São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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SÃO PAULO

Tucano acha que cidade vive clima de baixo-astral, diz que derrota em 2002 o ensinou a ser "mais humilde" e evita cantar vitória

Serra ironiza união entre Marta e Maluf e diz que PT adota "novo patrimonialismo"

DA REDAÇÃO

José Serra, 62, diz que a oposição histórica entre PT e Paulo Maluf (PP) era uma "falsa disputa", que evaporou na campanha pela prefeitura. "Os dois estão juntos", afirma o tucano, que vê na atuação do partido de sua opositora, a prefeita Marta Suplicy, um "novo tipo de patrimonialismo" -não o dos coronéis, mas o do favorecimento dos amigos, igualmente refratário à vida republicana.
À frente de Marta nas pesquisas, o tucano mede cada palavra antes de falar e se esquiva de responder a qualquer questão relacionada à montagem do governo em sua eventual administração.
Repete várias vezes que a eleição não está ganha, mas reage ao estreitamento da diferença captado pelos institutos anteontem dizendo que já estaria eleito se as pesquisas definissem o resultado.
A entrevista que segue foi realizada na noite da última segunda-feira, num restaurante, e complementada por telefone após o resultado do último Datafolha, divulgado anteontem, que dá ao tucano sete pontos de vantagem, a menor desde o início do segundo turno.
Leia a seguir os principais trechos:
(RENATA LO PRETE E FERNANDO DE BARROS E SILVA)
 

Como o sr. analisa o estreitamento da vantagem sobre sua adversária na reta final da campanha?
José Serra -
Como tenho dito sempre, pesquisas são fotos do momento. Não definem a eleição. Aliás, se definissem, eu já estaria eleito, depois dos levantamentos divulgados na quarta-feira. Em todo caso, esse estreitamento está dentro das margens de erro.

Folha - Dois anos atrás, nesta altura do calendário, de que maneira o sr. analisava a derrota iminente na eleição presidencial?
Serra -
Vista de fora, pode ser que a avaliação fosse essa. Mas eu estava no meio do furacão. Nunca perdi a esperança. Minha única preocupação era fazer uma campanha correta, de bom nível, e explicar minhas razões ao eleitor.

Folha - O que 2002 lhe ensinou?
Serra -
Certamente a fazer melhor uma campanha. Quando você se submete ao julgamento da população, você aprende a encarar as coisas com mais humildade, a ser mais humilde, a entender melhor as pessoas, a ter uma visão mais de conjunto da sociedade.

Folha - Que cálculo o sr. fez para si próprio quando decidiu concorrer à prefeitura neste ano?
Serra -
Ao contrário do que se imagina, não faço muitos cálculos racionais antes de tomar decisões dessa natureza, até porque eles não adiantam muito. Se você vai adotar uma medida de política econômica ou na área de saúde, aí sim a razão é mais eficaz, embora não cem por cento.
Mas a vida política e o seu papel nela são sempre muito incertos. O principal fator que me motivou a concorrer foi a certeza de que posso fazer muito pela minha cidade. Vejo São Paulo de baixo-astral, com muitos problemas e com uma prefeitura que aposta na divisão entre os paulistanos. Ganhar ou perder é da vida. Lutar a boa luta é uma opção de vida.

Folha - No próprio PSDB, diz-se que o sr. nunca quis ser prefeito, que concorreu a contragosto em 1996. Até que ponto é verdadeira essa idéia? O que mudou?
Serra -
Eu não faço nada a contragosto. Na época, acreditei que poderia ser uma alternativa à disputa Maluf-PT, boa para os dois concorrentes e péssima para a cidade. Acho que meu pensamento estava um pouco à frente do tempo. Hoje, oito anos depois, a falsa disputa entre o Maluf e o PT evaporou-se. Estão juntos.
Perdi, aprendi um monte de lições. E tive a oportunidade de retornar ao ministério, na área da saúde, a melhor experiência na administração pública que já tive.

Folha - O sr. concorda com a idéia, enunciada há poucos dias pelo senador Tasso Jereissati, de que sua eventual vitória em São Paulo fará do governador Geraldo Alckmin o nome tucano mais forte para concorrer à Presidência em 2006?
Serra -
Independentemente do que acontecer no domingo -e a eleição não está decidida-, o Alckmin sempre será um dos nomes fortes do PSDB.

Folha - O sr. acredita na tese da polarização entre PT e PSDB como as duas forças dominantes do cenário político brasileiro?
Serra -
Acredito que o PSDB é a principal força da oposição e, se vocês me permitirem, o principal defensor dos ideais republicanos de governar: a igualdade dos cidadãos diante da lei, a impessoalidade da ação de governo, a separação entre público e privado, o respeito à minoria política que resulta de um resultado eleitoral.
Na república, não há amigos a proteger nem inimigos a perseguir. Há a lei, aplicável a todos indistintamente e válida para número indeterminado de casos. Isso tudo parece horrorizar o PT. São patrimonialistas de novo tipo: em vez do coronel, o partido. Aos companheiros, tudo. Aos não-companheiros, nem o reconhecimento da existência legítima.

Folha - O sr. conversou com Lula alguma vez desde o telefonema na noite da derrota em 2002?
Serra -
Não. Apenas cruzei com ele e nos cumprimentamos durante um evento em São Paulo, antes da posse. Em todo caso, ele é o chefe da situação, eu sou presidente do principal partido de oposição. Se houvesse algo a falar, teria de ter partido dele.

Folha - Se o sr. vencer, vai procurar o presidente? O que diria a ele?
Serra -
A eleição ainda não terminou. E não estou dando a vitória como certa. Se vencer, é claro que vou procurar o presidente. Levarei as questões da cidade. Faria isso mesmo que não o conhecesse pessoalmente. Faz parte do regime republicano a convivência dos contrários a favor do bem público. E, diga-se de passagem, sempre tivemos relações cordiais. Não vai haver problema nenhum.

Folha - Se em 2002 "a esperança venceu o medo", sua eventual vitória seria de que contra quê?
Serra -
Eu até teria uma frase, mas não tem cabimento falar nisso antes do resultado das urnas.

Folha - Maluf é nefasto? O que significa, em termos políticos, o apoio do ex-prefeito ao PT?
Serra -
Na vida pública, por mais que tenha vontade, raríssimas vezes qualifico adversários dessa forma. Minha concorrente é a pessoa adequada para explicar por que usou o adjetivo e qual o significado político desse acordo.

Folha - O sr. concorda com a idéia de que o declínio do malufismo convive com certa consagração do estilo malufista de administrar?
Serra -
Não é bem consagração. Apenas sobrevive com feições diferentes, mas com conteúdo parecido, em administrações como a do PT na cidade de São Paulo.

Folha - Fora do vale-tudo de uma campanha eleitoral, é cabível dizer, como o PSDB faz agora, que Marta é tão ruim quanto Maluf?
Serra -
Nós não estamos fora da campanha eleitoral, que, aliás, para mim não é um vale-tudo.

Folha - PP e PTB poderão ser incorporados à base de sustentação de seu eventual governo?
Serra -
Realmente, não vou comentar nada sobre a administração municipal antes do resultado.

Folha - O sr. costuma citar a Secretaria de Planejamento do governo Montoro como sua experiência mais importante ao lado da vivida no Ministério da Saúde de FHC. Por que aquele trabalho foi tão importante para o sr.? Até que ponto procede a história, repetida por tucanos mais velhos, de que o sr. foi um secretário que na verdade mandava no governo inteiro?
Serra -
Foi importante porque recuperamos São Paulo, cuja administração estava devastada, e a extensão disso só percebemos depois da posse. As dificuldades políticas foram imensas, pela devastação em si, porque o então PMDB nunca tinha sido governo e porque as demandas sociais reprimidas eram imensas.
E eu não mandava no governo inteiro, não. Franco Montoro foi um grande governador, e eu, um de seus principais auxiliares. Tínhamos um bom time. Comprei as brigas que tive de comprar, executei as missões que recebi, fiz minha parte com empenho.

Folha - São Paulo é uma cidade difícil sob quase todos os aspectos, e o eleitorado local tem cada vez menos paciência com seus governantes. O sr. não tem medo, se vencer, de frustrar as expectativas, de ser, daqui a quatro anos, tão ou mais rejeitado do que Marta hoje?
Serra -
Não tenho medo. Tenho esperança. A população de São Paulo é exigente, informada. Quer alguém que lute para que os problemas sejam resolvidos. Gosta de gente que se esforça. Poucos rejeitam, se você administrar de forma próxima das pessoas, comprando seus problemas, trabalhando muito desde o primeiro dia. Fiz isso no Ministério da Saúde, a área mais difícil do governo federal.

Folha - O PT o acusa de não ter propostas concretas. Para além do jogo eleitoral, é fato que seu programa de governo demorou a aparecer na forma escrita. Por quê?
Serra -
Não demorou, não. Apareceu antes do primeiro turno. Nossas idéias têm sido apresentadas há meses na mídia, na própria Folha, às vezes em detalhe. Não dá para levar o argumento do PT a sério. Eles só estão repetindo isso como slogan eleitoral.

Folha - O sr. faz críticas aos CEUs, embora já tenha dito que, se eleito, manterá os já construídos. Em termos bem objetivos: pretende erguer novos "escolões"? Que equívocos identifica na política educacional praticada pelo PT?
Serra -
Essa política educacional não foi exatamente equivocada. Eu diria que não existiu. Uniforme e material escolar são sem dúvida complementos importantes, mas não são ensino de qualidade propriamente dito. Não houve nenhuma política para melhorar a qualidade do ensino municipal.

Folha - Que avaliação o sr. faz dos programas de transferência de renda da atual prefeitura?
Serra -
Esses programas vêm na linha do que foi inovado pelo PSDB em Campinas no começo dos anos 90 e pelo governo Fernando Henrique em escala nacional. Políticas compensatórias não são invenção do PT, ao contrário. O PT está piorando o sistema ao eliminar as contrapartidas, como no caso da bolsa-escola, aqui incluída na renda mínima.
Além disso, não se conhecem, na prática, os critérios de distribuição de dinheiro. A Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento, seguindo o padrão geral da prefeitura, é uma caixa-preta, a maior da administração petista, além de ser a que mais faz pirotecnia.

Folha - Se eleito, o que o sr. fará com os contratos do lixo? Em sua eventual gestão, haverá uma auditoria dos contratos e processos de licitação feitos pela atual prefeitura?
Serra -
Se eu vencer, o que ainda não aconteceu, claro que vamos reexaminar as coisas. A prefeitura atual pratica uma política de preços altos e desperdícios como poucas vezes vi acontecer. Não há explicação plausível para ter trabalhado quatro anos com contratos de emergência e, no mês do segundo turno, assinar um contrato de 20 anos, no valor de R$ 10 bilhões, pagando pelo serviço muito mais do que se gasta hoje.

Folha - Como o sr. analisa o choro da prefeita no sábado passado, e o que acha de ela afirmar que é perseguida pela imprensa?
Serra -
Não vou comentar o comportamento pessoal da minha concorrente. Quanto a pôr a culpa na imprensa, vocês podem julgar melhor do que eu. Poderão dizer se os jornalistas tiraram médicos e remédios dos postos de saúde, se criaram as taxas, se investiram mal, se deixaram obras paradas, se enterraram R$ 190 milhões no Fura-Fila sem concluí-lo.


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