presença de um policial fardado. Mas com o passar do tempo, à medida que as pessoas iam me conhecendo, foi tranquilo. Fiz muitos amigos, especialmente no núcleo a que pertenço, inclusive professores.

Folha- Quais são as conclusões de sua dissertação?
Rohrer -
Uma das conclusões é que aconteceu uma metamorfose com policiais quando passaram a trabalhar com a comunidade.

Folha - Por que acontece isso?
Rohrer -
Principalmente pelo contato com a comunidade. O policial sai ganhando com a satisfação pessoal, a auto-realização, o auto-reconhecimento, o reconhecimento pela sociedade.

Folha - Os estudantes o chamam de "hipócrita" por ter participado da ação de 20 de abril e defender o policiamento comunitário.
Rohrer -
Eles sabem que não participei do comando. Desafio alguém a trazer uma imagem mostrando a minha pessoa incitando, comandando a ação. Quando ouvi pelo rádio que os policiais pediam reforço, por causa das pedras atiradas no patrimônio público, me dirigi ao local, me desarmei e fui negociar com eles. Expliquei que tinham o direito de se manifestar, que daria garantia de não haver mais violência se eles se comportassem de acordo. Mas havia pessoas que queriam gerar um fato e não queriam paz, como na sexta-feira.
Não tive tempo de assumir o comando no dia 20 de abril [o capitão afirma ter levado uma pedrada e, por isso, foi encaminhado ao atendimento médico logo em seguida".

Folha - O senhor considera o protesto na Paulista democrático?
Rohrer -
Sim, mas a avenida Paulista não é o local. Existem várias formas de se manifestar e temos de respeitar o direito dos outros. A beleza da democracia está aí.

Folha - O senhor é a favor da Alca? Da globalização?
Rohrer -
Não cabe a um policial falar se é a favor de Alca, da globalização. Se é favor do capitalismo, do socialismo, do comunismo. O meu papel é defender o que diz a Constituição, ser legalista.

Folha - E o aluno de pós-graduação Rohrer?
Rohrer -
Aí acabaríamos confundindo uma coisa com outra, e não seria elegante entrar nesse confronto. Nessa altura do campeonato, já está havendo quase uma fusão dos dois. Se falar o que o aluno e o que o capitão pensam não será positivo.

Folha - O senhor defende o modo de atuação da PM na repressão aos protestos da Paulista em abril?
Rohrer -
Defendo. Quando você encontra um bando de pessoas jogando pedras nos policiais, no patrimônio público e privado, a polícia precisa agir na justa proporcionalidade do ato. A polícia vai sair com flores? Tanto é que vários policiais saíram feridos.

Folha - Como a polícia deve agir em casos de manifestação?
Rohrer -
Com lisura, postura ética, muita serenidade e equilíbrio. Com muito respeito aos direitos e dignidade da pessoa humana e muito profissionalismo. Se tiver que usar a força, a polícia vai usar, ela precisa ser profissional.

Folha - Como o senhor avalia os níveis de violência em São Paulo?
Rohrer -
Altíssimos. Isso não é uma culpa do secretário da Segurança Pública, não é um problema de polícia. Quando há essa integração social, como no policiamento comunitário, a violência acaba regredindo.

Folha - O que o senhor pensa da ação de Erasmo Dias em 1977 quando invadiu a PUC-SP?
Rohrer -
O momento político, histórico era aquele. As pessoas que estavam à frente do momento acharam que o melhor para o país, para a nação, era aquilo. Não me cabe estabelecer uma crítica específica àquelas pessoas. Hoje, para este momento político, não está correto. Ele agiu conforme seu momento histórico. A postura dos alunos hoje é pior. O Erasmo Dias estava escudado em um regime de exceção, na forma de agir e de falar.

Folha - O senhor já atirou em ação?
Rohrer -
Já atirei e tive a infelicidade de matar pessoas. Tudo em legítima defesa, com testemunhas. A última ocorrência de que participei estava com minha mulher em um posto de gasolina. Havia um assalto com reféns e o cidadão atirou em cima de mim. Dei três tiros.

Folha - O senhor anda armado?
Rohrer -
Ando sim, claro.

Folha - Um de seus filhos poderia estar no protesto da Paulista. Como o senhor agiria nesse caso?
Rohrer -
Agiria da mesma maneira, não tenha dúvida, me desarmaria e iria até lá negociar.

Folha - O senhor se sente prejudicado com o adiamento de sua dissertação?
Rohrer -
Uma das exigências do MEC para dar aulas na universidade é ter o curso de mestrado. Com isso sofri prejuízo moral, intelectual e financeiro. Poderia exercer uma atividade que agregasse alguma renda. Paguei a PUC do meu bolso, não tive bolsa.

Folha - Até onde o senhor quer chegar com a educação?
Rohrer -
Não vejo limites, quero dar aulas na universidade.


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