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SÃO PAULO
Tucano acha que cidade vive clima de baixo-astral, diz que derrota em 2002 o ensinou a ser "mais humilde" e evita cantar vitória
Serra ironiza união entre Marta e Maluf e diz que PT adota "novo patrimonialismo"
DA REDAÇÃO
José Serra, 62, diz que a oposição histórica entre PT e Paulo Maluf (PP) era uma "falsa disputa",
que evaporou na campanha pela
prefeitura. "Os dois estão juntos",
afirma o tucano, que vê na atuação do partido de sua opositora, a
prefeita Marta Suplicy, um "novo
tipo de patrimonialismo" -não
o dos coronéis, mas o do favorecimento dos amigos, igualmente
refratário à vida republicana.
À frente de Marta nas pesquisas,
o tucano mede cada palavra antes
de falar e se esquiva de responder
a qualquer questão relacionada à
montagem do governo em sua
eventual administração.
Repete várias vezes que a eleição
não está ganha, mas reage ao estreitamento da diferença captado
pelos institutos anteontem dizendo que já estaria eleito se as pesquisas definissem o resultado.
A entrevista que segue foi realizada na noite da última segunda-feira, num restaurante, e complementada por telefone após o resultado
do último Datafolha,
divulgado anteontem, que dá ao tucano sete pontos de
vantagem, a menor
desde o início do segundo turno.
Leia a seguir os
principais trechos:
(RENATA LO PRETE E FERNANDO DE BARROS E SILVA)
Como o sr. analisa o
estreitamento da
vantagem sobre sua
adversária na reta final da campanha?
José Serra - Como
tenho dito sempre,
pesquisas são fotos
do momento. Não
definem a eleição.
Aliás, se definissem,
eu já estaria eleito,
depois dos levantamentos divulgados
na quarta-feira. Em
todo caso, esse estreitamento está
dentro das margens
de erro.
Folha - Dois anos
atrás, nesta altura do
calendário, de que
maneira o sr. analisava a derrota iminente
na eleição presidencial?
Serra - Vista de fora, pode ser
que a avaliação fosse essa. Mas eu
estava no meio do furacão. Nunca
perdi a esperança. Minha única
preocupação era fazer uma campanha correta, de bom nível, e explicar minhas razões ao eleitor.
Folha - O que 2002 lhe ensinou?
Serra - Certamente a fazer melhor uma campanha. Quando você se submete ao julgamento da
população, você aprende a encarar as coisas com mais humildade, a ser mais humilde, a entender
melhor as pessoas, a ter uma visão
mais de conjunto da sociedade.
Folha - Que cálculo o sr. fez para
si próprio quando decidiu concorrer à prefeitura neste ano?
Serra - Ao contrário do que se
imagina, não faço muitos cálculos
racionais antes de tomar decisões
dessa natureza, até porque eles
não adiantam muito. Se você vai
adotar uma medida de política
econômica ou na área de saúde, aí
sim a razão é mais eficaz, embora
não cem por cento.
Mas a vida política e o seu papel
nela são sempre muito incertos. O
principal fator que me motivou a
concorrer foi a certeza de que posso fazer muito pela minha cidade.
Vejo São Paulo de baixo-astral,
com muitos problemas e com
uma prefeitura que aposta na divisão entre os paulistanos. Ganhar ou perder é da vida. Lutar a
boa luta é uma opção de vida.
Folha - No próprio PSDB, diz-se
que o sr. nunca quis ser prefeito,
que concorreu a contragosto em
1996. Até que ponto é verdadeira
essa idéia? O que mudou?
Serra - Eu não faço nada a contragosto. Na época, acreditei que
poderia ser uma alternativa à disputa Maluf-PT, boa para os dois
concorrentes e péssima para a cidade. Acho que meu pensamento
estava um pouco à frente do tempo. Hoje, oito anos depois, a falsa
disputa entre o Maluf e o PT evaporou-se. Estão juntos.
Perdi, aprendi um monte de lições. E tive a oportunidade de retornar ao ministério, na área da
saúde, a melhor experiência na
administração pública que já tive.
Folha - O sr. concorda com a idéia,
enunciada há poucos dias pelo senador Tasso Jereissati, de que sua
eventual vitória em São Paulo fará
do governador Geraldo Alckmin o
nome tucano mais forte para concorrer à Presidência em 2006?
Serra - Independentemente do
que acontecer no domingo -e a
eleição não está decidida-, o
Alckmin sempre será um dos nomes fortes do PSDB.
Folha - O sr. acredita na tese da
polarização entre PT e PSDB como
as duas forças dominantes do cenário político brasileiro?
Serra - Acredito que o PSDB é a
principal força da oposição e, se
vocês me permitirem, o principal
defensor dos ideais republicanos
de governar: a igualdade dos cidadãos diante da lei, a impessoalidade da ação de governo, a separação entre público e privado, o respeito à minoria política que resulta de um resultado eleitoral.
Na república, não há amigos a
proteger nem inimigos a perseguir. Há a lei, aplicável a todos indistintamente e válida para número indeterminado de casos. Isso tudo parece horrorizar o PT.
São patrimonialistas de novo tipo:
em vez do coronel, o partido. Aos
companheiros, tudo. Aos não-companheiros, nem o reconhecimento da existência legítima.
Folha - O sr. conversou com Lula
alguma vez desde o telefonema na
noite da derrota em 2002?
Serra - Não. Apenas cruzei com
ele e nos cumprimentamos durante um evento em São Paulo,
antes da posse. Em todo caso, ele é
o chefe da situação, eu sou presidente do principal partido de
oposição. Se houvesse algo a falar,
teria de ter partido dele.
Folha - Se o sr. vencer, vai procurar o presidente? O que diria a ele?
Serra - A eleição ainda não terminou. E não estou dando a vitória como certa. Se vencer, é claro
que vou procurar o presidente.
Levarei as questões da cidade. Faria isso mesmo que não o conhecesse pessoalmente. Faz parte do
regime republicano a convivência
dos contrários a favor do bem público. E, diga-se de passagem,
sempre tivemos relações cordiais.
Não vai haver problema nenhum.
Folha - Se em 2002 "a esperança
venceu o medo", sua eventual vitória seria de que contra quê?
Serra - Eu até teria uma frase,
mas não tem cabimento falar nisso antes do resultado das urnas.
Folha - Maluf é nefasto? O que
significa, em termos políticos, o
apoio do ex-prefeito ao PT?
Serra - Na vida pública, por mais
que tenha vontade, raríssimas vezes qualifico adversários dessa
forma. Minha concorrente é a
pessoa adequada para explicar
por que usou o adjetivo e qual o
significado político desse acordo.
Folha - O sr. concorda com a idéia
de que o declínio do malufismo
convive com certa consagração do
estilo malufista de administrar?
Serra - Não é bem consagração.
Apenas sobrevive com feições diferentes, mas com conteúdo parecido, em administrações como a
do PT na cidade de São Paulo.
Folha - Fora do vale-tudo de uma
campanha eleitoral, é cabível dizer, como o PSDB faz agora, que
Marta é tão ruim quanto Maluf?
Serra - Nós não estamos fora da
campanha eleitoral, que, aliás, para mim não é um vale-tudo.
Folha - PP e PTB poderão ser incorporados à base de sustentação
de seu eventual governo?
Serra - Realmente, não vou comentar nada sobre a administração municipal antes do resultado.
Folha - O sr. costuma citar a Secretaria de Planejamento do governo Montoro como sua experiência mais importante ao lado da vivida no Ministério da Saúde de
FHC. Por que aquele trabalho foi
tão importante para o sr.? Até que
ponto procede a história, repetida
por tucanos mais velhos, de que o
sr. foi um secretário que na verdade mandava no governo inteiro?
Serra - Foi importante porque
recuperamos São Paulo, cuja administração estava devastada, e a
extensão disso só percebemos depois da posse. As dificuldades políticas foram imensas, pela devastação em si, porque o então
PMDB nunca tinha sido governo
e porque as demandas sociais reprimidas eram imensas.
E eu não mandava no governo
inteiro, não. Franco Montoro foi
um grande governador, e eu, um
de seus principais auxiliares. Tínhamos um bom time. Comprei
as brigas que tive de comprar,
executei as missões que recebi, fiz
minha parte com empenho.
Folha - São Paulo é uma cidade
difícil sob quase todos os aspectos,
e o eleitorado local tem cada vez
menos paciência com seus governantes. O sr. não tem medo, se vencer, de frustrar as expectativas, de
ser, daqui a quatro anos, tão ou
mais rejeitado do que Marta hoje?
Serra - Não tenho medo. Tenho
esperança. A população de São
Paulo é exigente, informada. Quer
alguém que lute para que os problemas sejam resolvidos. Gosta de
gente que se esforça. Poucos rejeitam, se você administrar de forma
próxima das pessoas, comprando
seus problemas, trabalhando
muito desde o primeiro dia. Fiz isso no Ministério da Saúde, a área
mais difícil do governo federal.
Folha - O PT o acusa de não ter
propostas concretas. Para além do
jogo eleitoral, é fato que seu programa de governo demorou a aparecer na forma escrita. Por quê?
Serra - Não demorou, não. Apareceu antes do primeiro turno.
Nossas idéias têm sido apresentadas há meses na mídia, na própria
Folha, às vezes em detalhe. Não
dá para levar o argumento do PT
a sério. Eles só estão repetindo isso como slogan eleitoral.
Folha - O sr. faz críticas aos CEUs,
embora já tenha dito que, se eleito,
manterá os já construídos. Em termos bem objetivos: pretende erguer novos "escolões"? Que equívocos identifica na política educacional praticada pelo PT?
Serra - Essa política
educacional não foi
exatamente equivocada. Eu diria que
não existiu. Uniforme e material escolar
são sem dúvida
complementos importantes, mas não
são ensino de qualidade propriamente
dito. Não houve nenhuma política para
melhorar a qualidade do ensino municipal.
Folha - Que avaliação o sr. faz dos programas de transferência de renda da
atual prefeitura?
Serra - Esses programas vêm na linha
do que foi inovado
pelo PSDB em Campinas no começo dos
anos 90 e pelo governo Fernando Henrique em escala nacional. Políticas compensatórias não são
invenção do PT, ao
contrário. O PT está
piorando o sistema
ao eliminar as contrapartidas, como no
caso da bolsa-escola,
aqui incluída na renda mínima.
Além disso, não se
conhecem, na prática, os critérios de distribuição de
dinheiro. A Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento, seguindo
o padrão geral da prefeitura, é
uma caixa-preta, a maior da administração petista, além de ser a
que mais faz pirotecnia.
Folha - Se eleito, o que o sr. fará
com os contratos do lixo? Em sua
eventual gestão, haverá uma auditoria dos contratos e processos de licitação feitos pela atual prefeitura?
Serra - Se eu vencer, o que ainda
não aconteceu, claro que vamos
reexaminar as coisas. A prefeitura
atual pratica uma política de preços altos e desperdícios como
poucas vezes vi acontecer. Não há
explicação plausível para ter trabalhado quatro anos com contratos de emergência e, no mês do segundo turno, assinar um contrato
de 20 anos, no valor de R$ 10 bilhões, pagando pelo serviço muito mais do que se gasta hoje.
Folha - Como o sr. analisa o choro
da prefeita no sábado passado, e o
que acha de ela afirmar que é perseguida pela imprensa?
Serra - Não vou comentar o
comportamento pessoal da minha concorrente. Quanto a pôr a
culpa na imprensa, vocês podem
julgar melhor do que eu. Poderão
dizer se os jornalistas tiraram médicos e remédios dos postos de
saúde, se criaram as taxas, se investiram mal, se deixaram obras
paradas, se enterraram R$ 190 milhões no Fura-Fila sem concluí-lo.
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