São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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ALTA ESPIONAGEM

Ministro foi seguido porque teria deixado de apoiar Dantas

Governo confirma que Kroll também espionou Dirceu

KENNEDY ALENCAR
EM SÃO PAULO

O ministro José Dirceu (Casa Civil) está entre os membros do governo federal espionados pela Kroll, a maior empresa de investigação privada do país. A Folha apurou que o Palácio do Planalto recebeu confirmação da Polícia Federal nesse sentido.
Essa investigação da Kroll recebeu o nome de "Projeto Tóquio" e foi encomendada pela Brasil Telecom por conta de uma disputa empresarial com a Telecom Italia. O banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity, que controla a Brasil Telecom, é suspeito de ser o mandante da investigação.
A Folha apurou que o nome de Dirceu foi incluído na investigação porque ele teria deixado de atuar a favor de Dantas nas discussões internas da cúpula do governo sobre minar ou não a influência do banqueiro sobre fundos de pensão de estatais federais.
O ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) foi investigado pela Kroll, como revelou a Folha em julho, porque defendia que fossem feitas articulações para acabar com a influência de Dantas nos fundos de pensão.

Mensagem eletrônica
Em 9 de julho deste ano, pouco antes de a Folha revelar que a Kroll investigara autoridades federais, o chefe do escritório da empresa de investigação em Londres, Charles Carr, recebeu uma mensagem de uma "fonte" identificada como "Silvio Berlusconi", nome do primeiro-ministro da Itália usado como codinome na troca de e-mails.
Nessa mensagem, "Berlusconi" fala que uma empresa italiana com atividades no Brasil foi à Justiça pedir indenização de R$ 50 milhões à TIM, empresa do grupo Telecom Italia, mas que recuara da disputa comercial por ordem de um chefe da Itália. A razão do recuo seria manter boas relações entre as empresas na Itália.
No final da mensagem, Berlusconi diz a Carr: "Por favor, entre em contato sempre que quiser dividir as informações que você tiver sobre Dirceu. Tenho certeza de que será uma grande história".
Detalhe: em mensagem posterior a um membro encarregado da investigação da Kroll no Brasil, Carr, ao se referir à mensagem de Berlusconi, diz que ela é de uma fonte num órgão de imprensa.
Uma autoridade federal disse à Folha que o Dirceu que aparece nessa mensagem eletrônica é o chefe da Casa Civil.

Compadre e FHC
A Folha apurou que até o advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi acionado por Dantas para tentar abrir portas no governo. Na prática, elas se fecharam porque a decisão final de Lula foi a de bombardear Dantas.
Nos governos do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), Dantas contou com o apoio de diretores de fundos de pensão federal para participar do processo de privatização. Numa dessas operações, com a Previ, fundo dos funcionários do Banco do Brasil, montou um consórcio pelo qual comprou a empresa que hoje é a Brasil Telecom.
Detalhe: nesses acertos, seu banco, o Opportunity, tinha participação acionária pequena, mas garantia o controle por meio de um acordo. É o caso hoje da Brasil Telecom, por exemplo.
No início do governo Lula, que assumiu em 2003, novos diretores dos fundos de pensão romperam a aliança com Dantas, que passou, num primeiro momento, a tentar algum acerto de bastidor com a nova administração. A decisão final do governo de não "negociar" com o banqueiro teria sido o motivo para que autoridades federais fossem investigadas pela Kroll.
De acordo com os informes que chegaram à cúpula do governo, Dirceu e pessoas próximas a ele em Brasília tiveram seus passos monitorados por agentes da Kroll. Até encontros privados. A PF desconfia que houve tentativa de grampear Dirceu e auxiliares e de obter seu correio eletrônico.
A Kroll produziu relatórios nos quais havia indícios de irregularidades na espionagem de Gushiken e do presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb.
A Kroll nega ter cruzado o limite da legalidade em suas investigações.
A PF suspeita que a intenção da Kroll era obter alguma informação que permitisse a Dantas pressionar autoridades do governo a não minar o seu poder nos fundos de pensão federais.
Anteontem, a "Operação Chacal" da PF desencadeou investigações em três Estados e no Distrito Federal que resultaram na prisão de cinco funcionários da Kroll. A PF disse que deverá indiciar Dantas e uma executiva da Brasil Telecom, Carla Cicco.
De acordo com a PF, a Kroll teria cometido pelo menos seis crimes: formação de quadrilha, oferecimento de vantagem a testemunha, quebra de sigilos bancários, usurpação de função e quebra de sigilo telefônico e telemático (interceptação de e-mail, fax e telefone).


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