São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2008

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PF obtém dados sigilosos de site para Abin investigar servidores

Informações foram usadas em sindicância contra dois funcionários que criticavam a gestão Lacerda

Um dos acusados entrou na Justiça para não ser punido, mas juíza negou o pedido; para deputado que preside CPI, criticar chefe não é crime

Lula Marques - 09.nov.08/Folha Imagem
O diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, e o diretor afastado da Abin, Paulo Lacerda, em Brasília

HUDSON CORRÊA
ALAN GRIPP
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Para descobrir a identidade de servidores que fizeram críticas à instituição na internet, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) recorreu à Polícia Federal para obter dados sigilosos de usuários de um fórum virtual de debates e os repassou à agência.
Sem autorização judicial, a PF pediu ao portal CorreioWeb - mantido pela S.A. Correio Braziliense, que edita o jornal "Correio Braziliense"- dados que revelaram as identidades de internautas que se identificaram apenas por apelidos. Mesmo depois de reconhecer "não ter visto qualquer indício de crime" nas mensagens, a PF enviou as informações à Abin, que abriu processo disciplinar interno contra dois agentes, ameaçados de demissão.
Em documento confidencial, obtido pela Folha, a Abin revela que procurou a PF porque o cadastro de usuários no site era sigiloso, e só poderia ser obtido por autoridade policial. A PF e a Abin negam a quebra ilegal do sigilo dos internautas no caso.
Os autores das críticas à gestão da Abin usavam na internet codinomes como "pindaíba", "desvendando", "agente sofre-dor", "arapongamandraque" e "james bondcama". As mensagens podiam ser vistas por qualquer internauta, mas as identidades eram preservadas.
Após desconfiar de seus funcionários, a Abin acionou a PF, que pediu os dados à empresa de comunicação. Em maio de 2007, a S.A. Correio Braziliense forneceu ao delegado Disney Rosseti uma lista de 11 participantes, com nome completo, CPF e e-mails declarados por eles em um cadastro prévio. A empresa também informou o endereço IP (protocolo de internet) dos internautas, o que permite identificar o computador usado para acessar o site.
Com base nos dados, repassados em novembro de 2007, o diretor-geral afastado da Abin, Paulo Lacerda, abriu em julho deste ano processo administrativo disciplinar contra os servidores Weber Ferreira Junqueira de Barros Junior e Iracema da Rocha Costa e Silva.
No despacho, Lacerda diz que, se valendo de "pseudônimos", "registros falsos" e CPFs "de terceiros", eles emitiram "opiniões desrespeitosas, agressivas e de desapreço à hierarquia funcional e à imagem da Abin" durante dois meses.
Este mês, Junior entrou com um mandado de segurança na Justiça Federal para tentar interromper o processo disciplinar. Ele alega que os dados foram obtidos de forma ilegal.
Na última terça-feira, a juíza Maria Cecília de Marco Rocha decidiu que "não há como, por ora, dizer que as provas colhidas na sindicância são oriundas de "devassa ilegal'". Ela argumenta que o site informa que os dados podem ser obtidos pela polícia se usuários "se tornarem alvos de investigação".
A denúncia chegou à CPI dos Grampos. "Esse episódio é a síntese do Estado policial. Usa-se o aparato policial para apurar que crime? Uma infração administrativa, uma crítica ao chefe? Isso não é crime", disse o presidente da CPI, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ). Para o presidente da OAB, Cezar Britto, o caso revela traços de autoritarismo. "Esse meio de comunicação tem um papel importante na democratização das informações. Censurá-lo é um precedente perigoso".


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