São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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SÃO PAULO

Para prefeita, que se julga vítima do preconceito dos jornais, Alckmin é o melhor quadro do PSDB e Suplicy ajudou "o quanto pôde"

Marta ataca a imprensa, critica Maluf e diz que vai ganhar com voto da periferia

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL

RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL

Marta Suplicy, 59, enxerga na periferia votos indecisos em quantidade suficiente para reverter, até domingo, a desvantagem para o tucano José Serra -de sete pontos, segundo o Datafolha- na disputa pela Prefeitura de São Paulo. "Tenho que buscar os eleitores que muitas vezes não conseguem ter a dimensão do que foi o benefício realizado na periferia", afirma a prefeita petista.
Na entrevista abaixo, ela atribui a falhas de comunicação da prefeitura quando da criação das novas taxas e, principalmente, ao que classifica como "perseguição" da imprensa escrita, em particular da Folha, o fato de não ter hoje o amplo respaldo que a elegeu quatro anos atrás.
A prefeita elogia o governador Geraldo Alckmin ("é o melhor quadro do PSDB") e diz que não tem "nenhum apreço pessoal" por Paulo Maluf, que a apóia no segundo turno. Medindo bem as palavras, a prefeita faz uma restrição velada à atuação do seu ex-marido, o senador Eduardo Suplicy, na campanha: "Ele ajudou o quanto pôde", diz. E atribui ao fato de ser mulher as cobranças que sofre pelos cuidados que tem com a sua aparência.
 

Folha - Para vencer, a sra. depende mais da ampliação da vantagem que teve em parte da periferia ou da diminuição da desvantagem no chamado cinturão tucano?
Marta Suplicy -
Não saberia dizer ao certo. Acho que ampliar a vantagem na periferia seria mais interessante. Porque fiz um governo que, apesar de governar para a maioria, investiu pesadamente na periferia. Tenho de buscar os eleitores que muitas vezes não conseguem ter a dimensão do que foi o governo, do que foi o benefício realizado na periferia.

Folha - Sua situação é muito diferente daquela de 2000, quando sua candidatura na época catalisou um desejo de moralização, de recuperação simbólica e material da cidade depois do colapso Maluf-Pitta. Formou-se na prática um pacto das classes médias e de setores da elite em torno de sua candidatura. Esse pacto se desfez? Por quê?
Marta
- Acho que isso está muito relacionado à taxa e a problemas de má comunicação que nós tivemos. Não colocamos que o PSDB, que ficava gritando "Martaxa" na Câmara, tinha essa taxa [do lixo] em vários municípios que governava, como Vitória, e não é nem autodeclaratória, é única e muito mais alta. E está ligado também ao espaço de imprensa contra mim e minha gestão. O próprio ombudsman da Folha tem colocado isso, mas não adianta. A Folha continua fazendo. O outro jornal também.

Folha - A sra. reclama de perseguição contra sua administração e sua pessoa. É indiscriminado? A imprensa como um todo age assim?
Marta
- Não acho. A imprensa de TV não age assim. A escrita, sim. Uns mais, outros menos.

Folha - A sra. se refere à Folha e ao "Estado"?
Marta
- É. "O Globo" sempre teve uma cobertura mais imparcial. O "Diário de S. Paulo", um pouquinho menos, mas também.

Folha - A que atribui essa divisão?
Marta
- Não tenho a menor idéia. Perguntem ao Otavio Frias [Filho, diretor de Redação da Folha] e para o Ruy Mesquita [diretor de "O Estado de S. Paulo"].

Folha - A sra. não vê simpatia das televisões, em especial da Globo, em relação à sua administração?
Marta
- Não é só a Globo. Os jornais de televisão, como um todo, têm sido mais imparciais. A não ser um ou outro, como o do Boris Casoy, que tem ojeriza ao PT.

Folha - A filósofa Marilena Chaui, que acaba de participar de um ato de apoio à sra., tem reclamado muito do tratamento dado pelos jornais ao governo do PT. Ao mesmo tempo, em entrevista recente, ela afirmou que a TV Globo é condescendente com o governo Lula.
Marta
- Eu não vou ficar discutindo o que a Marilena Chaui acha ou deixa de achar. Há um preconceito contra mim pessoalmente, há um preconceito sobre o que foi meu governo. O motivo disso, não tenho a mais leve idéia. Pergunte ao Otavio Frias Filho e ao Ruy Mesquita. Não sinto isso por parte da Record, não sinto isso por parte da Globo, da Bandeirantes, por parte da RedeTV.

Folha - A sra. se diz alvo de preconceito. Seu adversário vê aí uma estratégia de vitimização. A sra. acha que os eleitores de Serra estão votando contra a senhora ou contra sua administração?
Marta
- Tudo junto. Em relação à administração tem as taxas, que não consegui ter uma boa estratégia de comunicação. E a imprensa fez a campanha dos opositores. E pessoalmente também fez uma desconstrução, uma desqualificação minha, por três anos e meio.

Folha - Prefeita, isso tudo será registrado na entrevista.
Marta
- Se vai sair, então deixa eu acrescentar. Desde as manchetes, tudo que se refere a algum problema da prefeitura é colocado "Marta tan-tan-tan...". No governo do Estado, não é a "Febem do Alckmin", o "Rodoanel com problemas do Alckmin", o "metrô que não funciona do Alckmin", a "linha 4 que não saiu do Alckmin". As matérias, quando se referem a problemas do governo do Estado, são pequenas. Em relação a mim, são enormes.

Folha - Eu poderia contra-argumentar?
Marta
- Não. Não estou interessada. Isso é uma entrevista.

Folha - A eleição é municipal. Sua exposição teria que ser maior...
Marta
- São três anos e meio. Teve eleição de governador nesse período. Vocês não foram corretos. Não são. É por isso que eu não vou almoçar lá [na Folha] e nunca vou voltar. Apesar de o sr. Frias [Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha] me ligar, o que achei muito simpático, não vou.

Folha - Ele gosta muito da sra.
Marta
- E eu dele, muito mesmo, mas não dá para ir a um lugar que me trata assim. Aliás, nunca entendi o porquê, nunca entendi.

Folha - A sra. e o governador trocaram vários elogios antes da campanha. Depois ele acabou sendo o principal padrinho do seu adversário. Como vocês se relacionarão após a eleição?
Marta
- Da parte dele, não sei. Da minha, igualzinho. Não guardo mágoa. Sei que muito do que está falando faz parte do papel que tem de exercer. Gosto dele como pessoa. Até brinquei que ele era o melhor quadro do PSDB, de longe. Ele sabe que acho isso.

Folha - E Maluf? A partir de um ponto da campanha, ele parou de criticar a sra. e se voltou contra Serra. Declarou apoio no 2º turno. O PT nunca manifestou contrariedade. A sra., porém, demonstrou mal-estar em determinadas situações.
Marta
- Acho que a campanha passou ao largo disso, de certa forma. Teve um acordo federal, com o PP. O Maluf não tem apreço pessoal por mim, nem eu por ele. Agora, aconteceu alguma coisa em relação ao Serra que fez com que todas as desavenças pessoais que ele poderia ter comigo se tornassem pequenas diante das que ele tem com o Serra. Não sei quais são. Aliás, vocês deveriam ter investigado isso.
Maluf não faz parte da minha história. Não conversei, não telefonei, não pedi, nem ninguém do meu comitê fez isso. O apoio passa por outros caminhos que eu não sei quais são.

Folha - Circulam pela cidade kombis com foto sua ao lado da de Maluf. A sra. não teme que essa imagem a persiga no futuro?
Marta
- Fernando Henrique foi perseguido? Ele teve outdoors com o Maluf pagos pelo PSDB em 1998. Não posso impedir as pessoas que gostam do Maluf, que votam nele, de fazer campanha. Não tenho como fazer isso. Não paguei, sou contrária. Mas não vou desgostar o eleitor dele.

Folha - Todos os políticos se preocupam com a aparência. A sra. se sente mais cobrada do que se fosse, por exemplo, homem e careca? Por que a sra. acha que as pessoas se sentem no direito de cobrá-la por seus cuidados com a aparência? Isso a incomoda?
Marta
- É por ser mulher, ué, homem vai comentar o terno da pessoa, a blusa? Não comenta. Não me magoa. Faz parte da vida política. Está incorporado.

Folha - Mulher é mais visada, mas há mulheres mais visadas do que outras. A sra. é mais visada.
Marta
- Não sei. Você acha? Acho que fizeram a mesma coisa com a Jandira Feghali [candidata derrotada à prefeitura do Rio pelo PC do B], com a Rita Camata [candidata a vice de Serra na eleição presidencial de 2002].

Folha - Então o que seria isso? Machismo brasileiro?
Marta
- Certamente.

Folha - A sra. sente mais essa cobrança na elite ou já ouviu algo quando caminha pela periferia?
Marta
- Nunca ouvi isso na periferia. Mas também nunca fiz pesquisa para saber para saber em que classe social existe mais isso.

Folha - Que avaliação a sra. faz do papel do senador Suplicy na sua campanha? Ajudou muito, pouco?
Marta
- Ajudou o quanto pôde.

Folha - Menos do que seria necessário?
Marta
- O quanto pôde.

Folha - Muitas pessoas dizem que a sra. chorou no sábado passado por causa das palavras do Marcelo Déda, mas também que estaria sob o impacto da entrevista da namorada do senador Suplicy, à revista "Veja". Procede?
Marta
- Não, com todas as letras.

Folha - A sra. poderia dizer o que achou da entrevista, se leu, ou do que foi dito a esse respeito ?
Marta
- Não. Não fiz nenhum comentário a respeito da entrevista. Tive várias oportunidades. Não fiz nem farei.

Folha - Como é um dia de campanha? A que horas começa e acaba? Marta - Me reúno uma vez por semana com a pessoa que faz a agenda. Não sou eu que faço a agenda, é uma pessoa do comitê. Ele me conta as coisas mais duvidosas, o que eu acho que complica. Para mim, sempre dou conta. Digo: põe, eu tenho saúde, tenho energia, eu gosto de ir.

Folha - A sra. costuma dormir quantas horas?
Marta
- Não é tanto, não. Durmo seis, sete horas por noite. Durmo bem. Encosto a cabeça no travesseiro e durmo. Com menos de seis horas, eu não consigo. Na verdade, não é disso que eu preciso, preciso de oito horas e meia.

Folha - A sra. já falou que é contra a rinha de galo. Que leitura fez do episódio da prisão de seu marqueteiro, Duda Mendonça?
Marta
- Acho que a intenção foi atrapalhar. Obviamente isso foi muito bem planejado.

Folha - Qual foi sua primeira preocupação?
Marta
- Ver se ele estava bem, se a Aline [mulher de Duda] estava bem.

Folha - A sra. entrou na política pelo Parlamento. Pensa algum dia em retornar?
Marta
- Nunca pensei em voltar. Não tenho nenhum interesse. Sou uma pessoa prática, nasci para o Executivo. Eu gosto do Executivo. Às vezes pode não ser fácil trabalhar comigo. Eu sei como é. Não deixo papel na mesa, entende? Decido, vai para o bem ou para o mal. Pego as informações, decido, pago o preço. A coisa anda.

Folha - O que sra. gostaria de fazer na segunda-feira?
Marta
- Comemorar.

Folha - Como?
Marta
- Vou comemorar e começar a pensar na organização do novo governo no dia seguinte. Tem de pôr toda a energia em ganhar e no dia seguinte começar a trabalhar. Não vou sair de férias.

Folha - A sra. se sente preparada para perder ou ganhar?
Marta
- A gente sempre está. Mas eu gosto de ganhar. Vocês não acreditam, mas eu acredito que vou ganhar. Acho que o bom senso das pessoas vai prevalecer.


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